De Cristo até nós, passando pelos Apóstolos

De Cristo até nós, passando pelos Apóstolos: Por Padre Leo Trese

"Por que será que os católicos não chamam aos seus pastores “pregadores” ou “ministros”?

Afinal de contas, o sacerdote católico é na verdade um pregador, se cumprir com o seu dever de comentar a Palavra de Deus durante a Santa Missa; e é também um ministro – a palavra “ministro”, na sua origem, significa “servo” – quando serve em nome de Cristo as almas que lhe estão confiadas, por exemplo ao administrar-lhes os Santos Sacramentos.

Mas o clérigo católico é muito mais do que um simples pregador ou ministro, porque, além de falar do púlpito, administrar os Sacramentos e servir o seu rebanho de diversas formas, oferece um sacrifício em nome de Cristo: o Santo Sacrifício da Missa. Por isso, recebe o nome de sacerdote, isto é, “aquele que oferece um sacrifício”.

Quando um protestante é constituído ministro, converte-se simplesmente num representante oficial da sua igreja e passa a estar oficialmente autorizado a pregar o Evangelho e a encarregar-se de uma determinada congregação de fiéis. Não ocorre nele nenhuma mudança real, já que não recebe nenhum poder que antes não tivesse.

Pelo contrário, quando um católico recebe o Sacramento da Ordem, realiza-se nele uma grande mudança, porque recebe um poder maravilhoso que antes não tinha: o poder de converter o pão e o vinho no Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, o poder de pronunciar as palavras mediante as quais o nosso Redentor renova constantemente o oferecimento que fez de Si mesmo ao Pai quando morreu na Cruz. É este poder que transforma um homem num sacerdote.

Este poder foi transmitido, sem perda de continuidade, de Cristo aos Seus Apóstolos, e destes a todos os sacerdotes de hoje. Foi na Última Ceia que Cristo ordenou sacerdotes os Seus Apóstolos. Depois de Ele mesmo ter convertido o pão e o vinho no Seu corpo e no Seu sangue, celebrando assim a primeira missa, pronunciou as palavras pelas quais uns homens recebiam, pela primeira vez na história, o Sacramento da Ordem: ”Fazei isto em memória de Mim”. Com essas palavras, impunha-lhes a obrigação de realizar essa mesma ação sagrada em perpétua memória d’Ele; e, com esse mandato, conferia-lhes também implicitamente o poder de cumpri-lo, o poder de fazer aquilo que Ele mesmo acabava de fazer.

Qualquer sacerdote católico de hoje, se tivesse o tempo e o dinheiro necessários para semelhante pesquisa, poderia estabelecer a linha ininterrúpta que une o seu sacerdócio ao do próprio Cristo. Em teoria, pelo menos, é possível fazê-lo; na prática, nem sempre é tão fácil assim, porque, ao longo destes quase dois mil anos, não faltaram incêndios e enchentes, guerras e catástrofes, em que pereceram inúmeros documentos.

Mas o que interessa ressaltar aqui é que o poder vinculado ao sacerdócio foi transmitido de maneira direta e contínua de Cristo, através dos Apóstolos, até os bispos e sacerdotes atuais. Como uma corrente de ouro que liga entre si as contas de um rosário, o Sacramento da Ordem vincula entre si todas as sucessivas gerações de bispos e sacerdotes, ligando-as todas a Cristo. Isto é o que queremos dizer – pelo menos é parte do que queremos dizer – ao afirmarmos que a Igreja Católica é Apostólica.

Tal como os reis de outrora tinham de apresentar provas de seu sangue real para poderem aspirar ao trono, assim também qualquer igreja que aspire ao título de autêntica Igreja de Cristo tem de demostrar que descende direta e legitimamente dos Apóstolos. Noutras palavras, a apostolicidade é outro sinal distintivo da verdadeira Igreja de Cristo – e esse sinal, só o encontramos na Igreja Católica.

Quem vos ouve, a Mim ouve” (Lc 10,16), diz o Senhor dos Apóstolos, e as Suas palavras continuam a ecoar ao longo dos séculos. Somente a Igreja da qual emanam o poder e a autoridade dos Apóstolos é que tem o direito de falar de Cristo.

Igreja ou Bíblia

“Mostre-me tudo isso na Sagrada Escritura, e eu acreditarei em você”, poderá dizer-nos algum amigo não-católico. “Não creio em nada que não esteja escrito na Bíblia”, dir-nos-á outro. “Nenhuma igreja vai dizer-me em que devo acreditar, só a Bíblia me basta”, afirmará ainda um terceiro. E não é raro que tenhamos que ouvir, dirigidas contra nós, acusações como esta: “Os católicos não lêem a Bíblia. São obrigados a acreditar em tudo que lhes contam os padres”.

Quando nos vemos diante de afirmação deste tipo, e se a pessoa que as faz relmente deseja conhecer a verdade, e não simplesmente discutir pelo gosto de auto-afirmar-se, há alguns pontos que poderemos esclarecer-lhe. Provavelmente, ainda não lhe ocorreu enfrentar-se com algumas perguntas elementares.

Em primeiro lugar, poderemos perguntar-lhe como é que ele sabe que Bíblia é a Palavra de Deus. Não há nenhuma passagem na própria Sagrada Escritura que o afirme explicitamente. Desde sempre, a única garantia que possuímos de que a Bíblia é um livro inspirado por Deus é…a palavra da Igreja Católica.

Quem não crê na Igreja Católica não tem a menor razão para crer nas Escrituras.

Foi a Igreja Católica que reuniu pacientemente, durante o primeiro século depois da vinda de Cristo, os escritos autênticos dos Apóstolos e discípulos do Senhor. Foi a Igreja Católica que os separou cuidadosamente dos textos “apócrifos”, isto é, das epístolas e evangelhos falsamente atribuídos por pessoas bem intencionadas e dotadas de grande capacidade imaginativa, mas desprovidas da assistência divina.

Foi a Igreja Católica que catalogou a pôs em ordem os livros que cosntituem o Novo Testamento, e os acrescentou aos livros inspirados do Antigo Testamento, redigidos pelos antigos patriarcas, profetas e historiadores do povo judeu. Por fim, foi a Igreja Católica que, depois de ter feito tudo isso, declarou solenemente: “Estas e somente estas são as Sagradas Escrituras; esta é a Palavra de Deus”.

Ora bem, a primeira igreja protestante nasceu mil e quinhentos anos depois de Cristo. Quando Lutero proclamou que a Escritura era a única fonte da verdade cristã, estava na verdade incorrendo numa contradição: por um lado, pretendia negar a Tradição católica; por outro, tinha de aceitar essa mesma Tradição, por ser ela a única fonte que lhe assegurava ser a Bíblia a Palavra de Deus.

Em segundo lugar, poderemos perguntar ao nosso amigo protestante: se Cristo desejava que nos guiássemos por um livro, e somente por esse livro, por que razão recomendou tantas vezes aos seus Apóstolos: Ide e pregai, ou Ide e ensinai? Por que não lhes disse: “Ide e Escrevei”?

Com efeito, se é somente na Bíblia que encontramos a Palavra de Deus, que dizer dos primeiros cristãos? Será que não eram cristãos? Porque, na verdade, os Evangelhos e Epístolas somente começaram a ser escritos vários anos depois da Ascenção do Senhor aos Céus. E que dizer dos cristãos que viveram durante os mil e quatrocentos anos anteriores à invenção da imprensa, em que as Bíblias eram muito raras e tinham de ser copiadas à mão? Como podiam essas salvar a sua alma sem dispor de Bíblias para ler? E que dzer de todos esses nossos contemporânios que não sabem ler? Será que o Céu lhes está fechado porque a Bíblia é para ser um livro fechado?

Portanto, os católicos crêem na Sagrada Escritura e em cada palavra contida nela – creêm que é um livro inspirado por Deus -, mas crêem também na Palavra Viva, na voz igualmante inspirada da Igreja que Cristo fundou, e que tem a responsabilidade de interpretar a Bíblia em nome do Senhor.

Aliás, a própria Escritura nos previne acerca da facilidade com que incorrem em erro os que tentam interpretá-la guiados unicamente pelo espírito próprio. Na sua segunda Epístola, São Pedro, referindo-se às Cartas de São Paulo, afirma: Há nelas algumas coisas difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes adulteram (como também as outras Escrituras) para a sua própria perdição (2 Pe 3,16). Com perdão da repetição: é a própria Bíblia que o diz!

Os católicos crêem na Bíblia, mas crêem também em outras coisas: crêem em tudo o que Cristo ensinou, em tudo o que os Apóstolos pregaram, mesmo que não tenha sido posto por escrito na Sagrada Escritura. Se reuníssemos todas as palavras do Senhor registradas pelos Evangelistas, e todas as suas frases recolhidas nas Epístolas – bem, talvez o Senhor não levasse mais de dois dias para pronunciá-las todas. Será que isso é tudo o que disse durante os seus três anos de ensino e pregação? Ou será que passou todo este tempo a repeti-las constantemente? Deixemos que seja o Apóstolo São João quem nos dê a resposta, com as palavras que põe no final do seu Evangelho: Muitas outras coisas há que Jesus fez, as quais, se se escrevessem uma por uma, creio que nem no mundo todo poderiam caber os livros que seria preciso escrever(Jo 21,25).

Os Católicos crêem, por isso, que há dois canais através dos quais nos chega a Verdade divina: a Sagrada Escritura, tal como é interpretada pelo representante vivo de Cristo, que é a Igreja, e a Tradição. A Tradição consiste simplesmente naquele conjunto de verdades que foram ensinadas por Cristo e pregadas pelos Apóstolos, mas não foram recolhidas nos Evangelhos nem nas Epístolas. Essas verdades vêm sendo transmitidas de geração em geração pela Igreja, que as guarda cuidadosamente como um tesouro. Aliás, a sua principal responsabilidade, diante de Deus, consiste precisamente em custodiar e transmitir-nos (quer saibamos ler, quer não) o conjunto totaldas Verdades reveladas por Cristo.

A Igreja nunca nos manda crer em determinada afirmação – isto é, nunca “define um dogma”- sem ter a mais absoluta certeza de que a verdade que nos propõe foi defendida e ensinada pelos próprios Apóstolos, ou pelo menos deriva diretamente dos seus ensinamentos. A Igreja Católica não pode nem nunca poderá ensinar uma doutrina nova. Com a morte do último Apóstolo (São João), deixou de haver novos ensinamentos: nesse instante, Deus acabou de dizer tudo o que tinha a dizer-nos, a sua Revelação à humanidade encerrou-se nesse momento.

A Igreja fundada por Cristo tem de ser uma Igreja apostólica. Ou seja, tem de possuir os poderes espirituais que Cristo confiou aos seus Apóstolos; tem de ensinar todas as verdades que os Apóstolos pregaram. Historicamente, só existe uma Igreja dotada de todas as credenciais necessárias para garantir-lhe a apostolicidade: a Igreja Católica.


Fonte:A Sabedoria do Cristão – TRESE, Leo – Editora Quadrante - São Paulo 1992 .

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