Certo dia, quando cheguei à
escola, esse casal se aproximou de mim e contou o drama que estavam vivendo com
um de seus filhos. A situação era mais ou menos a seguinte: os pais haviam sido
chamados ao colégio do filho porque o garoto de 16 anos estava faltando muito. Eles
foram surpreendidos com a informação e, quando foram investigar, descobriram
que o rapaz faltava para ficar mais tempo com a nova namorada. Após certo
tempo, o garoto saiu de casa e foi viver na casa da moça, que era alguns anos
mais velha que ele. Como se isso não
fosse problema suficiente, a mãe da namorada criticava qualquer tentativa dos
pais de fazer o filho voltar para casa e para a escola.
Os pais não deixaram de tentar e,
em certo momento acionaram o conselho tutelar. Quando isso ocorreu, eles
conseguiram pegar uma carta na qual o casal de namorados deixava claro que
haviam feito um pacto de suicídio. Caso eles fossem separados, tirariam as
próprias vidas.
Confesso que após ouvir a
história fiquei bastante preocupado e, algum tempo depois, procurei meus alunos
para perguntar como a situação havia se resolvido. O diálogo foi mais ou menos
o seguinte:
- Como está a situação do filho
de vocês?
- Graças a Deus, conseguimos
trazer ele para casa.
- E a namorada?
- Acredita que ele já arranjou outra?
Não consegui deixar de rir da situação junto
com eles , mas quando voltava caminhando para casa fiquei pensando
em como o caso daquele casal de namorados representava, como uma espécie de
“Romeu e Julieta Pós-moderno”, a situação do amor hoje. Os laços duram pouco,
têm dificuldade em sobreviver ao tempo, mas são vividos como uma intensidade
que beira a patologia.
Há diversos estudos interessantes
sobre o amor contemporâneo. Penso rapidamente em Giddens, Bauman, Lipovetski e
Luhman. Todos eles, embora por caminhos diferentes, parecem concordar que
vivemos em uma era de laços frágeis, uma época que se opõe aos projetos amorosos
que duram “até que a morte os separe”.
As relações são curtas, cada vez mais curtas. Há algum tempo li uma
pesquisa que dizia que os relacionamentos afetivos entre adolescentes tem uma
duração média de três meses. Para quem pensar que isto é algo típico dessa
fase, cabe dizer que as estatísticas acerca da duração dos casamentos também
não são muito animadoras.
Quando ampliamos a esfera dos
relacionamentos para além dos namoros e casamentos, há também sinais de
preocupação. Não é pequeno o número de pessoas cujas principais relações são
virtuais e que, nos momentos em que ficam sem computador sentem o drama da
falta de laços reais. Além disso, vários dos espaços de interação para as
crianças somem cada vez mais depressa. Chegou o tempo em que a rua está
deixando de ser o espaço de brincadeiras e que cada vez mais desaparecem os
campinhos. As famílias estão cada vez menores e o tempo de convivência diminui.
Os laços entre pais e filhos também estão um pouco precários. Há pouco tempo
ouvi sobre um casal que durante a semana praticamente não via os filhos em virtude
da correria do trabalho e que, no fim de semana, contratava uma babá para ficar
com o garoto. Eles precisavam dormir até mais tarde e tinham outras ocupações.
Diante do quadro contemporâneo, a
conclusão de muitos pensadores é que o amor se tornou impossível. Pelo menos o
amor permanente e altruísta. O egoísmo venceu. Isso, é claro, não significa que
mataremos uns aos outros e nem que desejamos mal para ninguém. Significa apenas
que cada um busca tocar a vida tendo o próprio bem estar como meta principal e que o outro, de alguma maneira, acaba sendo
sempre percebido como um meio, não um fim em si. Isso faz com que as relações sejam efêmeras, embora
não desprovidas de intensidade. O caso dos namorados relatado acima fala bem
disso: eram capazes de morrer em nome do amor, só não eram capazes de fazer com
ele permanecesse. Tinha data de validade.
Não sou um profeta do apocalipse,
mas ao mesmo tempo não consigo deixar de olhar os sinais dos tempos. Amar está
mais difícil porque não somos educados para o amor, mas para uma espécie de
egoísmo narcisista. Este estilo de vida
é vendido como o segredo da felicidade e uma grande libertação, mas é
exatamente esta forma de viver que cada vez mais gera um mundo onde todos têm
muitos contatos, mas cada vez menos relacionamentos. A sensação de solidão é
absurda. Uma solidão que parece não ter remédio, a não ser algumas breves
distrações.
Continuo achando o amor possível.
Acho isso não porque os teóricos me disseram, mas porque ainda consigo vê-lo em
muitos ao meu redor. Em uma esposa dedicada que cuida do esposo, em pais que se
sacrificam pelos filhos, em amigos que provam cotidianamente que amizade é mais
que farra. O amor é possível, mas é contracultural.
Pode parecer paradoxal afirmar a
crise do amor quando as comédias românticas fazem tanto sucesso e as canções de
amor tocam sem parar. O ponto é que nunca pararemos de falar sobre o amor,
afinal necessitamos dele. Como um sedento em um deserto necessita de água,
necessitamos que alguém nos perceba e nos diga “Tu” de uma maneira que nos
permita perceber que significamos muito. O amor nunca deixará de ser pedido,
mas pode deixar de ser ofertado. A crise do amor é de oferta, não de demanda.
Não consigo pensar em ninguém que fale contra a fidelidade que alguém lhe
oferece, mas conheço muitos que afirmam não ser necessário ofertar a
fidelidade. É claro que a conta não fecha.
O amor é necessário. Não se reduz
aos discursos. É vivo quando praticado.
O amor é uma força salvadora.
Resgata da morte e promove a vida. Vence a solidão e fomenta companhia.
O amor gera sorrisos e faz rolar
lágrimas. Promove abraços e a “puxões de orelha”. Traz as maiores felicidades e grandes dores.
Dizem por aí que ele é impossível
e eu, como já disse, discordo. Mas mesmo que essa fosse toda a verdade,
desafiar o impossível nunca foi um problema para quem ama. Que assim seja
comigo. Que assim seja com você.
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