Em Annecy, a casa de São Francisco de Sales está exatamente defronte da de Jean-Jacques Rousseau. Podemos ver nisto um símbolo. Encontram-se aqui duas possibilidades fundamentais da modernidade, dois modos alternativos de ser homem.
De um lado, está São Francisco de Sales, o homem que se desprendeu de si, que deixou de olhar para si mesmo e assim se encheu de confiança. Dessa forma, tornou-se um amante e passou a irradiar a mansidão, a bondade e a liberdade de Jesus Cristo; e dessa forma ofereceu também aos homens a liberdade - liberdade de si mesmos e liberdade para darem os seus próprios frutos na Criação divina.
Do outro, está Jean-Jacques Rousseau, que foi o primeiro a viver a grande negação, e a viveu como nenhum outro. Também ele teve de enfrentar-se com o calvinismo, mas esse enfrentamento levou-o à rejeição de tudo o que somos e à procura do homme naturel, do homem meramente natural, para o qual até a linguagem e as instituições acabariam por tornar-se uma repressão, uma opressão que tiraria a liberdade. Seria preciso retroceder para trás delas, o que no fim das contas significa retroceder para trás de toda a Criação de Deus.
Rousseau foi o primeiro a conceber um ser humano que não tivesse teleologia alguma, nenhuma determinação para o fim, e que por isso poderia naturalmente percorrer uma infinidade de caminhos incomensuráveis. Mas são caminhos que acabam no vazio, pois são mera negação. Perto do fim, o filósofo sentiu a necessidade de lançar ao chão de alguma forma o imenso fardo de uma vida como a sua, e o fez ao dizer nas suas Confissões - que, à diferença de Santo Agostinho, não manifestou diante de Deus, mas diante do público, tendo por isso que dar a absolvição a si mesmo -: "Soe quando soar a trombeta do Juízo final, eu virei apresentar-me diante do soberano juiz com este livro nas mãos. [...] E depois, que um só dentre os outros diga, se o ousar: "Eu fui melhor do que este homem!" Que maneira melancólica de absolver-se!
Rousseau esboçou a grande negação, tanto sob a forma da revolução permanente como da ditadura total. Essa é a alternativa entre cujos pólos o nosso século oscilou e continua a oscilar - e tem de oscilar! - porque, enquanto o homem não der o salto da grande confiança, só lhe restará o grito de revolta.
São Francisco de Sales e Jean-Jacques Rousseau: as duas casas uma defronte da outra em Annecy, as duas possibilidades do nosso tempo. O Senhor está à nossa espera. Chama-nos, pedindo-nos que ousemos confiar, que nos abandonemos nEle, que não olhemos para trás nem para nós mesmos, para que possamos encontrar o acesso a Ele: a liberdade e a alegria do Evangelho. Peçamos-lhe que sejamos capazes de seguir o seu chamado, para que assim cada um de nós dê frutos segundo a sua espécie, segundo o dom que Deus lhe deu.
Joseph Ratzinger, Homilias Sobre os Santos
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