Esta maternidade espiritual foi explicitada por Cristo na Cruz, quando, referindo-se a João, disse a Maria: “Mulher, eis teu filho”, e referindo-se a Maria, disse a João: “eis tua mãe”[1]. A Igreja sempre afirmou que aquelas palavras de Cristo transcendem a própria pessoa de João, e que nele nós, todos os discípulos, estamos representados. Por isso, aquela realidade profunda e a vontade expressada por Cristo em um momento tão solene devem ser acolhidas por nós como um testamento espiritual, para atuarmos como o apóstolo João, em obediência amorosa a seu Mestre: “e a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa”[2].
Nossa aspiração e vocação: configurarmo-nos com Cristo, o Filho de Maria.
A meta em nossa vida cristã é nos configurarmos com o Senhor Jesus, Filho de Deus e de Santa Maria. Em Cristo, Deus se fez homem, por obra do Espírito Santo, para nos elevar a nossa verdadeira grandeza e dignidade humana, mais ainda, para nos fazer partícipes de sua própria natureza divina[3]. Ele é o modelo de plena humanidade. Ser santo, ser santa, é chegar a ser verdadeira e plenamente homem, verdadeira e plenamente mulher, à medida que nos assemelhamos cada vez mais a Jesus, à medida que crescemos até alcançar sua própria estatura, à medida que Ele vive em nós[4].
Configurarmo-nos com Cristo implica viver como Ele viveu: “Aquele que diz que permanece Nele deve também andar como Ele andou”[5]. Não se pode crer em Jesus Cristo sem ser seu discípulo. Aquele que crê em Jesus compreende que Ele é “o Caminho, a Verdade e a Vida”[6]. Portanto sente-se impulsionado a percorrer esse Caminho para deixar-se transformar pela Verdade que Ele revela, a fim de alcançar e participar da Vida que é Ele mesmo por ação do Espírito Santo. O verdadeiro crente em Cristo luta e se esforça dia a dia para abrir seu coração à ação da graça divina, para adquirir os mesmos pensamentos e os mesmos sentimentos de Cristo, para atuar na vida cotidiana como Ele o faria. È um processo no qual a graça de Deus com nossa ativa colaboração vai tornando-nos semelhantes a Cristo.
Então, esta configuração com Jesus é “mais que uma imitação, trata-se de uma transformação, de uma conversão total, já que Jesus não é somente um modelo para imitar, mas o princípio de vida interior”[7]. Este processo, obra do Espírito Santo em nós, não é possível se não nos aproximamos do Senhor Jesus, se não O conhecemos, se não cremos Nele, se não O amamos e permanecemos em Seu amor.
Configurarmo-nos com Cristo pela Piedade filial
À medida que cresce nossa fé e amor a Cristo, “mais vamos descobrindo Maria, o que Ela é para Ele e, com isso, o que deve ser para nós e para todo o Povo de Deus”[8]. Santa Maria é Mãe amada de Jesus e também Mãe nossa, na ordem espiritual. Esta realidade da maternidade espiritual de Maria, assim como o amor que lhe temos por ser Mãe de Jesus e nossa, plasmou-se para os membros do MVC em um caminho espiritual e em um dinamismo apostólico.
Um caminho espiritual
A piedade mariana ou amor a Santa Maria converte-se para nós, seu filhos, em um caminho espiritual: a piedade filial. Ao dizer caminho espiritual queremos dizer que é um caminho pelo qual o Espírito divino vai obrando em nós uma transformação interior, profunda, real, no sentido de adquirir a semelhança plena com Cristo, pelo amor. Como assinalamos, embora em decidida cooperação com a graça ─ temos que colocar tudo quanto está ao nosso alcance ─, apenas nossas forças ou empenhos são absolutamente insuficientes para conseguir adquirir a semelhança com o Senhor Jesus. É sobretudo a ação do Espírito que realiza essa transformação interior que atua naqueles que a partir de sua pequenez cooperam com sua força e graça. É o Espírito divino o que nos conforma com Jesus.
Podemos nos perguntar agora: como o amor a Maria se converte em um caminho espiritual? Cremos, pelo testamento que Jesus nos deixou no Altar da Cruz, que neste processo de cooperação com o Espírito divino, a intensa vivência da piedade ou amor filial a Santa Maria é o meio privilegiado para avançar rumo à plena configuração com o Senhor Jesus. Amar Maria como o Senhor Jesus a amou é o caminho concreto para amar mais a Cristo e deixar-nos amorizar totalmente, ou seja, para deixar-nos transformar pelo amor divino ao ponto de chegar a amar com os mesmos amores de Jesus.
Por Cristo a Maria, e por Maria mais plenamente ao Senhor Jesus
Para amar Maria como seu Filho a amou evidentemente temos que amar Jesus em primeiro lugar. Quem aprende a amar Jesus deixa-se contagiar ou inflamar pelos mesmos amores que descobre arderem seu Coração: amor ao Pai no Espírito; amor a Santa Maria, sua Mãe; e amor a todos os seres humanos. Se amo Jesus, não é apropriado procurar amar tudo o que Ele amou e na mesma medida com que Ele amou? Não devemos, portanto, amar a Deus sobre tudo, ao próximo como Ele nos amou, e amar também a Maria como Ele a amou? Sim, isso é o que Jesus nos convida do alto da Cruz: a amar sua Mãe como Ele a amou, porque é sua Mãe e porque também é nossa Mãe: “eis tua mãe”.
Ao amar Maria como Jesus a amou, ao entrar em seu coração de Mãe e de discípula exemplar, descobrimos que seu Coração arde em um amor a Jesus incomparável, não somente por ser seu Filho, mas por ser Deus mesmo que em suas entranhas virginais se fez homem. Seu Coração está cheio de amor a Jesus, e é na escola de seu Imaculado Coração onde Ela nos ensina como amar seu Filho, como amá-lo mais, como amá-lo como somente Ela soube amá-lo, com um amor puro e fiel que se faz obediência a sua palavra, a seus ensinamentos, que se faz vida cristã no cotidiano: “fazei o que Ele vos disser”[9].
Deste modo o amor a Maria converte-se em um caminho espiritual, ou seja, em um caminho de crescimento em nossa configuração com Cristo: crescemos em nosso amor a Jesus Cristo, um amor que nos leva a conhecer mais e melhor Jesus, a reconhecê-lO como Senhor e a amá-lO com um amor que nos leva a pensar e atuar como Ele nos ensinou.
Um dinamismo apostólico
O apostolado é corolário da maternidade espiritual de Maria, ou seja, uma consequência direta de seu ser Mãe. O Senhor Jesus, ao proclamar Maria Mãe dos discípulos, confia a ela uma missão particular: dar à luz Jesus nos corações humanos, procurar que a vida nova de Cristo seja acolhida, cresça, se fortaleça em cada um de seus filhos e filhas, educá-los para que se assemelhem cada vez mais ao divino Modelo, seu Filho Jesus Cristo.
Em obediência ao testamento de seu Filho, Santa Maria, ao mesmo tempo em que intercede incansavelmente por nós, busca nos educar, sob sua guia maternal, para viver nas coordenadas de seu amor a Jesus e para responder em tudo ao Plano divino. Caminhando em sua companhia aprendemos a viver em plenitude a vida cristã buscando converter, como Ela, nossa vida em uma liturgia contínua.
Essa é a missão de nossa Mãe, missão na qual nós, seus filhos e filhas, estamos chamados a cooperar com amor filial. Seguir o caminho da piedade filial configurante, ao mesmo tempo em que nos transforma interiormente, nos leva necessariamente ao anúncio do Evangelho nas diversas realidades humanas, a estarmos sempre dispostos a participar e cooperar infatigavelmente na missão evangelizadora da Igreja, para que o Evangelho de Jesus Cristo siga sendo proclamado a todos e transforme quanto esteja “em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio de salvação”[10].
Perguntas para o diálogo
- Em obediência ao Testamento do Senhor na Cruz, faço da piedade filial a Maria meu caminho de conformação com Jesus?
- Procuro amar Maria tanto como seu Filho a amou? Como posso alimentar mais meu amor filial à Virgem Maria?
- Olho Santa Maria para aprender com suas lições maternais? Seu Imaculado Coração é um contínuo referencial para mim? Busco que meu amor ao Senhor arda como arde o seu? Em meio a uma cultura tão sexualizada e hedonista, procuro cuidar do meu coração rodeando-o com as rosas brancas de pureza, para que não se esvaia meu amor a Deus? Aceito com paciência e firmeza a espada da dor, que traz consigo a fidelidade ao Senhor e a seu Evangelho?
Passagens bíblicas para oração
Jesus nos entrega Maria como mãe: Jo 19, 25-27.
A resposta do discípulo: Jo 19, 25.
Maria nos leva mais plenamente ao Senhor Jesus: Jo 2,5. À plena configuração com Cristo: Ef 4,13; ver Gal 2, 20.
Mãe de Jesus e nossa, nos ensina com seu exemplo a obediência a Deus e a seus mandamentos: Lc 11, 27-28; Mt 7, 21; Tg 1,25.
Como Mãe, intercede por nossas necessidades: Jo 2,3.
INTERIORIZANDO
Lemos no livro “Movimento de Vida Cristã. O que é?”: «O MVC impulsiona seus membros a voltar o olhar e o coração a Maria para pedir-lhe que, como nas Bodas de Caná, interceda por nós e nos guie, auxilie e ensine a ser como seu Filho Jesus. Sua maternal presença convida a uma resposta de amor, de amor filial. Por isso, no MVC aspira-se amá-la como a amou seu divino Filho. O amor filial a Santa Maria nasce do Testamento da Caridade ao pé da Cruz. Cada qual acolhe no próprio coração o convite que faz o Senhorem São João: “Eis tua mãe”. E como o discípulo amado, aceita o convite e chamando-a Mãe, a reconhece com vivificante confiança como auxílio, intercessora, guia, consolo e educadora da fé.»
- Como respondo ao convite que o Senhor me faz na Cruz: “eis tua mãe”? Como acolho Maria em minha casa, em meu coração?
- Volto meu olhar e coração cada dia a Maria, para encontrar nela: guia, exemplo, alento, intercessão, auxílio, consolo, especialmente nos momentos difíceis, de tentação, de incerteza, de cansaço ou desolação, de fragilidade em minha fé?
«Não se pode travar uma relação profunda com quem não se conhece, muito menos se poderá amar a quem não se conhece; e se conhece bem a Maria através do Coração de Jesus. Conhecer e amar a Mãe como o Filho a amou, com o mesmo amor do Filho, essa é a meta de quem anseia viver no estado de Jesus, Filho de Maria. »
- Com a consciência da enorme importância que a piedade filial mariana tem em meu caminho espiritual, e com os olhos postos no horizonte da plena conformação com Cristo, me renovo cada dia no desejo de amar a Maria tanto como o Senhor Jesus a amou?
- Procuro crescer em meu amor a Maria conhecendo-a mais mediante a leitura contínua?
«Maria tem uma função dinâmica na vida da Igreja e de cada crente. Ela segue acompanhando-nos no peregrinar terreno e, cumprindo com o mandamento do Senhor na Cruz, atua maternalmente na vida da Igreja intercedendo por seus filhos, ajudando-os a caminhar até o encontro pleno com Jesus. Por isso a chamamos Mãe da vida cristã. »
- O que significa que Maria tem uma função dinâmica na vida da Igreja e em tua vida?
- O que quer dizer que nosso apostolado é um corolário de sua maternidade espiritual?
[1] Jo 19, 26s
[2] Jo 19, 27
[3] Ver 2 Pe 1,4
[4] Ver Gal 2, 20
[5] 1 Jo 2,6
[6] Jo 14,16
[7] Luis Fernando Figari, Em Companhia de Maria, Vida y Espiritualidad, Lima, 1995, p.11
[8] Ali mesmo, p.10.
[9] Jo 2,5.
[10] Evangelii nuntiandi, 19.
http://www.vidacrista.org.br/caminho-para-deus-207-eis-tua-mae