A vida está cada vez mais agitada e buscamos soluções praticas e instantâneas pra resolver os problemas. Desde o cartão de credito e o WhatsApp até a lipoaspiração, cada uma com suas vantagens e desvantagens. Uma "solução" imediata adotada com frequência cada vez maior é a pílula do dia seguinte. Em pesquisa publicada pelo National Center for Health Statistics dos EUA, é apontado que de 2002 para 2010, o uso da pílula do dia seguinte dobrou, e que 1 entre 9 mulheres já recorreram ao método contraceptivo emergencial, o que nos dá um número de 5.8 milhões de mulheres.
No Brasil, o medicamento é de fácil acesso, se encontra à disposição de qualquer maior de 18 anos e não é necessária receita médica para comprar. O mais usado é o Levonorgestrel que pode ser tomado até 72 ou 120 horas após relação sexual dependendo da orientação médica.
Sou estudante de medicina, cursando o segundo ano e no primeiro semestre participei de um trabalho na faculdade sobre educação em saúde com tema sexualidade. Durante a preparação deste, houve um forte debate em relação à pílula do dia seguinte. Muitos colegas acreditam que a pílula não pode ser abortiva, e essa informação também é divulgada por médicos, sites de saúde e até sites adolescentes como da revista Atrevida.
Para entender melhor o funcionamento da pílula, é importante observarmos que a fecundação (processo em que um espermatozoide penetra, no óvulo, formando o embrião com a mistura dos cromossomos maternos e paternos) dura cerca de 24 horas. Qual é o tipo de efeito, então, que este medicamento teria após as 24 e antes das 120h após a relação sexual?
Na bula do fármaco, a informação é de que ele age inibindo ou retardando a ovulação e adicionalmente, pode bloquear a implantação do embrião decorrente de alterações no endométrio (na parede do útero). Que tipo de informação essa bula nos traz entrelinhas?
Primeiro que se a pílula chegar a promover o segundo efeito é porque já aconteceu a fecundação do óvulo. Segundo, que a ação da pílula, quando impede o embrião de se implantar na parede do útero, está impedindo algo que é condição para a sobrevivência do embrião; para a continuação de uma gravidez já iniciada.
De acordo com a Organização mundial da saúde (OMS), o abortamento é a interrupção da gravidez antes da 20ª semana ou com peso fetal inferior a 500g. O livro de embriologia clinica de Keith L. Moore adotado pela minha e por outras faculdades informa que em razão do termo aborto se referir à interrupção prematura da gravidez, ele poderia ser aplicado a esta gestação interrompida num estagio tão inicial, como é o caso da ação da pílula do dia seguinte.
Ora, se a pílula impede um passo que essencial para o desenvolvimento do embrião, a pílula ser abortiva não é uma questão de opinião, como vem sendo tratado esse tema. Logicamente se a mulher não tiver ovulado, não haverá nem fecundação nem aborto. É importante, no entanto que esteja alerta das fortes cargas hormonais a que está sendo exposta, que tendem a causar efeitos colaterais como náuseas, vômito, cólicas, desregulação do ciclo menstrual, etc. Mas será que o risco de estar causando um aborto não seria suficiente para desencorajar o uso da pílula? Imagino que a falta de informação clara sobre a ação da pílula pode estar levando muita gente, gente que talvez nunca fizesse um aborto, a fazer seu uso sem ter noção do que de fato acontece. Houve outra atividade na Universidade, em que o professor pediu que fizéssemos propostas de intervenção para uma comunidade onde havia alto índice de gravidez na adolescência, e imediatamente alguém na turma propôs a distribuição da pílula do dia seguinte...
Tal resposta retrata como os médicos já estão sendo formados com a consciência de que a pílula do dia seguinte é uma solução boa. Em pleno século XXI, onde difundir informações é tão fácil, imagino que a informação clara sobre a pílula do dia seguinte ou não é transmitida por ser uma opção simples de ser adotada por médicos e governo; ou não é buscada por usuárias por ser uma opção extremamente confortável... Eu pessoalmente sinto uma angustia muito forte de saber que adolescentes e adultas fazem uso dessa droga, ignorantes de sua capacidade abortiva. Ou pior: que acabam convencidas por um profissional da área de saúde, assim como eu, que é possível impedir queaconteça uma fecundação que já aconteceu.
Maria Beatriz G. Gonzalez
Estudante de Medicina / Colaboradora da Oficina de Valores
Fontes:
FREITAS, F; MENKE, C.H; RIVOIRE, W.A; ET AL. Rotinas em Obstetricia. 6. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2011.
MOORE, K.L; PERSAUD, T.V.N. Embriologia clinica. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
FREITAS, F; MENKE, C.H; RIVOIRE, W.A; ET AL. Rotinas em Ginecologia. 6. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2011
%EDmica-,-Levonorgestrel-bula,-.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário