O triste fim para os que morrem em pecado

François-Marie Arouet
Agonizando e em desespero, Voltaire sentia-se "abandonado por Deus e pelos homens", passou a insultar aos seus próprios amigos iluministas.
Como vimos no artigo anterior, percebendo que a morte se aproximava, Voltaire suplicou para que lhe chamassem o padre da Igreja de São Sulpício. Confessou-se, pediu perdão pelos seus pecados e desculpou-se pelos ataques que fizera à Igreja.


No entanto, ainda no livro do jesuíta Barruel (Mémoires pour servir a l'histoire du jacobinisme, pp. 379-380), d''Alembert e Diderot, à frente de outros vinte 'conjurados', impediram que o padre Gautier fizesse uma nova visita a Voltaire. Os últimos suspiros do filósofo iluminista foram narrados pelo seu médico, M. Tronchin, horrorizado com o funesto espetáculo. Agonizando e em desespero, Voltaire sentia-se "abandonado por Deus e pelos homens", passou a insultar aos seus próprios amigos iluministas, e numa cena miserável, padeceu evocando e blasfemando Jesus Cristo.


Monseigneur de Ségur dizia que quando expostas a fatos que transcendem a razão humana, muitas pessoas acreditam que só nos resta negá-los e tentar fazer com que todos, assim como elas, passem a acreditar que se trata de algo impossível, apenas porque não podem ser esclarecidos pelas nossas redondas cabeças. Arriscam tudo, dizendo-se combater uma crença, sem perceber que também se agarram a uma para sustentar suas negações. É um tipo de jogo onde parece que nada se tem a perder. Mas, assim como Voltaire, quando todas essas pessoas se vêem contra a parede a necessitar de uma resposta e escolher seu destino derradeiro, caem-se as máscaras e já podemos ver bem o que se encontra por debaixo delas.


E assim o padre Auguntin Barruel narra o último sopro de vida de um homem que a viveu tentando enganar-se a si mesmo, ainda antes de tentar enganar aos outros:
"Voltaire havia permitido que sua declaração fosse levada ao abade de São Sulpício e também ao arcebispo de Paris, para saber se ela era suficiente. No momento em que o padre Gaultier trouxe a resposta, foi impedido de se aproximar do moribundo. Os conjurados deístas haviam redobrado os esforços para impedir o chefe de consumar a retratação [à Igreja]; e eles tiveram êxito. Todas as portas se fecharam ao padre que Voltaire mesmo havia mandado chamar. Somente os demônios tiveram acesso livre. E logo começaram as cenas de fúria e de raiva, que se sucederam até os últimos dias. Então, d'Alembert, Diderot e outros vinte conjurados, que sitiavam a antecâmara, dele se aproximavam apenas para testemunhar as suas próprias humilhações (...) sendo repugnados e reprovados pelo chefe: "Apartai-vos de mim, vocês são a causa do estado que me encontro. Retirem-se, eu posso morrer sem vocês; são vocês que não podem morrer sem mim. Qual miserável glória vocês me valeram?"


Essas maldições dirigidas a seus adeptos, seguiram como uma cruel lembrança aos seus conjurados. Então, eles próprios ouviram, em meio às perturbações e temores, Voltare clamando, invocando e blasfemando aquele deus que era objeto de seus complôs e de suas raivas. Mas com acessos prolongados de remorsos, gritava: "Jesus Cristo! Jesus Cristo!" Às vezes se queixava por se ver abandonado; queixava-se de Deus e dos homens. A mão que outrora havia traçado a sentença de um Rei mau, no meio daquela cerimônia, parecia trazer escrito nos olhos agonizados de Voltaire, o antigo lema de suas blasfêmias: "Esmagar o Infame". Ele procurou em vão expulsar essa memória, a tempo de se ver esmagado pela mão do "Infame" que haveria de julgá-lo.Seus médicos, sobretudo Mr. Trochin, chegaram para acalmá-lo. Este acabou por confessar que havia visto a mais terrível imagem de um ímpio agonizando. O orgulho dos conjurados queriam em vão suprimir suas declarações, mas Mr. Tronchin continuou a falar; e disse que "as fúrias de Orestes davam apenas uma ideia das fúrias de Voltaire".

O marechal de Richelieu, outra testemunha desse funesto espetáculo, pô-se a dizer apenas: "é algo tão forte que sequer podemos conceber...
Assim morreu Voltaire, em 30 de maio de 1778, consumido pelo próprio ódio..."
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