A rainha humildade

 Humanitatis // visit site

Ou o homem se abaixa e permite ser alcançado humildemente por esse amor, ou amando loucamente com seu pequeno coração jamais O alcançará. De Deus é a iniciativa de amar o homem e este faz muito bem em aceitá-lo com humildade. Não faz mal, porém, ter um ramo de flores para oferecer ao visitante de noss'alma que, livre e gratuitamente, nos visita

Luz

Há algumas distinções entre o cristianismo e a filosofia. Não se trata propriamente de contradições, mas de perspectivas diferentes. Por exemplo, a razão humana chega à certeza da existência de um Deus, mas que esse Deus seja Pessoal, isso a filosofia não alcança. Um outro campo em que a filosofia sofre uma mudança importante é o da ética.

Sabe-se que Platão e Aristóteles tratam as virtudes com o cuidado de quem vela por uma pedra preciosa. As virtudes cardeais são a pedra da coroa para ambos os filósofos gregos, no campo da ética. São o coração da busca pela felicidade, em Aristóteles, e o eixo sobre o qual giram as outras virtudes, em Platão. Contudo, para o cristianismo, a humildade é uma das virtudes mais importantes, de tal modo que nada valem as outras virtudes sem a santa humildade. Essa é a reflexão deixada pelo texto de Lucas 18, 10.

Na parábola, o fariseu discorre sobre uma série de virtudes, as quais – considerando que o Senhor não as contrasta na estória – ele realmente as possuía: o fariseu era homem justo, o fariseu realmente era honesto e fiel a seus compromissos esponsais; além disso, jejuava de verdade e, de fato, dava o dízimo de suas rendas. Ainda assim, diz o texto evangélico, não saiu do templo justificado. E a razão de não ter sido justificado foi o orgulho, a intenção expressa de se pôr acima dos outros: "quem se humilha será exaltado", termina a parábola. A paga da soberba e do orgulho é a humilhação.

Entendo que essa parábola deixa-nos questões para meditar: sim, é possível que no Céu encontrem-se desonestos, injustos, luxuriosos, assim como intemperantes e avaros. No Céu, contudo, não se encontrarão orgulhosos. Do mesmo modo, pode ser que encontremos honestos, castos, justos, temperantes e generosos no Inferno, mas lá não se encontrarão humildes. O texto de São Lucas sobre o fariseu e o publicano mostra que, apesar das reais virtudes do fariseu, elas não são capazes de justificá-lo; e apesar da carência de virtudes humanas do pecador público, de lá saiu justificado, suas orações foram ouvidas.

Resta óbvio que, se um luxurioso encontrar-se no Céu, não será por causa da luxúria; igualmente, se um homem tido humanamente como justo estiver no Inferno, lá não se encontrará pela justiça que praticou. A chave hermenêutica é a humildade!

A humildade que faz erguer-se o caído é a mesma que derruba o homem poderoso de si mesmo. O texto de Lucas nos ensina que ter as virtudes humanas em perfeição estoica, ou ser da raça de ouro descrita por Platão, ou encontrar a eudaimonia aristotélica pela phronesis, tudo isso é palha sem essa pequena virtude, a humildade. Sem ela somos homens esforçados, até bons homens, homens que se esforçam para ser melhores. Mas nenhum esforço é capaz de – sozinho – alcançar o Infinito, a Beleza, a Justiça, Deus, enfim. Ou o homem se abaixa e permite ser alcançado humildemente por esse amor, ou amando loucamente com seu pequeno coração jamais O alcançará. De Deus é a iniciativa de amar o homem e este faz muito bem em aceitá-lo com humildade. Não faz mal, porém, ter um ramo de flores para oferecer ao visitante de noss'alma que, livre e gratuitamente, nos visita. Aliás, não é de bom tom receber visitas com um regalo?


Nenhum comentário:

Arquivo