Thomas Merton: a vida espiritual deve estar fundada na realidade - O obstáculo da inércia espiritual

Outro obstáculo. E talvez seja ele mais comum. Trata-se da inércia espiritual, da confusão interior, da frieza, da falta de confiança. Pode esse ser o caso dos que, depois de haverem iniciado bem, experimentam o inevitável “tombo” que surge quando a vida de meditação começa a tornar-se séria. Aquilo que no princípio parecia fácil e agradável, de repente mostra-se totalmente impossível. A mente não funciona. Não se consegue concentrar em coisa alguma. A imaginação e as emoções vagueiam. Por vezes disparam. A esta altura talvez, no meio de uma oração cheia de aridez, desolação e repugnância, inconscientes fantasias podem apoderar-se de quem medita. Podem ser desagradáveis e mesmo assustadoras. Com mais frequência, nossa vida interior torna-se simplesmente um deserto destituído de qualquer interesse. 

Isso pode, sem dúvida, ser explicado como provação passageira (a “noite dos sentidos”), mas devemos enfrentar o fato de que é, muitas vezes, coisa mais séria. Pode ser o resultado de um ponto de partida errado no qual surgiu uma ruptura entre a “vida interior” e os demais setores de nossa existência. Nesse caso, a suposta “vida interior” pode nada mais ser do que uma corajosa e absurda tentativa para evadir-se inteiramente da realidade. Sob pretexto de que aquilo que se acha “no interior” é, de fato, real, espiritual, sobrenatural, etc... cultiva-se a negligência e o desprezo pelo que é “exterior” como sendo mundano, sensual, material e oposto à graça. Isto é má teologia e mau ascetismo. É, de fato, mau sob todos os aspectos, pois, em lugar de aceitar a realidade tal como é, nós a rejeitamos para explorar algum domínio perfeito de ideais abstratos que, concretamente, não possuem realidade alguma. Muitas vezes, a inércia e a repugnância que caracterizam a chamada “vida espiritual” de muitos cristãos poderiam, talvez, ser curadas com um simples respeito pelas realidades concretas da vida cotidiana, pela natureza, pelo corpo, pelo trabalho que executamos, pelos nossos amigos, nosso ambiente, etc. 

Um falso sobrenaturalismo que imagina ser o “sobrenatural” uma espécie de região platônica de essências abstratas totalmente separadas e opostas do mundo concreto da natureza não oferece verdadeira base para uma autêntica vida de meditação e oração. A meditação não tem sentido nem é real se não está em raizada na vida. Sem essas raízes, nada pode produzir senão ressequidos frutos que geram repugnância, acedia e até mórbida e degenerada introversão, masoquismo, dolorismo, negação.

Thomas Merton, Poesia e Contemplação

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