Toda soma de falhas humanas, desde a queda originária até o dia do juízo final, deve ser extirpada pela proporção correspondente de atos de expiação.
A via crucis é essa expiação. As três quedas sob o peso da cruz correspondem à tripla queda da humanidade: o primeiro pecado original, a rejeição do redentor por seu povo eleito, a decadência daqueles que trazem o nome de cristãos. O Salvador não está sozinho na via crucis e ao seu redor não há apenas inimigos, que o oprimem, mas também pessoas que lhe dão apoio: como protótipo originário dos seguidores da cruz, em todos os tempos, a Mãe de Deus; como tipologia daqueles que aceitam em si o sofrimento que lhes é imposto e experimentam sua bênção na medida em que o carregam, temos Simão Cirineu; como representante dos que amam, que são impingidos a servir o Senhor, temos Verônica. Cada um que, no correr dos tempos, carrega com paciência um destino pesado, pensando no Salvador sofredor, ou que assume sobre si voluntariamente ações de expiação, extinguiu com isso algo do violento peso da culpa que pesa sobre a humanidade e ajudou o Senhor a carregar seu peso; mais que isso: Cristo, o cabeça, faz expiações nos membros de seu corpo místico que se colocam à disposição dele de corpo e alma para sua obra de redenção. Podemos admitir que a visão dos fiéis que o seguiram em seu caminho de sofrimento confortou o Salvador na noite em que passou no Monte das Oliveiras, e a força desses que carregam a cruz veio em seu auxílio em todas as quedas.
Os justos da Velha Aliança são os que o acompanham no trecho de caminho entre a primeira e a segunda queda. Os discípulos e as discípulas que se juntaram a Ele durante sua vida terrena são os que auxiliaram no segundo trecho do caminho. Os que amam a cruz que Ele convocou e convoca novamente na história turbulenta da Igreja militante são os companheiros da aliança no fim dos tempos.
Também nós somos convocados para isso. Não se trata, portanto, de uma recordação piedosa das dores do Senhor, quando alguém deseja sofrer, mas voluntariamente a expiação é aquilo que liga verdadeira e realmente, de maneira profunda, com o Senhor. Surge por um lado da ligação já existente com Cristo, isso porque o homem natural foge do sofrimento.
Desejar sofrimentos é algo que só pode alguém a quem se lhe abriu o olhar do espírito para os nexos sobrenaturais do acontecer do mundo; mas isso só é possível acontecer em pessoas onde vive o Espírito de Cristo, que, como membros, recebem do cabeça sua vida - sua força, seu Espírito e sua orientação.
Por outro lado, as ações de expiação ligam ao Cristo de maneira mais íntima, assim como toda e qualquer comunidade vai tornando-se sempre mais íntima com o trabalho conjunto em uma obra, e como os membros de um corpo em sua confluência orgânica vão se tornando cada vez mais fortemente uma unidade. E uma vez que o ser um com o Cristo representa nossa bem-aventurança e o avanço do tornar-se um com Ele, vai constituindo nossa ventura sobre a terra, por isso a via crucis de modo algum está em contraposição com a feliz filiação divina. Ajudar a carregar a cruz de Cristo traz uma pura e intensa alegria, e aqueles que têm o direito e o podem fazer, os edificadores no Reino de Deus, são os mais autênticos filhos de Deus. E assim, a predileção pela via crucis de modo algum significa esquecer que a Sexta-feira da Paixão já se passou e que a obra da redenção está completa. Só os redimidos, só os filhos da graça que podem carregar a cruz de Cristo. É só a partir da unificação com a cabeça divina que o sofrimento humano recebe força expiatória. Sofrer e ser feliz no sofrimento, estar de pé sobre a terra, caminhar por entre os caminhos sujos e tortuosos desse mundo, no entanto reinar junto com Cristo à direita do Pai, rir e chorar junto com os filhos desse mundo e cantar louvores a Deus sem parar, junto com os coros dos anjos, isso é a vida do cristão até que irrompa a manhã da eternidade.
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