Papa Francisco põe a imprensa a serviço de Cristo



A carta que o Papa Francisco enviou recentemente ao Eugenio Scalfari já começa a dar frutos. Foi publicada na edição de hoje do La Repubblica (original aqui, em inglês aqui; em português só encontreiesta tradução do Fratres in Unum) uma entrevista «exclusiva» que o fundador do jornal realizou com o Vigário de Cristo.
Foi o próprio Papa quem o convidou: «mercoledì non posso, lunedì neppure, le andrebbe bene martedì?» “Sim”, respondeu o ateu, «va benissimo». E lá se foram os dois veneráveis anciãos conversar sobre a Fé e sobre os problemas do mundo atual.
Problemas cuja expressão máxima o Papa identifica, logo de saída, com a falta de transcendência do mundo moderno: «si può vivere schiacciati sul presente?» “É possível viver esmagado pelo presente”, sem passado e sem futuro? Aqui o «desemprego» da juventude é mais acídia do que questão trabalhista e, a «solidão» da velhice, mais desespero do que carência emocional. Uma vez que se elimina Deus do mundo, uma vez que o materialismo é erigido como norte da vida humana, os velhos estão encurralados diante de um abismo que conduz ao nada e os jovens não se sentem motivados a trilhar o caminho que conduz a este crepúsculo inglório que eles já hoje enxergam nos seus pais e avós. Os dois extremos são, assim, parte de um só e mesmo problema: se a vida caminha inexoravelmente para a velhice e esta não tem sentido, então o próprio «caminho» não tem sentido. A vida se transforma numa estrada estúpida que conduz a lugar nenhum: é natural que muitos não tenham portanto sequer vontade de a trilhar. Não têm as coisas que dão sentido à vida, «e il guaio è che non li cercano più». “E o problema é que sequer as procuram mais”, como disse o Papa Francisco.
Ele não quer fazer proselitismo: «[o] mundo é cruzado por vias que se aproximam e se separam, mas o importante é que elas levem ao Bem». Grifo: levem, verbo conjugado no subjuntivo, que expressa desejo, dever, e não levam, no presente do indicativo, como se se tratasse já de um fato consumado. No original italiano, «portino», para não deixar dúvidas. É óbvio que as vias não necessariamente conduzem, assim em ato, ao Bem; mas é importante que elas conduzam para Ele. A história de nossas vidas não necessariamente nos há de levar para Deus. Mas, se existe algum Fim Último na História, o que importa é que as nossas histórias concretas conduzam a Ele. É esta a missão da Igreja. É esta a contribuição concreta que Ela pode dar à triste situação poucas linhas atrás delineada.
Para explicá-lo melhor, o Papa parafraseia Sto. Tomás: “Cada um de nós tem uma visão do bem e do mal. Temos que encorajar as pessoas a caminhar em direção ao que elas consideram ser o Bem”. No original italiano: «Noi dobbiamo incitarlo a procedere verso quello che lui pensa sia il Bene». É o mesmíssimo ensinamento que o Aquinate expõe de maneira lapidar na Summa«hay que decir sin reservas que toda voluntad que está en desacuerdo con la razón, sea ésta recta o errónea, siempre es mala»(I-IIae, q. 19, a. 5resp.). E se é evidente que Santo Tomás não é um relativista, tampouco o é o Papa Francisco. Ele sabe muito bem que, embora nem sempre desculpe (cf. id. ibid., a.6), a consciência – mesmo errônea – sempre obriga; e portanto é mister incentivar a segui-la. Simplesmente não há outro caminho.
Porque o papel da Igreja obviamente não é obrigar as pessoas a agirem contra a própria consciência, e sim levá-las a uma verdadeira conversão, uma metanóia, uma “mudança de mente”, de consciência, a fim de que façam o que é certo não como uma imposição exterior, mas em harmoniosa obediência ao mais íntimo do seu ser. Para isso precisam encarar a Fé Católica não como um conjunto desconexo de normas e proibições, mas como um encontro com uma Pessoa: Jesus Cristo. E para isso é preciso à Igreja “ir ao encontro” delas, usando uma expressão cara ao Papa Francisco, a fim de que possa mostrar-lhes o Bem que elas almejam. Para isso é preciso «conhecer um ao outro, ouvir um ao outro e melhorar o nosso conhecimento do mundo ao nosso redor», como ele falou ao Scalfari nesta entrevista, e como já o repetiu tantas outras vezes de outras formas ao longo do seu pontificado.
E a conversa prossegue: Igreja, santos, mística, graça. Alfineta o Sumo Pontífice: «Mesmo o senhor, sem o saber, poderia ser tocado pela graça». O ateu diz que não acredita em alma. «[M]as você tem uma», riposta com maestria o Vigário de Cristo. O ateu sente o chão faltar-lhe aos pés e corta a conversa: «Santidade, o senhor disse que não tem a intenção de tentar me converter e não acho que o senhor conseguiria». E o Papa: «Questo non si sa», “isto não se sabe”, não dá para saber.
O Papa então pergunta no que crê o velho ateu. Ele responde: «Acredito no Ser, que está no tecido do qual surgem as formas e o corpos». Insiste o Vigário de Cristo: «Mas você pode definir o que você chama de Ser?». E a resposta do Scalfari é digna de ser reproduzida na íntegra, em português e no original italiano, para que se tenha uma noção do quão confusa é a única cosmogonia a que foi capaz de chegar um intelectual ateu após longos 89 anos de vida:
Ser é uma fábrica de energia. Energia caótica, mas indestrutível e caos eterno. As formas emergem da energia quando ela atinge o ponto de explosão. As formas têm as suas próprias leis, os seus campos de magnetismo, os seus elementos químicos, que combinam aleatoriamente, evoluem e eventualmente são extintos, mas a sua energia não é destruída. O homem é provavelmente o único animal dotado de pensamento, ao menos, no nosso planeta e no sistema solar. Disse que ele é guiado por instintos e desejos, mas eu acrescentaria que ele também contém dentro de si uma ressonância, um eco, uma vocação de caos.
[L’Essere è un tessuto di energia. Energia caotica ma indistruttibile e in eterna caoticità. Da quell’energia emergono le forme quando l’energia arriva al punto di esplodere. Le forme hanno le loro leggi, i loro campi magnetici, i loro elementi chimici, che si combinano casualmente, evolvono, infine si spengono ma la loro energia non si distrugge. L’uomo è probabilmente il solo animale dotato di pensiero, almeno in questo nostro pianeta e sistema so-lare. Ho detto è animato da istinti e desideri ma aggiungo che contiene anche dentro di sé una risonanza, un’eco, una vocazione di caos.]
Aqui a entrevista praticamente termina. Diz o Papa, em tom condescendente: «Está certo. Não quero que você me faça um resumo de sua filosofia e o que você me disse é o suficiente». Um pouco antes das afabilidades finais, uma última coisa disse o Papa Francisco:
Demos um passo à frente em nosso diálogo. Observamos que na sociedade e no mundo em que vivemos o egoísmo tem aumentado mais do que o amor pelos outros, e que os homens de boa vontade precisarão trabalhar, cada qual com os seus pontos fortes e experiência, para garantir que o amor aos outros aumente até que seja igual e possivelmente exceda o amor por si mesmo.
Na redação que lhe conferiu o fundador do La Repubblica, este é o clímax da entrevista, o ponto de chegada ao qual ela conduz. E um jornal secular estampando na primeira capa uma reportagem onde se fala de deveres morais, de santos, de mística, de graça, e que termina conclamando as pessoas a se esforçarem por amar mais ao próximo do que a si próprias é uma vitória e tanto do Sumo Pontífice. Pela primeira vez em muito tempo, talvez a primeira vez desde que eu me entendo por gente, um Papa pautou o tom das reportagens sobre ele ao invés de ser pautado por elas. Bravo, bravissimo! Que Deus abençoe o Papa neste terreno pantanoso em que ele se move com tão assombrosa desenvoltura. Que os inimigos dele sejam confundidos e dispersados diante desta Rocha imponente contra a qual não prevalecerão as portas do Inferno. Que, olhando para ele, o mundo creia e se coloque aos pés do Crucificado. A fim de que (re)encontre o caminho. A fim de que seja salvo.

 http://www.deuslovult.org/2013/10/01/papa-francisco-poe-a-imprensa-a-servico-de-cristo/

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