Certa vez, lá na roça, um homem viu uma
grande procissão dirigindo-se ao cemitério. Ele ficou pensando quem tinha
morrido, mas não se lembrava de ninguém.
Quando a multidão passava por sua casa, ele logo perguntou:
- Quem é o falecido?
- É o Zé das Couves.
O homem ficou chocado com a morte do tal Zé
que todos os dias passava por ele quando caminhava em direção à praça. Após um
breve instante, fez a pergunta mais
óbvia:
- Do que ele morreu?
- De fome.
– respondeu entre lágrimas outra senhora.
Enquanto ouvia tal resposta, o homem olhou
para o caixão e percebeu que o Zé das Couves se mexia. Não se conteve e
exclamou:
- Por minha Nossa Senhora! Ele tá vivo! Tá
vivo! Vocês iam enterrar o homem vivo!
Nesse momento, o
próprio Zé das Couves interviu na conversa dizendo:
- Calma, homem! Acontece que eu não tenho
comida em casa. Como vou morrer de fome de qualquer jeito, preferi que me enterrassem de uma vez.
O homem ficou comovido e logo começou a
falar:
- Não diga uma besteira dessas! Amigo meu
não morre de fome enquanto eu tiver comida em casa. Tenho aqui um saco de
batatas e dez quilos de arroz. Pode levar.
- A batata tá descascada e cortada? –
perguntou o Zé das Couves.
- Não.
– respondeu o homem mesmo achando a pergunta muito estranha.
- E o arroz, tá lavado e cozido?
- Também não.
Nisso o Zé das Couves, olhou para um dos
que seguravam o caixão e disse aquela que seria sua última frase:
- Toca o enterro pra frente!
Comentar uma história dessas, normalmente
acaba não dando bons resultados, afinal ela diz o que tem para dizer de maneira
bem mais forte que qualquer comentário. Quero, no entanto, trazer algumas
palavras que traduzem minhas reflexões sobre esse conto moral que tem, para
mim, um gosto de infância.
Quando converso com alguns amigos, sinto
que muitos deles sentem uma espécie de melancolia quando pensam acerca da forma
que vivem a vida. Muitos falam de potencial desperdiçado. Não posso negar que
eu também experimento tal sentimento. Esse tipo de discurso, normalmente, vem da comparação dos sonhos com a realidade
e da percepção que o eu ideal é bastante diferente do eu real.
Aqui cabe uma pequena digressão antes de
entrar no assunto propriamente dito. Todos temos limites e o sucesso nas
empreitadas não deve ser o critério absoluto de nossas vidas. É comum ver
pessoas lamentando pela falta de realizações e esquecendo-se de celebrar as
vitórias que alcançaram. Também é comum alguns tornarem-se vítimas de uma
comparação compulsiva com os outros. Cada um é cada um. Cada luta é cada luta.
Dito isso, vamos ao centro do que hoje me
proponho a dizer: a preguiça de alguma maneira antecipa a morte porque suga a
vida. O preguiçoso é um parasita de si mesmo. Vampiriza-se na medida em que
canaliza as energias para um estilo de vida que pode até ser confortável, mas é
pouco realizador. Para ter a prova dessa vampirização e parasitismo, basta
perceber que o preguiçoso normalmente vive cansado e indisposto.
Há tipos diferentes de preguiçosos, sendo
dois os principais: os explícitos e os disfarçados. Os primeiros são aqueles
que não fazem nada e sabem disso. Até podem achar fazer nada uma coisa ruim,
mas se negam a fazer qualquer coisa porque isso cansa, dá trabalho ou é
chato. Já os do segundo tipo são os que,
por outro lado, passam o dia extremamente atarefados, mas terminam a jornada
sem ter feito coisa alguma. Correm de um lado para o outro, sentem-se bastante
cansados, mas seu esforço é vão. Na realidade, trocam de atividade sempre que
algo começa a custar um pouco mais. No preguiçoso explícito temos a negação do
começar, no disfarçado a recusa do terminar.
A preguiça, seja de que tipo for, leva ao
stress. Penso mesmo se grande parte da estafa contemporânea não se deve mais ao
adiamento do trabalho do que ao excesso do mesmo. Essa ideia me ocorreu do pior
modo possível: experiência prática. Percebi que tendo a adiar atividades que
não gosto. Estas se acumulam até que, em determinado momento, tornam-se
inadiáveis... Logo sou obrigado a fazê-las todas de uma vez, sem planejamento e
sem tempo para respirar. A montanha só cai sobre mim porque eu a permiti
crescer.
O preguiçoso nunca está descansado de
verdade. Seu repouso o cansa. Acima disse que a preguiça antecipa a morte. É
comum encontrarmos, em túmulos, a seguinte inscrição: Descanse em paz. No caso
da morte em vida causada pela preguiça, talvez fosse melhor escrever na porta
de alguns quartos ou em cima de algumas camas: descanso sem paz. A paz, como já
disse um sábio, é tranquilidade na ordem. Normalmente uma vida movida (ou seria
brecada?) pela preguiça é bem desordenada.
Combater a
preguiça não é viver uma vida de trabalho frenético, mas lembrar-se
constantemente que cada coisa tem seu tempo e lugar. O lazer e o sono são muito
importantes. Só não podem ser a
totalidade da vida. Alguém já disse que o ócio é
criativo; e estava falando uma profunda
verdade. É importante, porém, acrescentar que a palavra ócio é próxima de ópio.
Isso talvez sirva para nos lembrar de que, dependendo da quantidade, ele pode
ser uma droga. Uma droga que pode fazer com que um homem prefira estar deitado,
mesmo que em um caixão, que de pé. Uma droga que faz com que muitos, ainda que
com outras palavras, estejam sempre a dizer: Toca o enterro para frente!
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