“Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo” [Ef 2.12].
No verso anterior, o apóstolo diz que os efésios eram, em outro tempo, gentios na carne, ou seja, em dado momento de nossas vidas, antes da conversão, do chamado de Deus para vivermos a glória da regeneração em Cristo, éramos ateus, pois vivíamos sem Deus. Lembram-se que a palavra ateu quer dizer “sem Deus”? Pois bem, todos nós, sem exceção, ainda que tendo o conhecimento inato de Deus, o qual o próprio Deus colocou em nosso coração, vivemos sem ele, até que sejamos por ele transformados. De criaturas em filhos. Pois há a falsa ideia de que todos os homens, sem exceção, são filhos de Deus. Mas não é o que a Bíblia nos diz:“[Cristo] veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” [Jo 1.11-13]. Portanto, apenas aquele que crê, e para crer tem de ser pela vontade divina não pela vontade do homem ou da carne, é filho de Deus. As demais pessoas são criaturas, não têm vínculo filial com ele.
Paulo se refere aos efésios e, por tabela, a todos nós que vivíamos segundo a carne e pela carne, como ateus práticos. Eles não negavam a existência de Deus, pelo contrário, eles cultuavam outros deuses. E, muitos, diziam servir a Deus, amá-lo, honrá-lo. Porém, suas vidas revelavam o contrário. Ao darem vazão aos seus instintos e intentos carnais eles negavam a Deus ignorando-o, fazendo exatamente tudo o que lhe afrontava, pervertendo os seus caminhos, afastando-se de todo o seu conhecimento, desobedecendo-o e rejeitando os seus preceitos. Eles, como nós, viviam para satisfazer os seus prazeres e desejos, na forma do pecado, e assim seus discursos eram aparentemente piedosos, reverentes, mas em seus corações e em suas vidas havia apenas a descrença em Deus: “Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toa a boa obra” [Tt 1.16], resume o apóstolo.
O fato de usarem o nome de Deus não os faz dignos dele; pois o Deus que diziam servir e adorar nada tinha a ver com o Deus vivo e verdadeiro, o Deus bíblico. E é aqui que o problema tem contornos ainda mais dramáticos; pois eles, como nós, criavam a ilusão de estar servindo a Deus, de cultuá-lo, de se colocar a seu serviço, quando não queríam nada com ele. Elegeram um Deus “postiço”, um substituto, e o fizeram objeto de adoração. É o que Paulo diz aos atenienses: “Porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio” [At 17.23]. A partir daquele momento, Paulo lhes apresentou o Deus vivo, o único Deus, o qual não substituiria todo o panteão de divindades gregas dos atenienses, mas as destruiria, porque Ele, como criador de todas as coisas, e quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas [v. 24-25], “não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam” [v.30]. E, arrependam-se de que? Ora, de ignorá-lo como único Deus, e fazerem para si deuses de várias formas, e assim manterem enraizadas em seus corações a depravação e a rebelião contra ele.
Quando ouço coisas do tipo: “Não leio a Bíblia, mas eu sirvo a Deus”, pergunto para a pessoa: Mas a qual Deus? Elas, na maioria das vezes, dizem servir a um Deus que não podem identificar, um Deus indeterminado, impessoal. Ele estaria mais para uma entidade abstrata e imprecisa, e, como servir e adorar o que não se conhece ou pode conhecer? Então, normalmente dizem: “Esta é a minha fé, e Deus a aceita como ela é!”. Nisso há alguma razão. Ele tem uma fé que não é sobrenatural, que não provém de Deus, mas uma fé humana, claudicante, frágil e enganosa. Uma fé gerada em seu próprio coração iníquo. E que o lança ainda mais na ilusão ao afirmar que Deus a aceita como ela é, mas como sabê-lo? Deus falou diretamente com ele? Ou não passa de uma suposição, um pensamento derivado da sua necessidade de manter-se distante e protegido da verdade?
Todos fomos assim um dia; ateus práticos, que não dizíamos negar a Deus, mas o negávamos diariamente mantendo-nos ignorantes quanto a ele, mantendo-nos distantes dele, presumindo que os nossos conceitos e opiniões pudessem ser superiores à Revelação escriturística, de forma que ela fosse dispensável. De forma que tanto a moral que tínhamos, como a ética, como o julgamento, eram claramente uma indisposição, uma má vontade contra ele.
Qualquer um que diga conhecer e servir a Deus fora dos padrões estabelecidos pelo próprio Deus é um ateu prático. Certamente ele não professará a fé ateísta, mas se manterá como um ateu secreto. Por isso, tanto o ateu militante e teórico, como o ateu não-militante e secreto, necessitam desesperadamente da redenção, a redenção da mente, da alma, do espírito, somente possível através de Cristo, o único mediador entre o homem e Deus. Se Cristo não estiver ali, unindo as duas partes, elas permanecerão distantes, irreconciliáveis. Ele que“é a imagem do Deus invisível” [Cl 1.15], pelo seu sangue derramado na cruz trouxe-nos a sua paz; a nós que éramos inimigos no entendimento pelas nossas obras más, agora nos reconciliou, nos apresentando santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis [Cl 1.20-22]. Por isso, o mundo labuta tanto contra Cristo, e há uma obra em progressão que faz as pessoas terem a ideia de que se é possível apresentar-se dignamente diante de Deus por si mesmos, sem a intermediação do Redentor. As pessoas concentram suas forças no mérito pessoal, na capacidade que consideram ter de, em si mesmo e por si mesmos, achegarem-se a Deus. Também é visível que o homem cria cada vez mais um Deus impessoal, um Deus genérico, capaz de reconhecer em cada indivíduo o seu esforço ou até mesmo esforço algum, numa contradição somente possível aos homens, naufragando em sua própria estupidez. Um Deus assim seria um Deus despropositado, senil, autista e esquizofrênico. Capaz de reconhecer tudo e nada ao mesmo tempo, verdade e mentira, realidade e ilusão, santidade e corrupção, de maneira que ele seria um Deus sem pessoalidade, indefinível. Esse é o desprezo máximo a Deus, saber que ele existe, mas viver sem Deus no mundo, como um ateu.
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ATEÍSMO PRÁTICO
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