A pena, como uma sombra, segue a culpa; e, assim como da grandeza da sombra se deduz a grandeza do corpo, assim da gravidade dos castigos com que Deus pune o pecado venial, se pode claramente deduzir a gravidade de sua malícia. Tanto mais que, sendo Deus a infinita justiça, castiga com toda a proporção; sendo a infinita sabedoria, sabe até onde deve ir a proporção do castigo; e, sendo incapaz de paixão humana, não pode castigar mais do que deve, nem por arrebatamento da cólera, nem por falsa apreensão, nem por desordenado sentimento.
Posto isto, vejamos como Deus castigou o pecado venial, nesta vida, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.
No Antigo Testamento, Moisés, tão favorecido de Deus, caminhando para o Egito a fim de libertar o povo de Israel, saiu-lhe ao encontro um Anjo para o matar (Ex 4, 24).
E por qual pecado se viu Moisés nesse perigo?
Porque tinha adiado circuncidar seu filho - não porque não o quisesse circuncidar, mas diferia fazê-lo por um terno afeto, que não passava de pecado venial. Mas Séfora, sua consorte, logo circuncidou o menino e com isto se aplacou a ira do Anjo. Enviou Deus um profeta a Betel, ao rei Geroboão, com ordem de não comer pão pelo caminho, nem beber água (3 Rs 13).
Fê-lo assim o profeta, mas, na volta, encontrou-se com outro profeta venerável, que o enganou, dizendo-lhe que entrasse em sua casa, que esta era a Vontade de Deus, e se fortificasse.
Assim o fez o crédulo profeta, e comeu pão e bebeu água. Este pecado do profeta foi, certamente, venial. Não obstante, Deus fez sair de uma floresta um leão, que o matou. E para que se entendesse que isto acontecera, não por fome do leão, mas por culpa do profeta, não só o leão não devorou o corpo morto, mas guardou-o até ser sepultado.
Pela curiosidade de ver o incêndio de Sodoma, a mulher de Lot foi convertida em estátua de sal. Por uma vã complacência que teve Davi em olhar para o seu fortíssimo exército, foi castigado com uma peste, que em três dias matou setenta mil pessoas.
No Novo Testamento, lemos nos fastos da Igreja gravíssimas penas com que Deus tem castigado o pecado venial.
São Jerônimo narra de Santo Hilário que, por uma distração não repelida, permitiu Deus que o demônio saltasse sobre ele e o flagelasse.
Santo Odão, abade, escreve de São Gerardo Conte, que ficou cego por ter olhado fixamente para o rosto de uma menina.
Conta Paládio de um santo homem, que vivia em grande austeridade, ao qual Deus por muitos anos mandava, por um anjo, um alvíssimo pão, que lhe bastava para dois dias. Depois de algum tempo começou a pensar, por vaidade, que era melhor do que os outros. Logo Deus o castigou mandando-lhe, em vez de pão branco, pão negro. Um dia Santa Francisca Romana sentiu que lhe davam uma valente bofetada. Voltou-se para ver quem a tinha ferido, e viu um Anjo que lhe disse: “Esta bofetada te dei, em castigo do ócio com que estavas perdendo o tempo, que é tão precioso”.
Mas os maiores castigos do pecado venial são na outra vida.
Primeiramente, é sentença de São Tomás, de São Boaventura e do comum dos teólogos que, se um pecador morre sem a graça de Deus, e leva pra o inferno, juntamente com um pecado mortal, um pecado venial não perdoado, deverá sofrer lá uma dupla pena eterna, por um e por outro. E a razão é clara: porque no inferno não há redenção, e não lhe sendo perdoada a culpa venial, também não lhe será remitida a pena que lhe é devida.
Em segundo lugar, os pecados veniais, pelos quais não fizemos penitência, serão castigados no Purgatório com penas atrocíssimas.
Se alguém neste mundo, por uma mentira ligeira, devesse ser lançado numa fogueira ardente, que horror não nos causaria! Mas o seu tormento seria breve, pois logo morreria. Mas as almas do Purgatório sofrem e não morrem; e sofrem não por um momento, mas por muitos anos, e até milhares de anos.
E não é qualquer fogo o do Purgatório.
Santo Agostinho diz que “com o mesmo fogo é atormentado o condenado e purificado o eleito”.
Não é, pois, o pecado venial, coisa tão ligeira e insignificante, que não temamos cometê-lo.
São Maurício bispo, por se descuidar em batizar um menino, que logo morreu, renunciou ao bispado e se condenou a viver sempre peregrinando. Santo Eusébio, por uma distração voluntária na oração, condenou-se a ter sempre os olhos baixos e a não olhar para objeto terreno. O sacerdote Evágrio, em penitência por uma pequena distração, passou quarenta dias sem se sentar. De São Paulo Eremita, escreve São Jerônimo em seu epitáfio, que chorava os pecados leves como se fossem gravíssimos crimes.
E quem terá tão pouco juízo que, podendo neste mundo resgatar a pena devida por seus pecados veniais com menores castigos, deixe para o fogo do Purgatório satisfazer por eles?...
(Padre Alexandrino Monteiro, S. J., Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, II Edição, Editora Vozes, Petrópolis: 1959, páginas 116-128)
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