Quentes ou frios


“Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te.”(Apocalipse III, 16)

Em que consistiria Senhor, meu Deus, tamanha expressão, que de tão forte abala-me a tranqüilidade. Ponho-me, pois, oh Deus meu, a lançar-me no entendimento que, em Tua infinita bondade deseja me fazer compreender. Para tanto, reconheço, que ao ‘lançar-me por águas mais profundas’, devo ancorar minha Fé, em Tua Santa e Indefectível Igreja Católica.
Darei inicio, contudo, com uma análise, ainda que superficial, sobre o santo texto, para assim, então, aprofundar-me sobre a verdade que em Tua Misericórdia sem fim deseja me revelar.

Apocalipse III, 15-21
15Conheço as tuas obras: não és nem frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! 16Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te. 17Pois dizes: Sou Rico, faço bons negócios, de nada necessito - e não sabes que és infeliz, Miserável, pobre, cego e nu. 18Aconselho-te que compres de mim ouro provado ao fogo, para ficares rico; roupas alvas para te vestires, a fim de que não apareça a vergonha de tua nudez; e um colírio para ungir os olhos, de modo que possas ver claro. 19Eu repreendo e castigo aqueles que amo. Reanima, pois, o teu zelo e arrepende-te. 20Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me
abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo. 21Ao vencedor concederei assentar-se comigo no meu trono, assim como eu venci e me assentei com meu Pai no seu trono.

Reconheço ser necessário que se faça um entendimento de todo o texto, para então darmos continuidade ao que de fato se expressa na fase proposta para estudo, e com isso reconhecer o que Cristo nos fala através de seu Corpo Místico.
17Pois dizes: Sou rico, faço bons negócios, de nada necessito - e não sabes que
és infeliz, miserável, pobre, cego e nu.
Observemos, pois, que a medida do homem, está em suas conquistas patrimoniais, ou ainda sociais. É fácil, hoje, valorizar-se um homem, enquanto membro de um grupo, quando destace-se por seu comportamento, ou até quando atinge anseios de outros, que desejam o que se foi conquistado. Para que sejamos mais claros, eis que proporei abaixo um pequeno exemplo sobre que desejo expressar.

Um homem é bem sucedido financeiramente, tem um alto poder aquisitivo, é o diretor de uma multinacional, fala três idiomas diferentes, entende de finanças, política, economia mundial, e um pouco mais daquilo que acabou de sair nos jornais.

Eis então que imaginando este homem como amigo seu, haverias de apresentá-lo como ‘Aquele que se deu bem na vida’. Pois hoje, notamos claramente que o medir material, é conseqüência de um saber aproveitar a ‘carne’, e com isso, passamos a supervalorizar o que é material e perecível, em prol do esquecimento daquilo que é eterno e imperecível. É o sólido sendo trocado pelo etéreo, o concreto pelo abstrato, e enfim achamo-nos como vencedores. Desconhecemos, ou fingimos desconhecer, que um dia, tais conquistas terão o mesmo valor a nós que aquele esterco lançado aleatoriamente ao pasto.

Fazendo-se rico, uma riqueza que ultrapassa o entendimento meramente financeiro, mas que pode ser também um acumulo do orgulho, da luxúria, pois quantos já não foram, em pequenos círculos, ‘adorados’, porque ‘fizeram o que outros queriam fazer’.

E tantas e tantas outras situações que faz-nos sentir auto-suficientes, como se conquistas materiais haveriam, por fim de suprir as espirituais.

É fato que o desconhecimento da vida transcendental pode ser a resultante de tamanha escolha, desprovida por assim dizer, de qualquer senso intelectual. Entretanto, haveremos de tratar deste assunto, mais à frente. Por hora, será mais apropriado dedicarmo-nos a compreender o que nos faz, cientes do que nos espera na vida futura, tomarmos decisões tão pouco prudentes.
18Aconselho-te que compres de mim ouro provado ao fogo, para ficares rico;
roupas alvas para te vestires, a fim de que não apareça a vergonha de tua nudez;
e um colírio para ungir os olhos, de modo que possas ver claro.
A beleza e perfeita continuidade, alerta-nos que há uma vigilância sobre aquilo que fazemos, observamos então que as decisões tomadas são acompanhadas por algo, ou melhor, por alguém a quem reconhecemos por Deus, e tivemos pois a instrução de chamá-lo de Jesus Cristo.

Em aparente indiferença às nossas escolhas passadas, há agora, a cada instante uma nova proposta, há um novo aconselhar, como se fosse a única atitude possível de ser feita.

Todavia, é de conhecimento nosso, que este, a quem chamamos de Cristo, é pois Deus nosso, e em todo seu Poder e Bondade, sua intervenção haveria sempre de ser bem-vinda, e o aconselhar, seria até, ousadamente dizendo, inapropriado, haja visto que muito mais se pode ser feito, dado a Aquele que Tudo Pode.

Pois então, a indagação sobre o porquê Deus contem-se em apenas aconselhar repousa sobre o entendimento que um Deus que tudo pode, limita-se à justiça de nada fazer, quando outrora propôs-se a dar ao homem o poder indireto de se salvar. Esbarramos, com isso, no livre arbítrio.

Tendo então Deus a capacidade para a todos salvar, e tendo Jesus Cristo, feito-se homem para amorosamente cumprir injustamente o peso de nossos erros. Se, pois houvéssemos de cobrar justiça, seria, antes de tudo injusto, o Pai, perante o Filho, pois o permitiu doar-se à morte, e morte que podendo salvar a todos, não o fará, devido à ‘justiça’ do livre arbítrio, sendo, contudo um, Pai-Filho, a injustiça então esta daquele que foi salvo, para com Aquele que salvou.

Assim sendo, depois de tamanha entrega, é colocado sobre os braços servis humanos, a possibilidade de permitir-se salvar, sendo então indiretamente responsável pela própria salvação, já que se fazem vezes inúmeras, diretamente responsáveis pela própria condenação.

Assim sendo, como se pode dizer que não há bondade Naquele que nos criou, se tendo, pois se entregue à morte, e morte de cruz, ainda permitir que se façam maldades, e perante a injúria, se pôr a aconselhamentos, quando justo seria ver cair sua ira sobre aqueles que o insultam. Com isso, faz-se necessário afirmar que humanamente e impossível compreender tamanha justiça que se mede pela misericórdia.
19Eu repreendo e castigo aqueles que amo. Reanima, pois, o teu zelo e
arrepende-te.
É dessa incompreensível justiça que falamos acima.

Como pode então Deus permitir que o homem escolha ‘entre o bem e o mal’, se a custa da salvação de todos permitiu dar seu único Filho.

Apesar de difícil entendimento, o Senhor vai além e se coloca a reviver àqueles que se arrependem. Mais então do que aconselhar, aqueles que escutam, são revividos.

Reanima pois o teu zelo, é a ordem que se dá, e em tal ordem, nota-se claramente que não se cobra por aquilo que se amarga a perda. Tendo então se arrependido, permiti-se um novo começo.

Mas que justiça é essa meu Deus, que permite apagar o erro passado, se foi também pelo erro passado que Jesus Cristo se fez cordeiro.

Observemos então, que entanto cobramos bondade de Deus, Ele a tem dado de tal modo nos parece incompreensível, e em algum momento, até inaceitável. E talvez por isso, nos permitamos desaperceber de tamanho afeto. E acabamos por lhe cobrar indevidamente por algo que nos tem dado abundantemente.
20Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a
porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo.
Com tal frase, somos obrigados a voltar ao ponto anterior, sobre nossa participação ativa, porém indireta, no plano salvífico de Deus.

Observemos, então que o Senhor se põe à porta e bate, mas cobra que seja escutado, e tal escuta remete a uma atitude, a de abrir a porta. Abrir a porta, entretanto, é algo aparentemente fácil, e falando-se de vida espiritual, é apenas aparente mesmo.

O gesto de abrir a porta nos leva a perceber que algo vai entrar e ocupar um espaço, um espaço que de forma egoísta ousamos chamar de nossos, mas de fato, tendo vindo do nada, o que é nosso, senão apenas o nada.

Com tal observação notamos que somos então responsáveis pela nossa salvação pessoal, e para tanto, serão necessárias renuncias. Pois agora, alguém ocupa um espaço que anteriormente, por não ter ainda entrado, não ocupava. Alguns haverão, com isso, de renunciar ao descanso, outros ao lazer, alguns às riquezas, outros aos amigos, à família, e ainda outros, aos mais doces sonhos. Assim sendo, muitas vezes ouvimos o bater, talvez nos falte a coragem de nos colocarmos a abrir.

É necessário observar, contudo, que haverá uma ceia, ou seja, os sedentos serão saciados, os famintos alimentados, os enfermos curados, os encarcerados libertos.
21Ao vencedor concederei assentar-se comigo no meu trono, assim como eu
venci e me assentei com meu Pai no seu trono.

Agora então compreendermos o chamado, haverá pois sim, um esforço, um esforço pessoal, mas tal esforço será recompensado, com a vitória, o trono, a eternidade.

Todavia, voltando a analise da justiça, haveria alguma em dar o trono aqueles que lutaram, se foi justamente por esses, que o dono do trono, também teve de morrer. Não seria mais justo que apenas revivessem, e não houvesse sobre eles gloria alguma. E mais uma vez, deparamo-nos com a justiça misericordiosa do Pai, a quem, alguma vez, pretensiosamente ousamos dizer, não ser bom, apenas porque, em dado instante não compreendermos a linguagem que nos falava, e se não a compreendemos, é certo que foi porque sonolentos, não abrimos a porta para cearmos.

Após tão breve explanação, talvez seja imprudentes lançar-se a compreender os versículos que precedem os que foram estudados, não obstante a prudência não pode tornar inanimada a ousadia, enquanto que verdadeiramente a segunda não pode ser fazer valer acima da primeira. Sejamos então, prudentemente ousados.
16Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te.

Talvez esse versículo 16 seria melhor compreendido após o 20, e por isso o transcrevemos para este momento.

Observemos com o que foi exposto, que a bondade de Deus ultrapassa, por assim dizer sua justiça, pois é desejo do Pai a salvação de todos, e foi por todos que Cristo se fez cordeiro e que o Espírito Santo se faz Paráclito. Como nos diz o Catecismo da Santa Igreja Católica:

§851 O motivo da missão. É do amor de Deus por todos os homens que a
Igreja sempre tirou a obrigação e a força de seu clã missionário: "Pois o amor de Cristo nos impele..." (2Cor 5,14). Com efeito, "Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade" (1Tm 2,4). Deus quer a salvação de todos pelo conhecimento da verdade. A salvação está na verdade. Os que obedecem à moção do Espírito de verdade já estão no caminho da salvação; mas a Igreja, a quem esta verdade foi confiada, deve ir ao encontro de seu anseio, levando-lhes a mesma verdade. Ela tem de ser missionária porque crê no projeto universal de salvação.

Após aconselhamento, reavivamento, fortalecimento e tantas outras ações diretas do Alto, observamos que para usufruí-las em abundância é necessário uma ação concreta correspondente ao que se crer. É necessária uma radicalidade Santa e Inteligente.

É necessário ser definitivamente quente.

O que se pode observa muitas vezes, é que a frieza se dá não pela falta de desejo em ser quente, mas sim pela falta de compreensão em o que é ser quente. Assim sendo, aprofundemo-nos que constitui ser quente e então poderemos observar a necessidade de sê-lo.

Mateus 7, 13-14
13Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho
que conduzem à perdição e numerosos são os que por aí entram. 14Estreita, porém,
é a porta e apertado o caminho da vida e raros são os que o encontram.

É citando São Mateus que damos inicio a nossa compreensão, pois de fato, ser quente é lutar para passa pela porta estreita.

Se o caminho é difícil de ser achado, então certamente o que ‘eu acho’ tende a ser algo pouco confiável, pois no meu achismo as soluções são simples e a adesão é restrita. Assim sendo, para percorrer o apertado caminho e passar pela porta estreita, é necessário parar e procurar tal porta.

Então para assumir uma vida estritamente cristã é necessário: parar, procurar e seguir

Parar

I Tessanolicenses V, 21
21 Examinai tudo: abraçai o que é bom.
No decorrer de um dia, muitas informações, novidades, atrativos nos são apresentados, e um dia somado a outro chegaremos facilmente há anos e anos de vida, e com esta vida, muitas e muitas informações. Eis ai o momento de parar, refletir e compreender a verdade. Pois a não reflexão da verdade nos faz descaracterizar a verdade absoluta, com se houvesse apenas a relativa. Entretanto, a primeira existe e é superior à segunda, pois é universal.

Observemos um embate de Fé entre um Católico e um ateu, é fato que cada um vai expor seu entendimento da verdade, e esse entendimento constituirá uma verdade relativa, todavia, há uma verdade absoluta, pois é impossível que Deus exista e tenha criado o mundo por amor, e simultaneamente não existe e o mundo seja um grande acaso.

Parar então, nada mais é que silenciar, negar o que fere a nossa fé, e preparar-se para procurar.

Procurar
Eis aqui talvez o momento mais importante do caminho apertado da santidade, o procurar. Pois este consiste em horas de leitura, dias de jejum e anos de oração.

Procurar aplica-se em ter vontade, desejo de viver o certo, independente do preço que se pague. É ouvir a Santa Mãe, pois assim, saberemos que ouvimos propriamente a Deus. É estar disposta a abandonar preconceitos e entrar pobre nessa realidade.

Muitas vezes estamos ricos, demasiadamente ricos para nos permitir encher da verdade. Chegamos à Igreja com verdade pré-formuladas, condutas pré-estabelecidas, e não nos permitirmos estar errados, estamos tão cheios de nosso pobre entendimento, que nos esquecemos de esvaziar a mentira que cultivamos para podermos nos preencher da verdade que buscamos.

Procurar é acima de tudo lapidar as virtudes da Esperança e a Perseverança, é não desistir na primeira duvida, é saber o que deseja, mesmo sem saber o que te espera. É apostar tudo, inclusive o próprio eu.

Seguir
Se dissermos que procurar é o momento mais importante, não seria ousado dizer que seguir é o mais difícil. É enfim, lutar para queimar-se, é desejar ser quente, abandonando a ‘segurança’ irreal do iceberg que criamos para nos aceitar corretos e bondosos.

Todavia não nos estenderemos sobre o seguir, pois sendo o tema central do nosso estudo, será devidamente explanado mais à frente.

Após a compreensão de como lutar para se viver uma plenitude cristã, começamos a galgar o entendimento do que é ser quente.

Em breves linhas, ser quente é:

Mateus V, 48
5Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito
Ser quente é aderir ao desejo santificante de Deus Pai, não se importando em passar pelo fogo, cientes de que só haverá de passar pela porta estreita aquele que se permitir santificar.

Conhecendo pôs o que nos é pedido, Sede Santos, já nos faz ressoar à mente a necessidade de sermos quentes, de sermos inteligentemente radicais.

Insisto na radicalidade inteligente, pois é certo que não nos é permitido aderir ao fanatismo incoerente e injusto, porém, quando radicais, somos acima de tudo caridosos, pois tornamo-nos testemunho vivo da verdade revelada a nós por Jesus Cristo.

A vida radical, nada mais é que a vida concorrente segunda a vontade de Deus, abstendo-nos de fazer nossa conveniente vontade, em detrimento de uma vida servil em dissonância ao que de fato nos exige o Senhor.

Em Apocalipse 3, observamos então, que somente os quentes serão aceitos, pois os mornos haverão de ser vomitados, isso nos exclui a possibilidade de adesão ao céu em paralelo a uma vida ‘relativamente’ entregue. E nisso consiste a plano do Senhor.

Não basta a nós viver o que nos aprece ser bom desprezando o que não nos agrada, verdadeiramente haverão de entrar no céu aqueles que viveram a luta diária por uma vida plenamente servil, fazendo valer a vontade do Pai.

Porém para tanto é necessário saber que o estudo e a oração são caminhos imprescindíveis que devem andar lado a lado, para que ‘abastecendo-se’ mutuamente estejamos aptos a compreender, aceitar e pôr em pratica aquilo que a porta estreita nos convida a viver.

A passagem para a vida eterna está aberta a todos, mas é "estreita" porque é exigente, requer compromisso, abnegação, mortificação do próprio egoísmo. (PAPA BENTO XVI – ANGELUS – Castel Gandolfo, 26 de Agosto de 2007)


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