Em várias igrejas cristãs, mercê de uma catequese imediatista que privilegia o sentir, mais do que o estudar, o aprender e o compreender cresceu o número de pregadores que dicotomizam a fé entre o bem e o mal. Não há "pode ser" nem "talvez". Trabalham com o certo e o absoluto. Tudo é anjo ou demônio, tudo é oito ou oitenta, tudo é Deus e anti-Deus. Entre São Paulo e Rio de Janeiro há pelo menos vinte cidades onde se pode morar com razoável conforto. Quem achasse que só se pode morar ou em São ou no Rio de Janeiro demonstraria incapacidade de assimilar a realidade.
São eles que em plena televisão ou congresso, quando apaga a luz atribui o fato ao inimigo, quando volta a acender após as preces que um deles comanda atribuem a volta a luz aos anjos. Recentemente um pregador olhou insistentemente o relógio de pulso que parecia não funcionar. A invés de ignorar o fato, dramatizou. Pôs a culpa no maligno, tirou o relógio do pulso e o jogou para os bastidores. O maligno estaria prejudicando sua pregação ao fazer parar o seu relógio de pulso. Outro atribuiu a epidemia da dengue ao demônio da dengue que comandava os mosquitos para levarem a doença aos lares. Solenemente expulsou-o do Brasil.
Os fatos se multiplicam e se repetem. Pior em tudo é que muitos que assim fazem estudaram teologia, mas resolveram praticar uma fé mágica que vê anjos onde não há e demônios onde nunca houve. Supersimplificam a vida decidindo que o que prejudica os fiéis é do demônio e o que faz bem é dos anjos e do céu. Assim, o câncer é obra do demônio e a cura é obra do céu, exceto quando um deles fica enfermo. Aí, é provação do céu, porque o demônio não poderia ferir quem já é do Cristo.
Sua visão de Cristo foge à teologia num flagrante sinal de que não estudaram a matéria. Garantem que têm visões e revelações especiais e veiculam isso pela imprensa. Garantem curas que, não verificadas ficam por isso mesmo. E houve aquele que disse que somos cristãos porque somos filhos do Cristo. Disse também que amor filia é o mesmo que amor filial. Como ninguém contesta, tais pregações prosseguem.
Um dizia que o rock não pode ser musica cristã porque é som do demônio, outro afirmava que determinada canção muito cantada entre católico, se tocada de trás para frente era um louvor a satanás. E houve aquele que garantiu que Maria não tem poder nenhum porque ela está dormindo à espera da ressurreição, mas que seu pregador preferido opera milagres com um simples toque. Aleluia! O pregador daquela igreja está salvo e tem mais poder do que a mãe de Jesus que está morta e ainda não chegou ao céu! A conclusão é óbvia: para ele Jesus tem poder só na terra, mas não tem depois da morte porque é incapaz de levar até a mãe dele para o céu! Um trecho de Paulo lhe garante que o céu só se abrirá no ultimo dia da humanidade. Esqueceu os outros trechos da mesma Bíblia que falam de salvação imediata e que dizem que Jesus tem todo o poder no céu e na terra...
É claro que o fiel que vê alguém jogar fora óculos, cadeira de rodas e muletas ao som de uma prece escolherá esta igreja, e não a outra na qual o pegador manda pensar e diz que o milagre não tem hora nem lugar marcado para acontecer. Entre o milagre que pode acontecer, mas não se sabe quando porque é Deus quem decide operar e aquele que garantidamente acontece no culto das 20h e no do sábado, o fiel que busca resultado vai lá onde milagres acontecem ao comando de um pegador poderoso em obras e palavras.
O mundo sempre escolheu o imediato. Esperar é virtude que poucos cultivam. Também não esperam pelo céu. Porque sentar-se à espera de uma refeição que demoraria 30 minutos se ele pode encomendar um prato feito em dois ou três?
A fé do prato feito, imediata tomou conta de inúmeras igrejas. Do restaurante de comida boa, mas cujas refeições demoram, muitos mudam para o restaurante ao lado que servem na hora comida quentinha. Quem serve mais depressa ganha a freguesia. Exceto quando a freguesia descobre o valor do diálogo à mesa e sabe que refeição não é só questão de comer e saciar-se. Pode ser ágape! Mais do que comer é estar juntos!
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