Há uma concepção difundida de que o bem-estar, a alegria, a felicidade e o prazer dependem da satisfação de todos os desejos, o que sabemos ser impossível.
Sob o pretexto de promover a alegria e o prazer, a cultura consumista não cessa de inventar “coisas felizes”, que a publicidade se encarrega de impor ao indivíduo como um bem a ser consumido.
O panorama atual é de predomínio do dinheiro, do consumo de coisas, de corpos e prazeres. A serviço disso funciona toda uma ética da aparência. A Diet Shake anunciou seus produtos em “outdoor”, dizendo: Felicidade é caber num vestido P. Este conceito de felicidade tem na base uma tirania da estética. Dessa tirania procede uma falange de pessoas anoréxicas, bulímicas, anêmicas e até depressivas.
Na falta de projetos coletivos, o prazer vira mercadoria
As idéias portadoras de projetos coletivos desaparecem. Sem esses projetos, o prazer, como o sexo e a felicidade, perde a dimensão de partilha e é mostrado como simples mercadoria posta ao consumo.
A condição da felicidade é deslocada da internalidade do sujeito para as coisas. Ter, e mostrar que se tem, compõe a base da felicidade numa sociedade do espetáculo. Afinal, ter o carro do ano, uma bela casa, férias no exterior, bela parceria, põe o sujeito na condição daquele que “tem tudo para ser feliz”. Contraditoriamente, nesta era do “excesso”, cresce a depressão. Sabemos o quanto ela é sintoma deste século.
“A felicidade não pode ser buscada diretamente, não está em nenhum objeto especial. Ela escapa por entre os dedos quando tentamos localizá-la nas coisas ou nos fatos. Na verdade, ela existe (ou não) como uma experiência interna do sujeito” (Gerrard).
O prazer como obrigação
O prazer, hoje, vem sendo posto como uma obrigação, não como um movimento livre do sujeito. Continuamente as pessoas são induzidas a viver uma sexualidade que é imposta mais como meta de normalidade do que como uma condição de bem-estar. O que a publicidade passou a instigar é o dever do prazer.
Neste panorama, uma das inquietações atuais é o medo do esvaziamento do desejo, o medo da impotência frente a excessos visuais do corpo, do sexo e do prazer.
O prazer sexual obrigatório é, a meu ver, um dos abismos culturais ao qual chegamos neste milênio. Na verdade, tal obrigação se constitui em fonte de mal-estar, tanto quanto o prazer que outrora era proibido. Em tempos de Freud, o excesso era de controle, hoje, o excesso é de liberação. As atitudes extremas e perigosas, como as altas velocidades, os rachas e as relações de risco podem ser uma celebração do proibido, já que hoje “é proibido proibir”.
Postulo que o bem-estar e a alegria devem passar pela condição do indivíduo enquanto criador de seu próprio prazer. É a negação do sujeito do prazer que faz mal. No consumo de “coisas felizes”, ele se anula, inviabilizando a subjetividade prazerosa. Penso, por isso, que o prazer terá de livrar-se da camisa de força das obrigações que a cultura consumista impõe, sob pena de seu extenuante enfraquecimento. A obsessão pelo atletismo sexual integra esse desespero contemporâneo. Há, no homem atual, uma fragilidade que ele tenta recobrir com a cortina de fumaça do desempenho e do consumo.
Não podemos ser “paranóicos” em relação ao nosso tempo
Um dos desafios com que nos defrontamos hoje, diz Mafesoli, é “deixar de odiar o presente”. Teremos de aprender algo com o nosso tempo, de apreciar a possível beleza da desordem aparente e apostar na sua fecundidade. Estamos diante de uma multiplicidade de valores que se relativizam uns aos outros, completam-se, combatem-se. Isso requer um estado de espírito que seja menos dogmático do que receptivo.
Não nos cabe brigar contra o consumismo, mas talvez ressignificá-lo! Quem sabe, encontraremos uma forma de inserir, nesse universo, algum prazer da ordem do poético, do mítico, do místico, do artístico, do filosófico, do relacional, consumos que permitam ao espírito maior liberdade e criatividade? Quem sabe, aprendamos a permitir que a música, a arte, a natureza e o outro penetrem nossa sensibilidade, atinjam nossa pele, alcancem nossa intimidade – e lá, enfim, descubramos que o prazer ali encontrado pode ser duradouro?
Construir o próprio prazer é tarefa intransferível
Considero, por fim, que não se pode aguardar que o outro promova nosso prazer, nossa felicidade. Cada um é responsável pela construção da felicidade em seu existir.
Sendo feliz, podemos, então, partilhar isso com o outro. Equivocadamente, queremos que o outro nos faça feliz, que ele esteja a serviço de nosso bem-estar. Mas essa tarefa é intransferível, é de cada um, ninguém pode fazê-la por nós.
*Psicoterapeuta. Mestra em Antropologia.
Prof. da Universidade Católica de PE
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