Dom Beda Keckeisen, OSB sobre a Quaresma







1. Significação deste Tempo. 

Durante estes quarenta dias os Cristãos se unem intimamente aos sofrimentos e à morte do Divino Salvador, a fim de ressuscitarem com Ele para uma vida nova, nas grandes solenidades pascais.

Nos primeiros tempos do Cristianismo esta idéia fundamental achava sua aplicação no Batismo dos catecúmenos e na reconciliação dos penitentes. Por toda a liturgia da Quaresma, a Igreja instruía os pagãos que se preparavam para o Batismo. No Sábado Santo mergulhava-os nas fontes batismais, de onde saíam para uma vida nova, como o Cristo, do túmulo. Por sua vez os fiéis, gravemente culpados, deviam fazer penitência pública e cobrir-se de cinzas (Quarta-feira de Cinzas) para acharem uma vida nova em Jesus Cristo. Convém reparar nestes dois elementos, para compreender a liturgia da Quaresma e a escolha de muitos textos sagrados.


2. Nossa participação neste Tempo.

No ofício das Matinas do I domingo, lemos o sermão que o Papa S. Leão Magno, no século V, dirigiu ao povo, explicando a liturgia da Quaresma: "Sem dúvida, diz ele, os Cristãos nunca deveriam perder de vista estes grandes Mistérios... porém, esta virtude é de poucos. É preciso, contudo, que os Cristãos sacudam a poeira do mundo. A sabedoria divina estabeleceu este tempo propício de quarenta dias, a fim de que as nossas almas se pudessem purificar, e por meio de boas obras e jejuns, expiassem as faltas de outros tempos. Inúteis seriam, porém, os nossos jejuns, se neste tempo os nossos corações se não desapegassem do pecado”.

Lendo estas palavras, parece-nos assistir à abertura de um retiro. Com efeito, a Quaresma é o grande retiro anual de toda a família cristã, sob a direção maternal e segundo o método da Santa Igreja. Este retiro terminará pela confissão e comunhão geral de todos os seus filhos, associados assim, realmente, à Ressurreição do Divino Mestre, e ressurgindo por sua vez a uma vida nova.

As práticas exteriores que devem desenvolver em nós o espírito do Cristo e unir-nos a seus sofrimentos, são o jejum, a oração e a esmola.

O jejum é imposto pela santa Igreja a todos os fiéis, depois de 21 anos completos (desde a promulgação do Código de 1983 depois dos18 anos) até atingirem os 60 anos. Seria um engano pernicioso não reconhecer a utilidade desta mortificação corporal. Seria menosprezar o exemplo do próprio Cristo e pecar gravemente contra a au­toridade de sua Igreja. O prefácio da Quaresma nos descreve os efei­tos salutares do jejum, e aqueles que por motivos justos são dele dispensados não o estarão do jejum espiritual, isto é, de se privarem de festas, teatros, leituras puramente recreativas, etc.

A oração. Assim como a palavra jejum abrange todas as mortifi­cações corporais, da mesma maneira compreende a palavra oração todos os exercícios de piedade feitos neste tempo, com um recolhi­mento particular, como sejam: a assistência à santa Missa, a Comu­nhão freqüente, a leitura de bons livros, a meditação especialmente da Paixão de Jesus Cristo, a Via Sacra e a assistência às pregações qua­resmais.

A esmola compreende as obras de misericórdia para com o pró­ximo. Já no Antigo Testamento está dito: "Mais vale a oração acompanhada do jejum e da esmola do que amontoar tesouros" (Tob. 12, 8).

Praticando essas obras preparavam-se antigamente os catecúmenos para o Batismo que iam receber no Sábado de Aleluia, enquanto os penitentes públicos se submeteram a elas com espírito de dor e arrependimento de coração.

Saibamos também nós que aquele que não faz penitência perecerá por toda a eternidade (Luc. 13, 3).

Renovemos em nós a graça do Batismo e façamos dignos frutos de penitência. Os textos das Missas, a cada passo nos exortam a isto.

Convém, entretanto, evitar que a nossa piedade seja exercida por compaixão sentimental ou tristeza exagerada. Sim, é um combate, uma morte terrível que vamos contemplar, mas é também, e sobre­tudo, uma vitória, um triunfo. Em verdade assistiremos a uma luta gigantesca do homem novo; ouviremos os seus gemidos, seguiremos os seus passos sangrentos, contaremos todos os seus ossos; mas isso é apenas um episódio de sua vida; o desenlace é um grito de vitória, um canto de triunfo.


3. Particularidades deste Tempo. 


A cor dos paramentos é a violácea. Omite-se completamente o Aleluia, e o Glória só se canta nas festas dos Santos. Os altares são despojados dos seus enfeites e o órgão se cala, menos no IV. domingo.

Cada dia deste Tempo tem a sua "estação", com Indulgências especiais e uma liturgia própria, cujos Cânticos e Leituras nos incitam à penitência e à conversão, enquanto as Orações imploram para nós o perdão e a graça.


Salvem a Liturgia



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