A vida anuncia que renuncia a morte



Em um outro texto meu, eu dizia que o artista em geral, é alguém que “consegue traduzir em arte o que percebe do mundo ao seu redor”, e continuo dizendo “que isso acontece por utilizarem uma linguagem que nos toca e que, independente de nossa origem linguística, consegue se comunicar conosco como se estivesse falando a nossa língua”. (clique aqui para ver o texto)

Eu gosto muito de uma banda chamada O Teatro Mágico. Gosto por diversos motivos: pelas letras, pelos arranjos e melodias; pela proposta que eles têm com o trabalho que fazem, entre outros motivos. Pra quem não conhece o grupo, digo que essa não é uma banda religiosa, muito pelo contrário. Algumas letras até fazem menção a assuntos polêmicos e têm posturas das quais discordo, como a frase da música Esse Mundo Não Vale o Mundo, em que o autor diz: “ter direito ao corpo e ao proceder sem inquisição”. Apesar dessa discordância em pontos importantes, há várias de suas letras que muito me fazem pensar.

Um dos principais motivos pelo qual curto demais a banda, é porque acho que suas canções são repletas de um significado oriundo dessa percepção do mundo mais apurada que, penso, é marca do verdadeiro artista.

Hoje, quero trazer uma interessante reflexão que se deu comigo escutando o novo álbum da trupe (como eles mesmo se identificam) lá de Osasco – SP. Ter reflexões a partir de expressões artísticas, principalmente a música, é algo que acontece com certa frequência comigo, e sugiro mais uma vez que você, caso não faça isso, comece a deixar a arte te tocar com o que ela tem de melhor e mais profundo.

Nos dias de hoje, estamos nos acostumando cada vez mais a viver na superficialidade das coisas em geral. Estamos nos eximindo de penetrar na profundidade de qualquer coisa, principalmente na profundidade de um relacionamento interpessoal. Como sabemos, ninguém dá aquilo que não tem. Não olho com profundidade para coisas externas a mim, muitas vezes por que não olho no profundo de mim mesmo. É justamente nesses momentos que a arte nos ajuda.

Fernando Aniteli, cantor, compositor e líder da Banda O Teatro Mágico, começa uma de suas canções dizendo: “Meu Deus! Sei que não sei rezar... Como viver então? Não é só pra pedir por mim e por outros, mas pra confortar, acalentar e agradecer dentro de nós...” Para os que têm uma formação religiosa em suas vidas, ainda que hoje em dia não sigam nenhuma religião específica, essa música traz uma confirmação: a oração, a reza, tem essa capacidade de nos acalmar, confortar. Para os que não têm uma formação religiosa, ou não acreditam em um ser superior, talvez também seja possível encontrar esse acalento quando se busca verbalizar essas coisas de que música fala, ainda que, para você, ninguém esteja ouvindo.

Dentro de nós, existem muitas coisas. À medida que vamos vivendo os dias, a gente sofre, se decepciona, grita, chora, luta, lembramos e esquecemos, julgamos e somos julgados, sangramos, sonhamos, reclamamos da vida e dos seus desatinos... E talvez, para alguns só talvez, a oração seja esse apresentar de tudo isso diante de alguém ou algo que acreditamos ser maior do que nós.

Muitos hoje em dia colocam na religião um rótulo de muleta. Dizem que é uma maneira de encontrar conforto e alívio para todas essas desventuras que nos acontecem cotidianamente. Para aqueles que só buscam a religião em momentos de adversidade, talvez essa afirmativa possa ser verdadeira.

Muitos não conhecem o significado de rezar, de fazer uma oração verdadeira, que, como vemos, não é só pra pedir por si e por outros, mas também para agradecer, encontrar conforto, acalento e tranquilidade dentro de nós.

Podemos dizer como na canção “que talvez, o dizer já seja uma reza, uma oração, dentro de nós...” e eu confirmo que esse simples dizer pode ser sim uma reza, e das boas!

Só é possível fazer essa reza, essa oração, quem tem a coragem de olhar para dentro de si. Quem tem a coragem de penetrar e colher lá do interior, tudo o que é preciso colocar pra fora, que não é bom que fique lá, guardado a sete chaves. Seja bom ou ruim, precisamos deixar sair, e a oração é um bom meio para fazê-lo. Somos chamados a uma plenitude de vida que só é possível quando estamos em paz conosco. A amargura de muitos pode ser somente a falta de uma verdadeira oração.

Há um Outro que, em meio a toda dor e sofrimento que sentia em seu próprio corpo, nos seus momentos derradeiros, orou, rezou, e essas orações derradeiras só tiveram lugar nessa hora porque em toda a sua vida, em momentos de alegria e de tristeza, ele teve o mesmo comportamento. Ele se retirava para orar. O final dessa história nós conhecemos, é como diz Aniteli ao fim de sua bela canção: “A vida anuncia que renuncia a morte dentro de nós!”

Talvez essa seja a grande lição desta canção... Com a oração, com esse verbalizar, esse exteriorizar aquilo que vai dentro, a vida anuncia que renuncia a morte dentro, e não apenas fora de nós.

Duvida que isso seja possível? Faça a experiência de uma oração, uma reza sincera e veja o que acontece. Para os que não creem, fica também esse convite. Faça e pense se não parece que alguém escutou, ainda que você acredite que isso não seja possível.

Cleber Nunes Kraus
Mestrando em Ecologia / Oficina de Valores


Perdoando o Adeus

O Teatro Mágico


Meu deus!
Sei que não sei rezar...

Como viver então?

Não é só pra pedir por mim

E por outros

Mas pra confortar

Acalentar e agradecer

Dentro de nós...


Dentro de nós

Gritam, lutam,

Choram, sangram, esquecem!

Juram, julgam,

Sonham, ganham, perdem!


Rogai por mim

Vou tentar rezar agora

Despudoradamente em público

Reclamar da vida o desatino...

E talvez dizer já seja uma reza...

Já seja uma oração: dentro de nós!


A vida anuncia que renuncia a morte dentro de nós!


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A vida anuncia que renuncia a morte

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