Natal e o mistério da Igreja

Natal e o mistério da Igreja:
A Igreja está em foco … nos jornais, nas revistas, nas conversas informais… Muitos a admiram, apontando o seu esforço de atualização concretizado em medidas para transmitir hoje de maneira nova as eternas verdades do Evangelho… Outros, porém, a criticam, pois nela vêem abusos e deficiências da parte de ministros e de fiéis que mais deveriam primar pela fé e a dignidade. Em conseqüência da sua decepção, muitos fiéis católicos são propensos a abandonar a Igreja, professando um Cristianismo individual, descomprometido de qualquer institucionalização…

Compreendemos o drama íntimo daqueles que, amando o Cristo, sofrem por verificar que nem sempre os discípulos do Senhor Lhe dão lúcido testemunho. A tais fiéis católicos será oportuno lembrar algo que o tempo de Natal – mais uma vez recém-vivido por nós – incute fortemente, a saber: o mistério da Encarnação ou do Deus feito homem e desfigurado sob a fragilidade humana é o mistério central da fé cristã; com efeito, o cristão tem seu referencial em Cristo, que é Deus feito homem,… Deus que quer vir aos homens através do humano, ocultando a Eternidade sob a forma de realidades temporais, encobrindo a riqueza divina com os véus da fragilidade e da pobreza do homem. Ele podia não ter procedido assim: ter-se-ia então dado aos homens de maneira direta e fulgurante… Mas, se à Sabedoria Divina aprouve servir-se do que é pequeno e abjeto para transmitir o que é grande e divino (cf. 1Cor 1,27s), ao cristão toca aceitar este desígnio com todas as conseqüências que ele acarreta. Isto quer dizer que toda a história das comunicações de Deus aos homens será a continuação do mistério da Encarnação.

Certa vez, João Batista, tendo mandado perguntar a Jesus se Este era realmente o Messias aguardado, recebeu a seguinte resposta:

“Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados. E bem-aventurado aquele que não se escandalizar a meu respeito !” (Mt 11, 4-6).

Com estas palavras, Jesus aludia aos prodígios que Ele ia realizando em sinal da sua natureza divina; Ela renovava as criaturas, restaurava os elementos deteriorados pelo pecado … Mas predizia que Ele seria escandaloso… como ? – Sim; havia de ser pregado à cruz,… desafiado para que desta se desprendesse como havia salvo a tantos durante o seu ministério público (cf. Mt 27, 39-43). E, não obstante, Ele não se moveria, deixando-se morrer como que inepto e vencido sobre o patíbulo. A fraqueza de Cristo, imprevista e surpreendente, desconsertaria a muitos, provocando a fuga dos próprios discípulos, exceto João. Todavia o Senhor crucificado era o Rei da glória, voluntariamente desfigurado, mas portador da vida divina que ressuscitaria seu corpo três dias depois! Felizes, portanto, aqueles que não se escandalizassem a seu respeito!

Ora sorte semelhante toda à Igreja instituída pelo próprio Cristo para ser seu Corpo prolongado (cf. 1Cor 12). Ele a concebeu segundo o mistério ou a lei da Encarnação. Isto significa que Ele haveria de dar à sua Igreja o poder de fazer prodígios,… prodígios de renovação dos homens e da história… Sim; foi a Igreja, entregue a homens rudes, que enfrentou o pujante Império Romano, sofreu as perseguições deste, mas acabou por vencê-lo, como atestava o Imperador Juliano o Apóstata (361-363): “Venceste, Galileu!” Foi a Igreja que salvou das ruínas os tesouros da cultura greco-romana e os entregou aos povos bárbaros; foi a Igreja que, mediante o mundo ocidental ou, simplesmente, o mundo inteiro… A Igreja, mesmo nas fases de crise mais aguda, sempre encontrou em sua vitalidade própria o fermento para revigorar suas forças.

Todavia da Igreja também se pode e deve dizer aquilo que Cristo afirmou de Si: “Feliz aquele que não se escandalizar a seu respeito!” Recoberta pela fragilidade humana, a Igreja traz as marcas da deficiência dos seus filhos, ora mais, ora menos patentes. Todavia a Igreja continua contendo em si a força de Deus para a santificação dos homens (cf. 2Cor 12,10); a fragilidade dos filhos da Igreja é incapaz de esvaziar a riqueza dos meios de santificação que Cristo nela depositou e que, passando por mãos limpas ou sejas, são sempre entregues impolutos a quem os procura na fé.

Estas verdades são de importância fundamental para os fiéis que sofrem em seu íntimo as repercussões de episódios dolorosos… O Natal, recém-celebrado, veio avivar no povo de Deus a consciência do grande desígnio do Pai que se manifesta tanto no presépio de Belém como na história da Igreja. Possa esta consciência orientar os fiéis católicos.

D. Estevão Bettencourt, Osb.
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
Nº 217, Ano 1978, Página 1.

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