Todos nós já fizemos essa experiência de ter que tomar uma decisão, de ter que fazer uma opção, e sabemos como esses momentos são difíceis, sabemos como são exigentes, pois não podemos ficar com tudo ou continuar na mesma. Optar ou decidir é sempre morrer para alguma coisa e nascer para outra.
O Evangelho de São Marcos que escutámos é um relato de um desses momentos, o relato de um momento de tomada de decisão, de fazer opções, e portanto um momento importante na vida de Jesus, mas sobretudo na vida dos discípulos.
O próprio desenrolar do Evangelho nos mostra a importância deste momento, pois a partir daqui adquire uma outra densidade, uma outra dramaticidade que se expressa no caminhar de Jesus em direcção a Jerusalém. A partir daqui é como se não houvesse volta atrás.
Por esta razão é importante para Jesus e para os discípulos que fique muito clara a sua identidade e as razões do seguimento. E percebemos, pelas respostas que os discípulos dão relativamente àquilo que os homens dizem de Jesus, que não havia grandes certeza, mas bem pelo contrário uma diversidade de opiniões. Uns pensavam que era João Baptista, outros que era Elias ou ainda algum dos outros profetas.
Perante esta dispersão e diversidade de opiniões, Jesus interroga directamente os discípulos, aqueles que tinha chamado e tinham partilhado da sua intimidade, tinham escutado as suas palavras e testemunhado os seus milagres e os sinais da sua natureza divina. Quem era ele para eles?
É Pedro que dá a resposta, que faz a confissão de fé em Jesus, dizendo que era o Messias, inspirado pelo Espirito Santo, mas marcado igualmente pelas circunstâncias humanas e históricas. E por esta razão, de alguma forma, Jesus não aceita o título que Pedro confessa, Jesus contesta a profissão da fé de Pedro, porque de facto a ideia do Messias de Pedro, e certamente dos outros discípulos e da multidão que seguia Jesus, não era a mesma que se inscrevia na missão que Jesus tinha assumido.
Inevitavelmente Pedro e todos os outros esperavam e acalentavam a ideia de um Messias político, de um libertador do povo, e Jesus sabe que não é essa a sua missão, que as bases do Reino de Deus que tinha anunciado estavam muito longe dessas concepções políticas. Face a este equívoco Jesus apresenta aquilo que o espera em Jerusalém, proclama pela primeira vez o anúncio da sua morte.
Face ao vivido na Galileia e ao confronto entre a liberdade que defendia e as práticas legais defendidas pelos escribas e fariseus, Jesus sabia que a sua morte era inevitável, que a sua missão passava também por essa experiência violenta e dolorosa e que os discípulos deviam estar preparados para a viverem e aceitarem. A recusa dos homens aos quais era enviado como Messias não deixava outra alternativa.
A contestação de Pedro ao anúncio de Jesus do que o espera em Jerusalém não é assim nada de estranho, mas pelo contrário algo perfeitamente humano e natural, uma manifestação das verdadeiras aspirações dos discípulos e também de todos nós, alcançar o que desejamos sem sofrimento, sem necessidade de grande esforço.
E é perante esta contestação que Jesus apresenta o programa de seguimento radical pelo qual é necessário optar. Jesus não pode ser mais claro na apresentação, e ainda que possamos admitir que a referência à cruz é uma construção do redactor do Evangelho, não podemos deixar de ter presente que alguns anos antes, após a morte de Herodes o Grande, um tal de Judas Galileu, considerado por muitos como Messias, havia encabeçado uma revolta contra os romanos e havia terminado numa cruz.
Jesus confronta assim os que o querem seguir com o fim que os pode esperar, Jesus previne os discípulos dos riscos que acarreta o seu seguimento, os quais hoje como naquela hora não podemos deixar de ter presentes nem deixar de assumir. Seguir Jesus Cristo implica obrigatoriamente aceitar a cruz, carregar com a cruz.
Na medida em que nós procuramos viver a nossa fé através das obras, em que procuramos contextualizar a fé em acções concretas e quotidianas, como nos desafia a Carta de São Tiago, percebemos e vamos experimentando como o aviso de Jesus é bem verdadeiro e incontestável.
De facto, na luta pela verdade, pela justiça, pela salvaguarda dos direitos e da dignidade dos nossos irmãos, pela qualidade de vida que nos é devida, experimentamos a contestação, a crítica, a oposição e muitas vezes o combate aberto, encontramo-nos muitas vezes com contestatários como Pedro que apenas têm em mente os interesses do poder e do lucro.
Diante de tais situações cumpre tomar consciência da cruz, da sua inevitabilidade enquanto seguidores de Jesus, mas igualmente da fé manifestada por Isaías quando diz que o Senhor vem em nosso auxílio e não nos deixará envergonhados. De facto, necessitamos uma convicção teológica, uma confiança bem alicerçada em Deus e na sua capacidade de acção, para enfrentarmos a cruz da fidelidade à missão de Jesus.
Procuremos pois seguir Jesus como verdadeiros discípulos, aceitando que tal seguimento implica morrer para alguma coisa, possivelmente um pouco do nosso egoísmo, mas também nascer para um mundo novo que é possível com as nossas boas obras e a graça de Deus.
Ilustração: “Crucifixão com Santa Catarina, São Domingos e outros Santos”, desenho de Fra Bartolomeo, Museu de Belas Artes de Marselha.
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Homilia do XXIV Domingo do Tempo Comum
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