O pensamento mais feliz da minha vida!

Uma vez li, num livro qualquer -- já não me lembro onde --, que o A. Einstein teve um dia "pensamento mais feliz da sua vida" que era algo que tinha a ver com o Princípio de Equivalência cujo conteúdo serviu para encher Teses (uma das quais é minha!...) e, que apesar de ser algo de inegavelmente importante, sempre me pareceu paupérrimo para pensamento mais feliz da vida de alguém!

Se vamos tem um Pensamento Mais Feliz de toda a vida, deve ser algo que tenha consequências para toda a vida, algo que nos defina como pessoa, (certamente o que define o Einstein não é o Princípio de Equivalência, talvez o pacifismo, a imaginação, mas não o anterior...) deve ser um verdadeiro achado, não uma excogitação teórica que volto a afirmar que é importante mas não FUNDAMENTAL.

Pois bem! Eu proponho um pensamento da vida de alguém, algo que me parece um verdadeiro achado:

Houve um homem -- Jesus Cristo -- que voluntariamente se entregou a suplícios indiziveis por causa de mim como ser humano, como pessoa!

Isto em si já é espantoso. Mas o que é ainda mais assombroso é que, se seguirmos o fio condutor desse sacrifício -- o como quando e porquê --, chegamos ao conhecimento de que esse homem ou melhor Esse Homem, é Deus!!!

Ou seja, Deus, por mim pessoalmente, fez-se homem e morreu na situação mais ignomíniosa que há!!!
Isto, sim, parece-me um pensamento digno de uma vida inteira...

Transcrevo um texto de alguém que sendo muito mais letrado e conhecedor disto do que eu o transmite perfeitamente.

A verdade é Cristo e a vida em Cristo!

Disse-lhe Pilatos: ‘Então, tu és rei?’ Jesus respondeu-lhe: ‘É como dizes: sou rei. Para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz.’ Disse-lhe Pilatos: ‘Que é a verdade?’”

- Amados irmãos, que nos traz aqui? Perdoai-me a franqueza e quase a rudeza duma pergunta assim, que antes de mais faço a mim próprio.

Sexta-Feira Santa de 2012: tantos séculos volvidos sobre o acontecimento evocado, distância tão grande de lugar e cultura… E aqui mesmo estamos, nesta suspensão das coisas, nesta escuta atenta de diálogos havidos e nunca por demais escutados. Para nos entendermos afinal a nós mesmos, no que devemos ser.

Sexta-Feira Santa de 2012: quanta perplexidade, quanta interrogação do tempo que corre, nosso e dos outros – que também é nosso.  Como garantiremos a verdade de todos, seres humanos com direitos e deveres, dignidades reconhecidas e dignificações a promover, realmente promover?

Nesta mesma hora em que aqui revivemos a Paixão de Jesus, continua ela em todo o sofrimento do mundo. Nos que estão sós, nos que estão doentes, nos que não têm trabalho que os realize e sustente, nos que emigram sem condições nem garantias… Nas famílias desfeitas e nas que nem conseguem constituir-se, por falta de formação ou apoios de vária ordem… Rol infindável de situações e casos, todos pesando no madeiro da cruz que o Filho de Deus carregou um dia, cruz do mundo inteiro e do tempo todo.

Mas, ainda antes de a ter aos ombros, tinha-a em si mesmo, Verbo encarnado que era. Carne e sangue do mundo na humanidade de Deus, assim mesmo apresentada e assim mesmo salva. Também assim apresentada aos olhos esquivos de Pilatos, como agora aos nossos, que bem atentos hão de estar.

E num diálogo decisivo, de que não poderemos desistir com a displicência do governador romano. Jesus não fugiu à pergunta sobre a sua realeza. Foi Pilatos que fugiu à resposta de Jesus, com fraca evasiva. Retomemos a passagem, tal qual a ouvimos: “Disse-lhe Pilatos: ‘Então, tu és rei?’ Jesus respondeu-lhe: ‘É como dizes: sou rei. Para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz.’Disse-lhe Pilatos: ‘Que é a verdade?’”.

Ao ocasional representante dos reinos deste mundo, Jesus abriu o horizonte dum reino mais alto, onde a própria realidade inteiramente o fosse. Amados irmãos e irmãs, deixai-me adiantar que disto precisamente se trata e de nada menos que isto: de reconhecer a verdadeira dimensão humana, como a partir de Deus se configura; e de Deus humanado, como Jesus diante de Pilatos e de todos nós agora.

Reparemos então no problema que temos. Consiste ele na redução constante que fazemos da realidade, própria e alheia. Reduzimo-la ao imediatamente desejável ou compensatório, aos outros que diretamente nos caibam ou sirvam, àquilo que individualmente projetamos e apetecemos… E tanto assim é, falando em geral, que ao mais acidental percalço, ou grave obstáculo, tudo se pode pôr em causa – mesmo a um “Deus” que a partir de nós e só de nós forjávamos.

E também no que restringíramos dos outros, do mundo e da própria vida: os outros desconsiderados na sua alteridade, o mundo consumisticamente tomado e a vida nem respeitada nem agradecida, mesmo nas vicissitudes que comporte. Tudo isto ou quase nada, deixa-nos dramaticamente de fora da realidade e alienados dela, do seu fundamento, consistência e sentido.

Por outro lado, verdadeiro agora, nada esteve ausente da vida de Cristo: família e exílio, festas e trabalhos, inteligência aguda e sensibilidade magnífica, convivência calorosa e grandes silêncios, coração em Deus e olhos bem na terra. Da parte de outros, também nada faltou: das aclamações aos abandonos, das promessas às traições, das multidões variáveis ao pequeníssimo grupo que lhe restou ao pé da cruz.

Creio, irmãos caríssimos, que o maior argumento – se de algum precisássemos – que nos responderia à pergunta inicial, sobre o porquê de estarmos hoje aqui, consiste nisto mesmo de não podermos concentrar-nos, mental e devocionalmente, senão em torno de Cristo, que em si mesmo concentra todo o Céu, como se dá, e toda a terra, como anseia.

Por isso nos iluminam e atraem tanto as palavras ouvidas e nunca por demais evocadas. Sim, a verdade de Cristo é a realidade do mundo, a nossa realidade que só nele encontra significado cabal e redenção inteira, satisfeita esta pelo grande preço com que Ele a viveu, sofreu e retribuiu ao Pai, unindo a foz à fonte. Como dito fora: “Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigênito, a fim de que todo o que crê nele não se perca, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16).

Por isso e só por isso, somos definitivamente de Cristo, como Cristo é de Deus Pai, na unidade do Espírito. Quanto realismo encontram, especialmente agora, alguns versículos evangélicos, como os que se seguem: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância. Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas. […] Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me, assim como Pai me conhece e eu conheço o Pai; e ofereço a minha vida pelas ovelhas”(Jo 10, 10 ss)! Espantam-nos e ganham-nos tais palavras, que, recolhidas nas primeiras gerações cristãs, nos salvam agora, com a luz que trazem. A luz que esplende da cruz, intensamente ela.

E há verdadeiro milagre em palavras destas, ou nos sentimentos que elas nos induzem. Por certo nos espanta o realismo e a sedução com que nos tocam sempre, ainda que ouvidas já vezes sem conta, mas sempre primeiras. Falar assim é falar verdade, inquestionavelmente verdade, com toda a comprovação que a inteligência lhe encontra na alma. Como aos cristãos perseguidos pelo Império, que representaram Cristo como o “bom pastor” nos muros das catacumbas; como aos ministros do Evangelho que, entre tantos nomes, se revelaram precisamente como “pastores” e sacramentos de Cristo Pastor; como a quantos encontram alívio e paz, repetindo incansavelmente os sagrados versículos que em Cristo alcançaram a manifestação mais plena: “O Senhor é meu pastor: nada me falta. Em verdes prados me faz descansar e conduz-me às águas refrescantes, reconforta a minha alma e guia-me por caminhos retos, por amor do seu nome. Ainda que atravesse vales tenebrosos, de nenhum mal terei medo…” (Sl 23, 1 ss).

E é por isso também que à descuidada pergunta de Pilatos: - O que é a verdade?, respondemos nós, com a presença aqui e a convicção mais forte: - A verdade é Cristo e a vida em Cristo!

Mas também sabemos o que tal implica. Se em Cristo encontramos o pastor e na cruz o seu bordão, teremos de ser conformes com tal verdade recebida e alcançada. Conformidade implica conversão ao que nos foi dado; conformidade requer testemunho ativo junto de quem O não conheça e assim mesmo O espere. Entre ovelhas sem pastor e o pastor que recebemos, urgem as mediações que nós temos de ser. Também aconteceu conosco, que já divisamos a glória da cruz e não fora desta, porque alguém nos ensinou que era mesmo assim. Assim acontecerá com outros, se os aproximarmos do mesmo pastor.

De Pilatos, que desistiu de obter resposta, não sabemos muito mais e o que se diz não o abona. Mas dos poucos, pouquíssimos, que com tanto risco seguiram Jesus até ao Gólgota; dos poucos que depois testemunharam a sua morte feita vida e aí mesmo renasceram; de tantos que em dois milênios alargaram o Evangelho pelo mundo: destes colhemos nós a flor e o fruto da verdade demonstrada e da realidade perfeita.

Por isso a cruz de Cristo fulgurou tanto, por entre as trevas que cobriram toda a terra. Por isso e só por isso, estamos e estaremos sempre aqui. Porque a sua voz é mais forte do que as nossas dúvidas. Porque a sua resposta é integral, numa vida oferecida e assim mesmo salva e salvadora. Restando-nos clamar, como clamou quem o soube, em adequação perfeita ao que Cristo lhe dera: “De nada me quero gloriar, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo!” (Gl 6, 14).

+ Manuel Clemente

Sé do Porto, 6 de abril de 2012

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