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Apesar disso, desde o início, esta foi a grande dificuldade da Igreja: pessoas que queriam fazer parte dela, mas não queriam morrer para si mesmos. O surgimento do gnosticismo e do arianismo são provas dessa dificuldade.
O Gnosticismo é uma mentalidade pagã que surgiu na mesma época que o Cristianismo. Ambos cresceram juntos, atraindo adeptos. Em certo momento, os gnósticos começaram a inserir-se na Igreja nascente, porém, não quiseram abandonar a sua leitura do mundo. Assim, entravam na Igreja, adotavam a linguagem cristã, porém, parasitando-a e introduzindo um conteúdo diferente do original para seduzir os fiéis. Os bispos católicos, guardiões do depósito da fé, reagiram a esse movimento, pois perceberam, nesta atitude, um grave problema. Santo Irineu de Lyon escreveu a obra "Adversus Haereses", na passagem do século II para o III. No Livro I, número 10,2, ele diz que:
"A Igreja, espalhada hoje pelo mundo inteiro, recebeu dos apóstolos e dos seus discípulos a fé num só Deus, Pai e onipotente, que fez o céu e a terra, os mares, e tudo quanto nele existe e num só Cristo, Filho de Deus, que se fez carne para a nossa salvação; e no Espírito Santo, que mediante os profetas predisse a salvação por meio do amado Jesus Cristo nosso Senhor, a sua dupla vinda, o seu nascimento da Virgem, a sua paixão e ressurreição dentre os mortos, e que diante dele todo joelho se dobrará no céu, na terra e nos infernos, e toda língua o proclame (Fl 2, 10-11). Então, sobre todos os seres, pronunciará o seu justo julgamento.
As almas dos maus, os anjos prevaricadores e apóstatas, precipitá-los-á no fogo eterno com os homens pecadores, injustos, iníquos e blasfemadores. Os justos, porém, os santos, aqueles que guardaram os seus mandamentos e perseveraram no seu amor, ...receberão dele a vida, terão dele a imortalidade e gozarão da glória eterna. Esta é a doutrina que a Igreja recebeu; e esta é a fé, que mesmo dispersa no mundo inteiro, a Igreja guarda com zelo e cuidado, como se tivesse a sua sede numa única casa.
E todos são unânimes em crer nela, como se ela tivesse uma só alma e um só coração. Esta fé ela anuncia, ensina, transmite como se falasse uma só língua. As línguas faladas no mundo são diversas, mas a força da tradição, em toda parte, é a mesma. As igrejas fundadas na Alemanha não têm outra fé e outra tradição. Diga-se o mesmo das igrejas fundadas na Espanha, entre os celtas, no oriente, no Egito, na Líbia ou no centro do mundo, que é a Palestina. Da mesma forma que o Sol, criatura de Deus, é um só e é idêntico em todo o mundo, assim também o ensino da verdade, que brilha em toda parte e ilumina a todos os homens, que querem chegar ao conhecimento da verdade (cf. 1Tm 3, 15), é sempre o mesmo." (Adv. Haer. 1,10)
Infelizmente, o gnosticismo subsiste até os dias atuais. De vez em quando surgem pessoas, teólogos modernos que afirmam saber qual é o verdadeiro cristianismo, fazendo pouco dos Bispos que guardam a fé de sempre.
O gnosticismo é, portanto, uma filosofia pagã que se mistura ao Cristianismo, esvaziando-o de seu conteúdo cristão e substituindo-o por outro completamente diverso. Desta forma, somente os gnósticos, teoricamente, teriam o poder de interpretar de forma correta os mistérios da fé.
O Arianismo, por sua vez, não era uma filosofia pagã. Na cidade de Alexandria, onde vivia o Padre Ário, havia muitos filósofos neo-platonistas, que estavam diante de uma dificuldade intelectual válida, mas de difícil resolução: se Deus é UNO como se pode dizer que existem Três Pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo)? Trata-se de duas verdades de fé (monoteísmo e Trindade) que são, aparentemente, conflituosas. Assim, influenciado pela filosofia neo-platônica, Ário escolheu uma dessas verdades, afirmando que somente o Pai é Deus, deixando de lado as outras duas pessoas. Ao preferir uma verdade em detrimento de outra, deixou de ser católico, pois este crê no todo, já que a fé católica é conforme o todo, holística.
A Teologia é justamente o esforço racional de tentar harmonizar aquilo que é aparentemente contraditório. Na época do Arianismo, grandes teólogos surgiram em defesa da fé católica, dentre eles, Santo Atanásio, que defendeu a divindade do Filho, os Padres Capadócios (São Basílio Magno, São Gregório de Nazianzo, São Gregório de Nissa) os quais defenderam a divindade do Filho e do Espírito Santo.
Todos eles fizeram um esforço teológico para explicar que a natureza divina é una em três pessoas igualmente distintas. O Papa Eugênio IV publicou a Bula "Cantate Domino" e, nela consta uma definição clara desse imenso mistério:
"[...] crê firmemente, professa e prega um só verdadeiro Deus, onipotente imutável e eterno, Pai, Filho e Espírito Santo; uno na essência, trino nas pessoas: Pai não gerado, Filho gerado pelo Pai, Espírito Santo procedente do Pai e do Filho: crê que o Pai não é o Filho ou o Espírito Santo, que o Filho não é o Pai ou o Espírito Santo, que o Espírito Santo não é o Pai ou o Filho, mas que só o Pai é Pai, só o Filho é Filho, só o Espírito Santo é Espírito Santo. Só o Pai gerou o Filho de sua substância. Só o Filho foi gerado do Pai e dele só, só o Espírito Santo procede ao mesmo tempo do Pai e do Filho. Estas três pessoas são um só Deus, não três deuses, porque uma só é a substância das três, uma a essência, uma a natureza, uma a divindade, uma a imensidade, uma a eternidade, e tudo isso uma unidade [...]" (DH 1330)
No início da Igreja, portanto, esses dois movimentos surgiram e, cada um à sua maneira, quase destruíram a fé católica. Graças à assistência do Espírito Santo, a Igreja sobreviveu e firmou-se ao longo do tempo. Infelizmente, até os dias atuais a heresia sobrevive.
Todo movimento protestante, por exemplo, é um movimento herético, uma vez que ele escolhe no que vai crer, não aceitando o todo.
O católico sabe que não precisa escolher nada, apenas morrer para si mesmo, para então, assumir o único sujeito que é o Cristo total, a Igreja, pois, somente assim é possível fazer Teologia.
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