TRÊS AMPLOS CAMINHOS QUE CONDUZEM AO INFERNO: A DESONESTIDADE, O SACRILÉGIO E A BLASFÊMIA


Todos os pecados mortais são caminhos que vão dar no abismo eterno; há, porém, alguns que fazem mais estragos e causa a morte a um maior número de almas. O pecado de desonestidade é talvez o que mais povoa o inferno, porque é um pecado muito grave, fácil de cometer, pela corrupção de nossa natureza, e depois difícil de abandonar.

Santo Agostinho diz que a soberba povoou o inferno de anjos e a desonestidade o enche de homens. E Santo Afonso não receia afirmar que todos os cristãos que se condenam, se condenam pela impureza, ou, pelo menos, não sem ela.

Ai do jovem que chega os seus lábio a êste cálice que êle os pedira a Deus para fazer com merecimento o purgatório nesta vida. No auge da dor, todo encolhido pela contração dos nervos, dizia; – “Dói muito, mas não é fogo, não é fogo”. Crescia a tortura e aumentava a dor, “mas não era fogo”; à contração dos nervos juntava-se a gota, “mas ainda não era fogo”. Por estar de cama dez anos seguidos, dolorosas chagas cobriam-lhe o corpo aumentando o seu sofrimento, contudo êle repetia sempre: – “não é fogo, não é fogo, e acabará”. E assim se animava a suportar tudo com paciência por amor de Deus.

Um santo solitário, assaltado por violenta tentação, temendo ser vencido, acendeu o lume e para se compenetrar vivamente do pensamento do inferno, pôs os dedos na chama e os deixou queimar, dizendo de si para consigo: – Uma vez que tu queres pecar e merecer o inferno que será o castigo de teu pecado, experimenta antes se és capaz de suportar o tormento de um fogo eterno.

Um rico dissoluto, ainda que pelos seus inúmeros pecados vivesse em contínuo temor do inferno, todavia não tinha coragem de romper com os seus maus hábitos e de penitenciar-se. Recorreu, pois, a Santa Ludovina que então edificava o mundo com a sua paciência e lhe pediu que fizesse penitência por êle. – De boa mente, respondeu a santa, oferecerei por vós os meus sofrimentos, com a condição, porém, que uma noite inteira vós conserveis na cama a mesa posição, sem vos moverdes de nenhum modo.

Aceitou fàcilmente a condição, mas passada apenas meia hora, sentiu enfado e já queria mover-se. Todavia não o fez; aumentando, porém, o mal-estar daquela posição que lhe ia parecendo insuportável, cedeu. Então uma impressão salutar se despertou no seu coração: – Se é tão molesto ficar imóvel num leito cômodo por uma noite, oh! o que não será ficar deitado num leito de fogo pelo espaço de uma eternidade? E terei ainda dúvida de me livrar dêsse suplício com um pouco de penitência?

No ano 285, duas matronas cristãs, Donvina e Teonila, foram levadas ao prefeito Lisias que as intimou a renegarem a fé e abraçarem o culto dos ídolos. Elas recusaram terminantemente. Então o prefeito mandou acender o fogo e erguer um altar dos ídolos.

– Escolhei, disse; ou queimar incenso aos nossos deuses, ou ser vós mesmas queimadas nesta fogueira.

As duas mártires responderam sem hesitar:

– Nós não tememos êste fogo que daqui a pouco se apaga; tememos, sim, o fogo do inferno que não se apaga nunca. Para não cair no inferno é que detestamos os vossos ídolos e adoramos a Jesus Cristo.

E assim sofreram o martírio.

Tomaz Moor, o grande chanceler da Inglaterra, foi perseguido e ameaçado de morte por ter recusado um juramento iníquo exigido pelo ímpio rei Henrique VIII. Empregaram todos os meios para o seduzir, e, não valendo as promessas, recorreu-se à violência. Foi atirado à prisão para que definhasse. Os amigos o importunavam para ceder; a espôsa o conjurava a dobrar-se à vontade do rei, e conservar assim a vida para o bem dêles e dos filhos.

– Quantos anos, lhe disse êle, te parece que poderia ainda viver?

– Mais de vinte, respondeu ela.

Tornou o preso, mostrando-lhe severo semblante:

– Pois, por vinte anos e tanto queres que venda uma eternidade?

Ele foi, por isso condenado à morte. Este homem generoso, assim como tinha sabido viver entre as grandezas da côrte sem fausto, soube também morrer no patíbulo sem fraqueza. Antes de ser executado rezou o Miserére, e morrendo como forte ensinou a todos que é preciso salvar a alma, a todo custo, porque perdida a alma, tudo está perdido.

Apresentou-se uma ocasião ao Papa Bento XI o embaixador de um grande soberano, pedindo em nome do rei um favor, mas de tal natureza que não se podia conceder lìcitamente.

– Deus sabe, respondeu o Pontífice, como desejo ardentemente contentar o vosso imperador. E tão vivo é êsse desejo, que se tivesse duas almas, sacrificaria de boamente uma para lhe conceder o favor que pede. Mas, dizei ao vosso soberano que tanto só uma alma, e absolutamente não posso, não devo, não quero perdê-la para agradar a êle.

Belas palavras, que todo cristão deveria ter sempre presentes à memória e pronta na bôca para semelhantes circunstâncias!

É célebre a invenção usada por um rei piíssimo para fazer pensar mais retamente a um cavalheiro de má vida. Convidou-o para uma soberba caçada. Imediatamente depois da caça um jôgo de muitas horas. Acabando o jôgo, convite para assistir a uma representação. O cortesão estava cansado; mas era convite do rei e precisava aceitar. Depois do teatro que durou quatro horas, uma embaixada anunciava uma sessão de músicos estrangeiros, e pedia ao cavalheiro quisesse honrá-la com a sua presença. O pobre homem murmurou: – Parece que o rei quer matar-me com tanta diversão; se vier mais um convite morro de verdade.

E o quinto convite veio mesmo; no salão da côrte havia um baile e aí também o rei o esperava.

– Pobre de mim! ainda um baile? não posso mais ficar em pé!

E excusou-se com o rei:

– A bondade de Vossa Majestade me confunde. Mas, por amor de Deus, um pouco de descanso; dezoito horas ininterruptas de diversão…

– E vos parece muito? replicou ou rei. Não podeis então, aguentar dezoito horas de divertimento e aguentareis a longa eternidade de contínuos sofrimentos não variados, para os quais vos leva vossa vida?

O Padre Cattaneo narra um fato para nos fazer compreender o mêdo que devemos ter de nossa sorte futura. E todavia de nós depende a escolha!

Maomé II, senhor dos turcos, aquêle que anexou mais de duzentas cidades ao grande império de Constantinopla e invadiria a Itália se a morte lhe não frustrasse a realização dos planos, foi homem crudelíssimo e sanguinário; de uma feita, achando falta de um fruto no seu jardim, mandou reunir os criados para saber qual tinha sido o delinquente, e porque nenhum dêles ousou confessar aquêle pequeno furto, mandou abrir o ventre de todos para saber onde estava o corpo de delito; e foi providência de Deus ter-se encontrado o fruto depois de mortos três servos; senão, todos o outros seriam sacrificados.

Ora, êste bárbaro rei fez um parque de caça reservado para si, num lugar onde havia abundância de animais e aves; decretou pena de morte a quem ousasse caçar nesse parque.

– Para suceder no reino basta um; portanto, um se sacrifique para escarnamento de todos e o outro se conserve para segurança da corôa. Mas qual dos dois merece graça? O mais velho? Não! O menor? Não! Tirem a sorte.

Tirou-se a sorte fatal com um majestoso e tremendo aparato. Na grande sala da côrte, achava-se o rei, sentado no trono, rodeado pelos vizires, agás e pachás; diante do trono duas mesinhas, uma fúnebre com o baraço, a outra coberta com uma rica toalha, onde se viam o turbante, o colar e a espada. Um taboeiro com os dados; aí foram conduzidos os príncipes para tirarem a sorte: quem obtivesse o menor ponto cingiria a espada e colar; quem obtivesse maior, daria o pescoço ao baraço.

Diante daquele aparato os dois jovens desmaiaram; depois, com o fritilo na mão, dirigiam tristes olhares para a corda e para a coroa; o coração de ambos batia tão forte que levantava as vestes sôbre o peito, com afanosos e profundos suspiros, com ânsias de moribundos, por causa da escolha fatídica – a corda ou a coroa – que dependia de um ponto de jôgo e do lançar de um dado.

Quem sente compaixão pela situação crítica em que se acharam êsses pobres príncipes, dirija a compaixão sôbre si mesmo, e diga: – “Na hora da morte, na mesma ou em pior situação me acharei eu. Duas infinitas eternidades terei diante de mim; numa verei cetros, coroas, riquezas, alegrias, prosperidades, tudo para sempre; noutra verei grilhões, infâmias, morte, e não passageiros, mas que duram sempre. E o que caberá em sorte?

De nós depende inteiramente a escolha: se vivermos bem teremos eternidade feliz, se ao contrário, levamos vida má, caber-nos-á o fogo eterno, e desespêro eterno e tôdas as outras penas de que já falamos.

Trecho do livro: O Inferno existe, Provas e Exemplos - Pe. André Beltrami, SDB (1945), Cap. X - Págs 22-25.


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