Lendo recentemente o blog do Padre Zuhlsdorf, deparei-me com uma publicação sobre as impressões que a visita a uma capela católica causou em John Adams (1735-1826), segundo presidente americano.
Adams, como muitos políticos americanos do século XVIII, era um deísta. A religião se via reduzida a um conjunto de preceitos morais; segundo Adams, sua religião se limitava aos “Dez Mandamentos e ao Sermão da Montanha”. Não acreditava na divindade de Cristo, nem na Providência Divina e rejeitava todos os demais dogmas cristãos. Para ele todos os homens honestos eram cristãos, no sentido que ele dava à palavra.
As observações foram feitas em carta à sua esposa, Abigail Adams, e revelam o impacto da liturgia católica mesmo sobre um homem de formação protestante e racionalista. Dou algumas explicações dentro do texto e comento no final.
Phyladelphia Octr. 9, 1774
Minha Querida
(...)
Hoje pela Manhã fui à Reunião do Dr. Allisons (na casa deste) e ouvi o Dr. – um bom Discurso (não se tratava, portanto, de um culto, mas de uma simples reunião) sobre a Ceia do Senhor. Era uma Reunião Presbiteriana. Eu confesso que não sou um apreciador das Reuniões Presbiterianas nesta Cidade. Eu prefiro ir à Igreja (fala provavelmente da Igreja Unitariana, seita deísta americana). Nós temos melhores Sermões, melhores Orações, melhores Oradores, mais suaves, música mais suave, e Companhia mais distinta (sem a companhia do povo ignorante). E devo confessar, que a Igreja Episcopal é tão agradável ao meu Gosto quanto à Presbiteriana. Elas são ambas Escravas da Dominação do Sacerdócio (refere-se à natureza sacramental de ambas, mais presente na primeira). Eu prefiro o jeito Congregacional (foi criado nesta seita), mais próximo daquele Independente (Igreja Unitariana, que no tempo de Adams assimilou a maioria das Igrejas Congregacionais de Massachusetts).
Nesta tarde, levado pela Curiosidade e boa Companhia (George Washington?) fui à Igreja Mãe, ou melhor, Igreja Avó(a igreja mãe, seria a Igreja Anglicana – origem do puritanismo americano – e, portanto, a Igreja Católica seria a “avó”!), quero dizer à Capela Romanista. Ouvi um Sermão bom, curto, moralizante sobre o Dever dos Pais para com seus filhos, fundado na justiça e Caridade, de cuidar de seus Interesses temporais e espirituais.
A Distração Vespertina foi para mim, mais terrível e impressionante. Os pobres Miseráveis (elitista, não?), manuseando suas Contas (rosário), cantando em Latim, sem entender Palavra alguma, seus Pai Nossos e Ave Marias. Sua Água benta – persignando-se perpetuamente – Inclinando-se ao Nome de Jesus, sempre que o ouviam, suas Inclinações, e Genuflexões diante do Altar. A Veste do Sacerdote era rica, com um Laço, seu Púlpito era de Aveludado e Dourado. O Altar era muito rico – pequenas Imagens e Crucifixos – Velas acesas. Mas como devo descrever a Pintura de nosso Salvador numa moldura de Mármore sobre o Altar em Tamanho real na Cruz, em Agonia, e o Sangue pingando e escorrendo de suas Chagas.
A Música, que consistia em um órgão e um Coro de cantores, tomou toda a Tarde, excetuando-se o Momento do sermão, e a Assembleia cantava – na maioria do tempo suave e agradavelmente.
Isto é Tudo que pude captar com um golpe de Visão, Audição e Imaginação. Todas as Coisas que podem seduzir e encantar o simples e ignorante. Eu imagino como Lutero pôde ter quebrado o encantamento.
Adieu.
John Adams
Permito-me uma observação sobre o parágrafo final. Para Adams a liturgia católica envolve o simples e o ignorante porque fala a seus olhos, ouvidos e imaginação – e não à sua razão. Ora, não aprendemos com o Filósofo que o conhecimento humano é passivo e que, enquanto o homem não recorre aos sentidos, não conhece?
A constatação de Adams é o contrário do que dizem os modernos liturgistas, para os quais a "simplificação" - lê-se destruição - e a "verbalização" da liturgia são benéficas ao povo simples.
Esta redução da linguagem e comunicação de Deus à simples palavra – escrita, falada, ouvida – é típica do protestantismo. E é esta nefasta influência protestante que contamina a liturgia católica hodierna.
Mas o próprio Adams não pôde se furtar ao impacto poderoso da liturgia católica. Suas palavras mal disfarçam seu próprio encantamento, embora ele, “homem das luzes”, não estivesse propenso a admiti-lo.
A liturgia que fala igualmente ao ignorante e ao letrado é a única propriamente católica. Ela fala ao homem inteiro e com uma riqueza de códigos que somente a longa Tradição da Igreja Católica soube edificar.
O empobrecimento das liturgias, a negação dos silêncios, dos símbolos, dos gestos, a necessidade de tudo comentar e explicar é a maior espoliação sofrida pelo povo simples, em seu nome e sem o consultar.
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"Experiência religiosa" de um protestante racionalista
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