Nosso espírito vê as inumeráveis fileiras de adolescentes, que como botões se abrem às primeiras luzes da aurora. Prodigioso e encantador é este pulular de juventude em uma geração que pareceu condenada a desaparecer; juventude nova, fremente em sua pujança e em seu vigor, olhos fixos no futuro, e com incoercível impulso para metas mais elevadas, resolvida a melhorar o passado, a assegurar conquistas mais sólidas e de maior vulto no caminho do homem sobre a terra. Desta irrefreável e perene corrente para a perfeição humana, dirigida e guiada pela Divina Providência, os educadores são os orientadores e os responsáveis mais diretos, à mesma Providência associados, para dela realizar os desígnios. Deles depende em grande parte se a corrente da civilização avança ou vai para trás, se reforça seu ímpeto ou languesce na inércia, se vai direta para a foz, ou, pelo contrário se deleita ainda que momentaneamente, em vãos acessórios, ou pior ainda em meandros malsãos e pantanosos.
Nós mesmo, por disposição divina, Vigário, e portanto investido dos mesmos ofícios daquele que sobre a terra amou ser chamado “Mestre”, Nós mesmo nos incluímos no número dos que representam em várias medidas a mão da Providência no conduzir o homem ao seu termo prefixado.
Não é talvez esta Nossa Sé principalmente uma Cátedra? Não e nosso primeiro encargo o Magistério? Não deu o divino Mestre e Fundador da Igreja a Pedro e aos Apóstolos o fundamental preceito: ensinar, preparar discípulos?
Nós nos sentimos educadores de almas, e de fato o somos; a Igreja e sublime escola, e não em um grau secundário de importância, pois, que boa parte do ofício sacerdotal consiste em ensinar, e educar. Nem podia ser diversamente em a nova ordem instaurada por Cristo, que se fundamenta totalmente sobre as relações de paternidade de Deus, da qual deriva toda outra paternidade no céu, e sobre a terra, e da qual, em Cristo e por Cristo proclama a Nossa paternidade para com todas as almas. Ora quem é pai, é por isto mesmo educador, porque, como luminosamente explica o Doutor Angélico, o primordial direito pedagógico, não se apeia sobre outro título senão da paternidade.
Imensa é a responsabilidade da qual participam, ao mesmo tempo, embora em grau diverso, mas não em campo totalmente separado: responsabilidade das almas, da civilização, do aperfeiçoamento e da felicidade do homem sobre a terra e nos céus.
Se, neste momento, trouxemos o discurso sobre um terreno mais vasto, qual o da educação, fizemo-lo pensando que já se pode dizer superada, ao menos em linha de máxima, a errônea doutrina que separava a formação da inteligência da do coração. Devemos antes deplorar que nos últimos anos fossem ultrapassados os limites do justo interpretar as normas que identificam o que ensina o educador, escola e vida. Reconhecido à escola, o potente valor formativo das consciências, alguns estados, regimes e movimentos políticos aí descobriram um dos meios mais eficazes de ganhar para suas causas aquelas multidões de adeptos, de que tem necessidade para fazer triunfar determinadas concepções de vida. Com uma tática tão astuta quanto insincera, e por escopos em contraste com os próprios fins naturais da educação, alguns destes movimentos do passado e do presente século pretenderam subtrair a escola à égide das instituições que tinham, além do estado, um primordial direito - a família e a Igreja - e tentaram ou tentam apossar-se delas exclusivamente, impondo um monopólio, que é gravemente lesivo a uma das fundamentais liberdades humanas.
Mas esta Sé de Pedro, escolta vígil do bem das almas e do verdadeiro progresso, como não abdicou jamais no passado este essencial direito, admiravelmente e em todos os tempos exercitado mediante suas instituições, que foram as únicas a se dedicarem a isto, assim não abdicará no futuro, nem por esperanças de vantagens terrenas, nem por temor de perseguições. Ela não consentirá jamais que sejam destituídas do efetivo exercício de seus nativos direitos nem a Igreja, que o tem por mandamento divino, nem a família que o reivindica por natural justiça. Os fiéis de todo o mundo são testemunhos da firmeza desta Sé Apostólica em propugnar a liberdade da escola em muitos países, em diversas circunstâncias e para muitos homens. Pela escola, bem como pelo culto e pela santidade do matrimônio, Ela não hesitou em enfrentar as dificuldades e perigos, com a tranquila consciência de quem serve uma causa justa, santa, querida por Deus, e com a certeza de prestar um serviço inestimável à própria sociedade civil.
Nos países, pois, nos quais a liberdade da escola é garantida por justas leis, cabe aos mestres saber valer-se efetivamente disto, exigindo a concreta aplicação das mesmas.
Se é ótima regra entesourar sistemas e métodos corroborados pela experiência, ocorre avaliar com todo cuidado, antes de aceitá-las, as teorias e os usos das modernas escolas pedagógicas. Nem sempre, realmente, os bons sucessos, talvez obtidos em países por índole de população e grau de cultura diversos do nosso, dão suficiente garantia para que aquelas doutrinas possam ser aplicadas sem distinção em toda parte.
A escola não pode ser comparada a um laboratório químico, onde o risco de desperdiçar substâncias mais ou menos custosas é compensado pela probabilidade de uma descoberta: na escola para cada alma entra em jogo a salvação ou a ruína. As inovações, portanto, que se julgarão oportunas, dirão respeito à escolha de meios e orientações pedagógicas secundárias, permanecendo inabaláveis o fim e os meios substanciais, que serão sempre os mesmos, como sempre idêntico é o fim último da educação, o seu sujeito, o seu principal autor e inspirador, que é Deus Nosso Senhor.
O educador que se inspira na paternidade, cujo escopo é gerar seres semelhantes a si, o que ensina, não somente com os preceitos, mas também com o exemplo, formará os alunos para a vida. Em caso contrário, sua obra será, para dizer com Sto. Agostinho, "bazar de palavras" e não modeladora de almas. Os próprios ensinamentos morais não atingem, senão superficialmente, os espíritos, se não são corroborados pelos atos. Nem mesmo a exposição das disciplinas meramente escolares é plenamente assimilada pelos jovens, se não brota dos lábios do professor como viva expressão pessoal: nem o Latim, nem o Grego, nem a História, ainda menos a Filosofia serão recebidos pelos alunos com proveito, quando apresentados sem entusiasmo, como coisas estranhas à vida e ao interesse de quem ensina.
Educadores de hoje, que do passado tiraram normas seguras, que ideais para os homens deveis preparar, visando o futuro?
Encontrá-los-eis fundamentalmente delineados no cristão perfeito. E dizendo perfeito cristão, entendemos aludir ao cristão de hoje, homem de seu tempo, conhecedor e cultor de todos os progressos trazidos pela ciência e pela técnica, cidadão não estranho à vida que se desenvolve hoje, em sua terra. O mundo não se arrependerá, se um número sempre maior de tais cristãos entrar em todos os graus da vida pública e privada. Cabe, em grande escala aos que ensinam predispor a esta benéfica imissão, orientando os espíritos dos discípulos a descobrirem as inexauríveis energias do cristianismo na obra de melhoramento e de renovação dos povos.
O nosso tempo quer que a mente dos alunos seja endereçada para um sentido de justiça mais efetiva, sacudindo suas inatas tendências de se considerarem eles uma casta privilegiada e de temerem o trabalho e dele se esquivarem. Sintam-se e sejam de fato trabalhadores já hoje, no cumprimento perfeito dos deveres escolares, como deverão ser amanhã nos cargos dirigentes da sociedade. É verdade que nos povos atormentados pelo flagelo da desocupação as dificuldades surgem não tanto pela falta de bons valores, mas pela falta de trabalho; continua, entretanto, sempre indispensável que os que ensinam inculquem a laboriosidade a seus discípulos. Habituem-se portanto estes ao severo trabalho de disciplinar o intelecto, e do trabalho aprenderão a suportar a dureza e a necessidade, para que somente assim possam gozar os direitos da vida associada, com o mesmo título que os trabalhadores braçais. É já tempo de se alargarem as vistas sobre um mundo menos obstaculado por facções reciprocamente invejosas, por nacionalismos exagerados sequiosos de hegemonia, pelo que tanto sofreram as gerações presentes. Abra-se à nova juventude a respiração da catolicidade, e sinta-se o fascínio daquela caridade universal que abraça todos os povos no único Senhor; a consciência da própria personalidade, e portanto do maior tesouro da liberdade, a sã crítica; e ao mesmo tempo o sentido da humildade cristã, da justa sujeição, à lei e aos deveres de solidariedade. Religiosos, honestos, cultos, abertos e operosos - queríamos que assim os jovens saíssem das escolas (1).
1- Discurso, Ação Católica, 4 de setembro, 1949.
Fonte: Pio XII e os problemas do mundo moderno, tradução e adaptação do Padre José Marins, 2.ª Edição, edições Melhoramentos.
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