Diz-nos São Lucas, após ter narrado a apresentação de Jesus no templo de Jerusalém, que Jesus, Maria e José regressaram a Nazaré e aí Jesus crescia em espírito e graça, robusto e com sabedoria.
Os Evangelhos Apócrifos apresentam-nos muitos relatos, alguns deles quase anedóticos deste período da vida de Jesus, enquanto que os Evangelhos Canónicos nada nos dizem da infância de Jesus para além da viagem a Jerusalém em que se perdeu da família.
Há um silêncio enorme sobre este período da vida de Jesus, como se fosse um tempo de espera, de preparação, em que o sucedido pouco interessa para o relato da missão, para os passos dados por Jesus após o baptismo no rio Jordão.
Contudo, e ainda que exista este silêncio, não podemos deixar de elevar a nossa imaginação até esse tempo e essa família que nos é apresentada como modelo, perscrutando nesse mesmo silêncio e certamente na normalidade da vida quotidiana alguma luz para a nossa própria vida.
Neste silêncio, e pelo silêncio que sobre ele se estende aos Evangelhos, ressalta a figura de José, o pai de Jesus, o carpinteiro. Pouco sabemos dele, e tão pouco que nem na vida pública de Jesus ele aparece presente, ao contrário da mãe, Maria.
A identificação do filho pela profissão do pai, carpinteiro, deixa-nos vislumbrar um homem que trabalhava e vivia do seu trabalho, e que ensinou ao seu filho a sua profissão. Podemos imaginar também um homem de fé e tradições, que as transmite ao filho, que integra o filho no clã familiar e na cultura e fé do povo.
Neste sentido José aparece-nos como uma interrogação sobre a forma como os filhos são hoje identificados face ao pai, afinal que valores os pais transmitem aos filhos que permitam a identificação da ancestralidade e paternidade.
Esquecemos muitas vezes que a paternidade e a maternidade não se reduz à transmissão de uma herança genética, mas comporta também a transmissão de uma herança cultural, ética e moral. Quando alguns pais se queixam que não reconhecem ou conhecem os filhos adolescentes e jovens é porque se esqueceram dessa transmissão que permite a identificação.
No silêncio de Nazaré encontramos também Maria, que guardava tudo no seu coração. Não podia ser de outra forma para a mãe de Jesus, porque as mães guardam no coração o que vivem e sofrem com os filhos. Contudo, neste silêncio e nesta vida familiar podemos imaginar que Maria transmitia ao filho também o respeito pela mulher, pela sua dignidade. Não podemos perceber o respeito de Jesus por sua mãe, fiel e livre face ao compromisso com Deus, sem esta intimidade e cumplicidade vivida na intimidade de Nazaré.
Maria apresenta-se assim como um desafio a uma amizade e a uma cumplicidade entre mãe e filho que só pode conduzir ao respeito, ao reconhecimento da dignidade e do valor de todo o sofrimento e entrega.
Por fim é neste silêncio de Nazaré, nesta tranquilidade que Jesus vai crescendo, robusto fisicamente para mais tarde poder enfrentar todo o sofrimento da cruz, e robusto espiritualmente para não desanimar nem deixar de confiar que Deus Pai está presente apesar de todo o silêncio e de toda a não resposta às suas questões.
Numa época histórica em que fortalecemos as crianças fisicamente, face a algumas fragilidades e desafios, é obrigatório fortalecê-las e robustecê-las em confiança e sabedoria para que possam pensar pela sua cabeça, assumir os seus valores e enfrentar os desafios da vida acreditando que Deus está connosco e é a meta da nossa felicidade.
Que Jesus, Maria e José venham em nosso auxílio e nos iluminem nas nossas relações familiares e no quanto estamos chamados a ajudar-nos mutuamente a crescer.
Ilustração: “Jesus na casa de Nazaré”, de John Everett Millais. Tate Britain de Londres.
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