Repórter de Veja segue Época

Sou leitor de Reinaldo Azevedo, um dos pouquíssimos jornalistas do Brasil. Por jornalista, entendo a pessoa que trabalha com apuração e divulgação de informação, mas raciocina sobre as notícias que apura. Nosso país carece demais desses profissionais. Por causa do jeito que escreve, resolvi assinar a revista. Esqueci-me, porém, que nem todos os articulistas de Veja são como o Tio Rei. Rapidamente me dei conta disso…
Antes que esgrimem o argumento de que minha simpatia pelo Reinaldo deriva de sua opção religiosa – ele não esconde que é simpático à Igreja Católica – adianto que, no campo religioso, o acho muito meia-boca. Isso mesmo, suas convicções morais não coadunam com sua opção religiosa, especialmente no caso da conformação familiar. Mas ainda assim, o respeito muitíssimo pois percebo que quando escreve são os argumentos que o impulsionam, a razão é sua única orientadora. Isso não o torna infalível, como disse antes, mas é suficiente para ganhar respeito. Como se lê todos os dias nos jornais e revistas do país, esta atitude é incomum e ele é uma feliz exceção entre  tristes jornalistas.
Neste semana, a repórter Adriana Dias Lopes, de Veja, plagiou sua colega, de Época, na mediocridade dos argumentos em favor do aborto. A novidade, porém, é que a articulista de Veja viu na decisão do STF de tirar a vida de uma pessoa doente “um magnífico avanço” para o país. Com toda a boa vontade que é necessário para viver em sociedade, não consigo sequer vestígio desse avanço e, por isso, tenho que discordar dela. Por muitos motivos devo discordar da repórter.
No texto, ela diz que a decisão do STF reafirma a distinção entre Estado e Religião e é benfazeja. Pena que não conhece história… Se conhecesse, saberia que a responsável pela distinção entre os poderes foi justamente a Igreja Católica, quando tinha que conviver com os césares romanos, prestando-lhes um culto incompatível com o cristianismo. Foram os primeiros cristãos quem bradaram pela primeira vez em favor da distinção entre o poder religioso e o político, que em Roma estavam reunidos no Imperador: A César o que é de César, ensinavam os cristãos aos outros cidadãos, sob o domínio do poder romano. Se a repórter quer falar da distinção de poderes, então deve beijar o chão em que pisam os sacerdotes.  Quando topar com um bispo no shopping deve dizer: “Obrigado, Excelência, por vocês ensinarem aos pagãos a distinção entre os poderes”. Mas para isso, deve ter um pouco de honestidade intelectual.
Mas como esperar honestidade intelectual de alguém que afirma ser a anencefalia “quase fatal” e, mesmo assim, encontrar um jeito muito particular de justificar a morte do inocente vivo? Que humano é capaz de julgar como e quanto outro humano vai viver? Segundo Adriana, os encefálicos podem julgar os anencefálicos. Novamente, tenho que discordar. A repórter repete os eufemismos para aborto e, para arrepio dos que têm dois neurônios funcionando, reproduz a pérola do ministro Marco Aurélio, que, pasmem, afirmou que o bebê anencefálico tem como certa a morte. Ora, não só os anencefálicos, não é? Todos os que nascem, encefálicos ou anencefálicos, têm a morte como certa! Isto quer dizer que os que têm morte segura podem ter sua vida abreviada? O princípio pode ser utilizado para idosos, doentes graves, etc. Além disso, a reportagem de Veja, como a de Época, omitiu que o bebê anencefálico não morre necessariamente em horas. Algumas crianças fazem 1 ou até 2 anos, como já foi provado pela experiência. Falsificar informações para facilitar o convencimento do leitor não é eticamente aceitável, não é verdade? Mas a jornalista viu nesses argumentos um “magnífico avanço”. Mas o pior argumento deixo para o final.
Com a ironia intolerante dos inimigos da religião, a repórter afirma que “nada mudou” para os religiosos. Ora, os religiosos não estavam lutando por suas vidas nem por seus interesses diretos, mas pela vida de outros, por pessoas que não podem gritar nem lutar por si próprios. A repórter tem dificuldade de entender o que é fazer algo sem qualquer interesse direto. Ao final do texto, novamente a ironia está em dizer que as crenças e as leis são igualmente legítimas. Mais ou menos, pois – está implícito – a lei está na rua e o lugar da crença é dentro de casa, no íntimo do coração. A repórter assim veicula a ideia de que a lei, que torna a eugenia possível, não obriga os cristãos, só permite que os interessados a pratiquem sem serem penalizados. Afinal, dizem eles, os abortos já são realizados, só que clandestinamente. A repórter não consegue ver que não se trata de interesses pessoais, mas de um mal objetivo, a morte de um inocente doente. Quem sabe uma analogia ajuda.
Supondo que o raciocínio da jornalista de VEJA está correto, também é possível tornar legal a escravidão, tão realizada no país como o aborto ilegal de anencéfalos. Neste caso, o STF também pode defender que só serão lícitos os casos de escravidão nos quais os escravos virem na sua situação algum benefício. Afinal, é de certo modo penosa a vida dos que são livres: têm que manter sua própria casa, pagar suas próprias contas, decidir sobre diversas opções. Alguns podem querer ser escravos. E se isto acontecer, sempre haverá um empresário para ajudar, não é? E que ninguém se meta, pois essas questões particulares só interessam a escravocratas e a escravizados. Mesmo raciocínio para os estupradores, para os narcóticos, fraudadores, corruptos. Enfim, argumento de fraco.
Fico pensando por qual motivo assinei Veja. Aí me lembro do Reinaldo… e já considero a hipótese de me contentar apenas com o blog.

Gostou? Clique no link abaixo e conheça o blog que publicou essa postagem!
Repórter de Veja segue Época

Nenhum comentário:

Arquivo