Sobre a mortificação

Sobre a mortificação:

Trazemos aos caros leitores ao longo dessa semana um longo texto de Adolph Tanquerey sobre um tema importante e pouco meditado muitas vezes por católicos. Tema tão importante que podemos dizer que refletiu a vida dos videntes de Fátima e o pedido da Virgem em suas mensagens em tal aparição: mortificação. O texto, por ser bastante longo, será postado em partes, diariamente. Esperamos ser de grande ajuda para melhor entendimento do sofrimento que todos passamos em conta de pecados cometidos, e como voluntariamente podemos oferecer pequenos sacrifícios dia a dia por nossas culpas e também pela salvação dos pecadores.

Mortificação

A Mortificação contribui, com a penitência, para purificar das faltas passadas; mas o seu fim principal é premunir-nos contra as do presente e do futuro, diminuindo o amor do prazer, fonte dos nossos pecados.

O corpo chagado de Jesus é um autêntico retábulo de dores... Por contraste, vêm à memória tanto comodismo, tanto capricho, tanta negligência, tanta mesquinhez... E essa falsa compaixão com que trato a minha carne. Senhor!, pela Tua Paixão e pela Tua Cruz, dá-me forças para viver a mortificação dos sentidos e arrancar tudo o que me afaste de Ti. (Via Sacra)

I. Natureza da Mortificação
Expressões bíblicas: para designar a mortificação. Encontramos sete expressões principais nos Livros Santos, para designar a mortificação sob os seus diversos aspectos.
1 - A palavra renúncia: «qui non renuntiat omnibus quae possidet non potest meus esse discipulus» apresenta-nos a mortificação como um ato de desprendimento dos bens exteriores, para seguirmos a Cristo. Assim fizeram os Apóstolos:«relictis omnibus, secuti sunt eum»

2 - É também uma abnegação ou renúncia a si mesmo: «Si quis vuli post me venire, abneget semetipsum» E na verdade, o mais terrível dos nossos inimigos é o amor próprio desordenado; eis o motivo por que é forçoso desapegar-nos de nós mesmos.

3 - Mas a mortificação tem um lado positivo: é um ato que fere e atrofia as más tendências da natureza: «Mortifica te ergo membra vestra .. Si autem Spiritu facta carnis mortíficaveritis, vivetis »

4 - Mais ainda é uma crucificação da carne e das suas concupiscências, pela qual cravamos, por assim dizer, as nossas faculdades à lei evangélica aplicando-as à oração, ao trabalho: «Qui sunt Christ, carnem suam crucifixerunt cum vitiis et concupiscentiis»

5 - Esta crucifixão, quando persevera, produz uma espécie de morte e de en terramento, pelo qual parecemos morrer completamente a nós mesmos e sepultar-nos com Jesus Cristo, para vivermos com Ele uma vida nova «Mortui enim estis vos et vita vestra est abscondita cum Cristo in Deo … Consepulti enim sumus cum illo per baptismum in mortem» .

6 - Para exprimir esta morte espiritual. São Paulo serve-se doutra expressão: como, depois do batismo, há em nós dois homens, o homem velho que fica, ou a tríplice concupiscência, e o homem novo ou o homem regenerado, declara o Apóstolo que é nosso dever «despojar-nos do homem velho, para nos revestirmos do novo: expoliantes vos veterem hominem ... et induentes novum» .

7 - E, como isto se não faz sem combater, declara ainda que a vida é combate «bonum certamen celta vi», que os cristãos são lutadores ou atletas que castigam o seu corpo e reduzem a servidão.

De todas estras expressões e outras análogas, resulta que a mortificação compreende um duplo elemento: um negativo, o desprendimento, a renúncia, o despojamento; e outro positivo, a luta contra as más tendências, o esforço para as mortificar ou atrofiar, a crucificação, a morte da carne, do homem velho e das concupiscências, a fim de vivermos da vida de Cristo.
Expressões modernas: Hoje vai-se preferindo o uso de expressões mitigadas, que indicam o fim que se pretende atingir, antes que o esforço que para isso se tem de empregar. Diz-se que é mister reformar-se a si mesmo, governar-se a si mesmo, fazer a educação da vontade, orientar a sua alma para Deus. Estas expressões são exatas, contanto que se saiba mostrar que ninguém pode reformar-se e governar-se a si mesmo, sem combater e mortificar as más tendências que em nós existem; que não se faz a educação da vontade, senão mortificando, disciplinando as faculdades inferiores, e que não há possibilidade de alguém se orientar para Deus se não desapegando-se das criaturas e despojando-se dos próprios vícios. Por outros termos, é necessário saber, como faz a Sagrada Escritura, reunir os dois aspectos da mortificação, mostrar o fim, para consolar, mas não dissimular o esforço necessário para o atingir.

Definição: Pode-se, pois, definir a mortificação: a luta contra as más inclinações, para as submeter à vontade, e esta a Deus. É menos virtude que um complexo de virtudes, o primeiro grau de todas as virtudes, que consiste em vencer os obstáculos, no intuito de restabelecer o equilíbrio das faculdades, a sua ordem hierárquica. Assim se vê mehor que a mortificação não é um fim, senão um meio; o homem não se mortifica senão para viver uma vida superior, não se despoja dos bens exteriores senão para melhor conseguir os bens espirituais, não se renuncia a si mesmo senão para possuir a Deus, não luta senão para gozar .,. paz, não morre a si mesmo senão para viver da vida de Cristo, da vida de Deus. A união com Deus, é, pois, o fim da motificação. Assim, melhor se compreende a sua necessidade.



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