O Martírio de Santa Luzia : " Sêde meus imitadores como eu sou de Cristo" I Coríntios 11,1

O Martírio de Santa Luzia : " Sêde meus imitadores como eu sou de Cristo" I Coríntios 11,1:

SANTA LUZIA – VIRGEM E MÁRTIR

A Convicção dos Mártires: Filipenses 1.20-21 "Segundo a minha intensa expectação e esperança, de que em nada serei confundido; antes, com toda a confiança, Cristo será, tanto agora como sempre, engrandecido no meu corpo, seja pela vida, seja pela morte. Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho".


Do mesmo modo que a Igreja de Milão celebrava São Sebastião, honrava a memória de Santa Luzia. A Liturgia das Horas traz, para o dia de sua festa, um texto extraído doLivro sobre a Virgindade, de Santo Ambrósio, o maior dos arcebispos milaneses:

“Tu, uma do povo certamente uma das virgens que iluminam a graça do corpo com o esplendor da alma; tu, estando em teu aposento, mesmo durante a noite, meditas sempre sobre Cristo, esperando em todo momento sua vinda… Abraça então aquele que procuraste; aproxima-te dele e serás iluminada”.

Siracusa, terra de Santa Luzia

HINO DE SANTA LUZIA:

A Ilha da Sicília (hoje parte do território italiano), conquistada pelos anos em 212 a.C., era uma florescente província como centro comercial e cultural. Sua civilização era de origem grega, fazendo parte da Magna Grécia, e nela desenvolveu-se uma grande escola de filosofia e de arte.

O cristianismo foi difundido ali na era apostólica por São Marciano, enviado à cidade de Siracusa por São Pedro. A mesma cidade hospedou o apóstolo Paulo por três dias, quando viajava para Roma. A fé cristã tinha forjado uma comunidade viva e até numerosa.


E foi em Siracusa, cidade abençoada pela presença apostólica, que, pelo ano de 281, nasceu Lúcia, que passaremos a chamar de Luzia. Lúcia significa “Luz”, em sua origem latina. Talvez o nome de seu pai, conforme a tradição romana, tenha sido Lúcio e já estaria morto quando Luzia estava com quinze anos. O nome de sua mãe é certo: Eutíquia.


Não era de família pobre: pela história de Luzia percebe-se que seus pais eram ricos proprietários de terra.
Um belo futuro para Luzia

Os pais sonham tudo para os filhos, ainda mais quando acumulam bens para dar-lhes como dote de casamento, como foi o caso de Lúcio e Eutíquia. Luzia, porém, cristã como seus pais, não sonhava com sucessos humanos. Secretamente tinha-se consagrado ao Senhor pelo voto de virgindade.

Queria somente isso: pertencer inteiramente, corpo e alma, a Jesus. Na Igreja antiga, a virgindade era um estado de vida cristã considerado em grau eminente pela comunidade: do mesmo modo que os mártires davam a vida por Cristo, as virgens lhe entregavam também a vida e toda a riqueza dos afetos humanos.

O voto de Luzia era secreto. Sua mãe tomou conhecimento disso por acaso, numa peregrinação a Catânia, junto ao túmulo de Santa Águeda.


Santa Águeda, virgem e mártir de Catânia


Perto da cidade de Siracusa, em Catânia, havia um grande centro de peregrinação: o túmulo da virgem e mártir Santa Águeda. Santa muito popular, venerada por toda a Igreja e tendo o nome incluído na liturgia romana, ao lado das queridas e simpáticas virgens e mártires Inês, Cecília, Luzia e Anastácia.


Águeda (ou Ágata) era de nobre e rica família de Catânia. Numa jovem, riqueza e beleza atraem pretendentes, como aconteceu com nossa jovem: o cônsul Quintiano pediu sua mão em casamento, ignorando que ela tinha se consagrado ao Senhor pelo voto de virgindade. Quintiano não se conformou com a negação e buscou os serviços de uma maga, Afrodísia, que, com filtros amorosos e rituais mágicos, procurou mudar o coração de Águeda.


Nada tendo conseguido, devolveu a questão a Quintiano. Este, ferido em sua paixão e orgulho, passou à mais cruel vingança. Entregou a jovem virgem aos torturadores e pediu que nada poupassem para fazê-la sofrer. Cortaram-lhe os seios e ouviram de Águeda a conhecida exclamação: Cruel tirano, não te envergonhas de torturar numa mulher os seios dos quais tu mesmo, quando criança, mamaste sugando a vida.
Consumida por carvões acesos que passavam por seu corpo, Águeda expirou na terra e nasceu para os céus. Era o ano de 250, no tempo do imperador Décio, que decidira salvar o Império romano da ruína perseguindo os cristãos. A fama da nova santa logo se espalhou, especialmente quando o vulcão Etna poupou a cidade de Catânia de suas lavas incandescentes exatamente um ano após o martírio de Santa Águeda, ocorrida em 5 de fevereiro, hoje data de sua festa.

Luzia revela seu voto de consagração ao Senhor.No dia 5 de fevereiro de 301, Eutíquia e Luzia foram a Catânia, rezar junto ao túmulo de Santa Águeda. Há mais de 40 anos, Eutíquia sofria de graves hemorragias. Naquele dia, o Evangelho proclamado foi o da mulher que sofria de fluxo de sangue e que fora curada por Jesus. Luzia pensou: Se Jesus curou aquela mulher que lhe tocou o manto, por que Santa Águeda não pedirá o mesmo para a cura de minha mãe? Falou disso para sua mãe: tocariam no túmulo como aquela mulher tocara nas veste do Senhor. Ficaram na igreja, esperando que todos saíssem. E foi tanta gente que o sono dominou Luzia. Teve um sonho: legiões de anjos rodeavam a virgem Santa Águeda. Águeda olhou e, sorrindo, lhe disse: Luzia, minha irmã, virgem de Deus, por que pedes a mim aquilo que tu mesma podes conceder? Deus olhou para tua fé e curou tua mãe.


Acordada, revelou o sonho a Eutíquia e, de fato, ela estava curada. Luzia aproveitou o momento e narrou a sua mãe o voto que tinha feito de consagrar ao Senhor sua virgindade. Eutíquia escutou-a serenamente e lhe respondeu: Tudo o que temos é para ti e, após minha morte, farás destes bens o que bem entenderes. Luzia não se contentou com isso e sugeriu a mãe: Por que, mamãe, não fazermos destes bem algo mais belo e útil como vendê-los e doá-los aos pobres? Eutíquia consentiu.


Retorna de Siracusa, começaram a vender os bens e a dar aos pobres o dinheiro conseguido. O gesto chamou a atenção de todos, especialmente dos pagãos, que sabiam que somente os cristãos eram capazes de desprezar de tal modo os bens terrenos dando-os aos pobres.

Um pretendente enciumado denuncia a fé de Luzia.Um jovem siracusano ardia de paixão por Luzia e não estava livre de interesse pelos bens que herdaria casando-se com ela. Furtivamente foi falar com Eutíquia para saber o motivo pelo qual vendiam terras, jóias, ricos tecidos, esbanjando assim uma bela fortuna. Recebeu uma resposta evasiva: Luzia é muito previdente. Ela está vendendo o que temos porque encontrou propriedades melhores e mais lucrativas, que nunca perderão o valor. Vendemos estas e adquirimos outras, o que nos parece sensato.


O pretendente escutou o que foi dito, entendeu do seu modo e ficou sossegado.Com o tempo, percebendo que as doações continuavam e que os bens estavam sendo dilapidados, teve a certeza de que Luzia era cristã. Adiantando-se à perda de tudo, pediu Luzia em casamento, recebendo uma firme resposta negativa.
Nada mais tinha a perder e, cheio de frustração e ódio, denunciou-a às autoridades.

Estamos no tempo da grande perseguição de Diocleciano, o mesmo imperador responsável pelo martírio de São Sebastião.

Luzia diante do tribunal imperial

Como já vimos, tentando segurar a inevitável crise do Império, Diocleciano iniciara diversas reformas administrativas e econômicas. Queria também reformar as consciências restaurando o culto imperial e dos deuses romanos. Decidido a por fim ao crescimento do cristianismo, em 24 de fevereiro de 303 publicou o primeiro Edito de perseguição, ao qual seguiram-se outros. Foi o mais feroz ataque do Império ao cristianismo e também o último. Em 313, o cristianismo ganharia a liberdade, sob o imperador Constantino. O número de cristãos é calculado entre 7 a 10 milhões numa população de 50 milhões. Entre eles estavam as melhores forças morais e intelectuais do Império e Constantino soube perceber isso.


Não sabemos o nome do pretendente de Luzia, mas conhecemos o do prefeito da cidade, Pascásio. Como autoridade romana, devia cumprir as ordens. Tendo diante de si a jovem Luzia, perguntou-lhe se era cristã, tendo clara resposta positiva. Seguindo o procedimento jurídico, ordenou que sacrificasse aos deuses. Ao que Luzia prontamente se negou.

Transcrevemos, a seguir, a íntegra do diálogo que se travou entre Pascásio e Luzia e que chegou até nós pelas atas e vidas de mártires.

Luzia: “Diante de Deus o sacrifício puro consiste em visitar as viúvas, os órfãos e os peregrinos que vivem na aflição e na necessidade. Já estou fazendo isso pelo terceiro ano, oferecendo a Cristo Deus esse sacrifício, doando todo o meu patrimônio”.

Com ironia, Pascásio a interrompeu: “Vai contar essas lorotas aos tolos como tu, porque eu sigo as ordens dos Césares e não posso gastar o tempo ouvindo essas tolices”.


Firme, Luzia retrucou: “Tu observas os decretos dos Césares como também noite e dia eu sou fiel à lei de meu Deus; temes as leis dos Césares, como eu também reverencio a meu Deus: se tu não desrespeitarás as autoridades, do mesmo modo, como eu ousarei contradizer o meu Deus? Tu te esforças de lhes ser agradável e eu me esforço de agradar a Deus: então, faze tu o que deves julgar melhor e eu o farei segundo a minha consciência”.

O prefeito Pascásio continuou: “Tu esbanjaste tuas riquezas com homens vazios e vagabundos”.

Entre os pagãos corria a acusação de que os cristãos praticavam rituais dissolutos como acontecia com outros cultos pagãos. Por isso, Pascásio falou em “esbanjaste”.

Luzia logo o desmentiu: “Eu coloquei meus bens ao seguro e minha pessoa não se envolveu com perversidades”.

Para humilhá-la, Pascásio acrescentou: “Tu és a vagabundagem em corpo e alma”.

Respondeu-lhe Luzia: “Vós, sim, sois a corrupção do mundo”.

Vendo que não a convencia, Pascásio encerrou o interrogatório: Ou encerras o teu palavrório ou passaremos às torturas!

Replicou-lhe Luzia: É impossível deixar no silêncio as palavras do Senhor.

Espantado, o prefeito replicou: Então tu és um Deus?

E Luzia: Eu sou serva do Deus eterno, e Ele disse: quando estiverdes diante dos reis e dos príncipes não vos preocupeis com o que ou como falar aquilo que tiverdes de dizer, pois não sereis vós quem falará, mas o Espírito Santo que fala em vós.

Pascásio não se converte: Então, dentro de ti está o Espírito Santo?

Luzia respondeu: Aqueles que vivem casta e piedosamente são templo de Deus e neles habita o Espírito Santo.

Concluiu Pascásio: Farei com que sejas conduzida a um lugar de prostituição e deste modo o Espírito Santo fugirá de ti.

O cruel recurso era utilizado contra outras virgens cristãs: leva-las a casas de prostituição. Tanto isso é verdade que Tertuliano dizia que as virgens temiam mais o lenocínio (crimes contra os costumes) do que os leões; temiam mais a prova contra a sua virtude do que os animais ferozes.

O tribunal e o martírio

Pascásio então chama homens da pior espécie, sedentos daquela carne bela e virgem e ordena-lhes levarem Luzia para seus antros de perdição. Mas, Deus não se ausentou de sua filha, neste momento: ninguém conseguia tirá-la do lugar. Nem mesmo uma junta de bois amarrados a ela. Seu peso era tal que muitos soldados chamados para a tarefa retiraram-se envergonhados.


Julgando que Luzia não passava de uma bruxa exercendo suas bruxarias, o prefeito decidiu que trouxessem lenha e armassem uma fogueira em torno da jovem, recurso usado para as suspeitas de artes mágicas. Falou-lhe Luzia: Rogarei ao meu Senhor para que esse fogo não me faça mal.

Feito isso, o fogo foi ateado, mas suas chamas milagrosamente não tocaram o corpo de Luzia: nem o breu derretido que lhe lançavam ao rosto.


Pascásio explodia de ira. Seus amigos, para impedir que ele não fosse mais exposto ao ridículo pelos prodígios da Santa, tiraram-na da fogueira para que fosse morta pela espada.

A virgem Luzia compreendeu, então, que tinha chegado sua hora de confessar o nome de Cristo com o martírio. Diante da multidão que se reunira em torno da cena, ajoelhou-se e profetizou que estava terminando o tempo de Diocleciano, viria a paz para a Igreja e o cristianismo continuaria a expandir-se por todo o mundo.

Mal terminara de falar, um golpe certeiro de espada decepou-lhe a cabeça: sua virgindade fora consagrada com o martírio.

Era o dia 13 de dezembro de 304. Os cristãos recolheram seus despojos e os sepultaram nas catacumbas. Seu sepulcro logo se transformou em centro de peregrinação e devoção, passando Siracusa a ser a cidade de Santa Luzia e Luzia a Santa de Siracusa.

O culto a Santa Luzia


Em 1894, foi encontrada nas catacumbas de Siracusa, junto ao sepulcro de Santa Luzia, uma inscrição grega que falava de Luzia carinhosamente como “a nossa Luzia”. A inscrição tinha sido feita para uma outra sepultura, pois os siracusanos gostavam de ser sepultados perto de “sua” Santa. Escrita em grego, assim reza:Eusquia, a irrepreensível, que viveu boa e pura por cerca de 25 anos, morreu na festa de minha Santa Luzia, para a qual não há elogio à altura: (foi) cristã, fiel, perfeita, grata a seu marido com muita gratidão. Certamente para o anônimo viúvo tinha sido um bom presságio que sua esposa morresse no dia de Santa Luzia, 13 de dezembro.

O culto a Santa Luzia ultrapassou a cidade de Siracusa e estendeu-se pelo norte da Itália, onde está retratada num mosaico em Ravena, e por toda a Igreja. Muitos séculos depois veio para a América, onde é muito invocada especialmente contra os males das vistas.

É bom dizer que não há nenhum fundamento para a história de que tivessem sido arrancados os olhos de Luzia, como está simbolizado em muitas pinturas e imagens: é lenda sem fundamento. O imortal poeta italiano Dante Alighieri agradeceu a Santa Luzia a cura de uma doença nas vistas. Que seja invocada para a cura dos males da visão entende-se pelo significado de seu nome: Luzia – Lúcia – luz. Assim como a fé é luz para nossos olhos, Santa Luzia pede a Deus olhos para enxergarmos tanto os mistérios de nossa fé, as necessidades de nossos irmãos, como também a beleza da criação.

Santa Luzia deu o nome a muitas cidades, igrejas e paróquias. É a Santa que mais denomina cidades e vilas na Itália. Sua festa, em 13 de dezembro, é muito popular, pois se afirma que a noite de 12 para 13 é a menor do ano, sendo o dia 13 o maior, o de mais “luz-Luzia”.

As relíquias de Santa Luzia


Os restos mortais de Santa Luzia, suas preciosas relíquias, por um tempo se identificaram com os destinos de Siracusa. Quando, em 878, os árabes conquistaram a ilha da Sicília, o corpo foi escondido. Em 1039, logo que o exército bizantino reconquistou a ilha e a cidade, levou as relíquias para Constantinopla. Ali permaneceram até 1204. Neste ano, os participantes da quarta Cruzada inexplicavelmente apoderaram-se de Constantinopla, profanaram suas igrejas, causando profunda dor, que se prolonga até os dias de hoje, à Igreja do Oriente. O doge veneziano, Enrico Dandolo, comandante das tropas, apossou-se das relíquias de Santa Luzia e trouxe-as para Veneza, onde hoje se encontram na igreja de São Jeremias e Santa Luzia.

Em 1939, seu corpo, bastante conservado, foi colocado numa urna nova. O patriarca Ângelo Roncalli, depois papa João XXIII, em 1955 fez com que se confeccionasse uma máscara de prata para envolver as santas relíquias.

CORPO DE SANTA LUZIA:


Fazemos nossas as palavras que estão inscritas na capela das relíquias:


“Luzia, Virgem de siracusa,Neste templo repousa.Interceda pela ItáliaE pelo mundo...”

Fonte: Pe. José Artulino Besen

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