O que mais prezavam os medievais: a honra


Rainha Petronila de Aragão e o conde de Barcelona Ramão Berenguer
Rainha Petronila de Aragão e o conde de Barcelona Ramão Berenguer
“Ouvi vós todos, nobres burgueses e aldeães, e não fazei nenhum ruído, vós outros que estais pelos cantos! Mas sei que todos ireis ouvir, nobres, burgueses e aldeães, com a maior atenção, pois vos falarei da Honra”.

Falava-se da Honra, cantava-se a Honra – pois acabo de citar o início de um poema do século XII, e tais poemas, consagradas à Honra, substituíram, em grande parte, o jornalismo hodierno.

Falava-se a todos da Honra, ao povo como aos Barões, e todos, aldeães como nobres, tornavam-se atentos e admirados quando se falava da Honra.

Eis o primeiro e maior dos signos característicos dessa época, o fato pelo qual a Idade Média domina toda a História da França até hoje.

Porque ainda que a idéia mestra da sociedade tenha sido mudada, ainda que a Revolução tenha trocada a Honra pelo bem-estar, como ideal social, são ainda os restos dessa antiga Honra que fazem pulsar o coração da França nos grandes dias solenes; que sustentam sua alma no alto; que nos mantém unidos quando a nova teoria tende a fazer de cada um de nós o ríspido concorrente de seu vizinho; e que nos dão alguma força de resistência contra o inimigo externo e seus melhores aliados, os revolucionários.

Cavaleiro, vitral proveniente da abadia de St Bertin, França
Cavaleiro, vitral proveniente da abadia de St Bertin, França
Ter criado a Honra, não é pois somente uma glória européia para a Idade Média francesa, mas é também um serviço de primeira ordem prestado à pátria.

Ela a criou como um artista de gênio que forma uma estátua admirável com restos esparsos.

Com efeito, a consciência humana e os heróis dos tempos antigos tinham fornecido ao Catolicismo os materiais e algumas peças de um belo modelo.

Mas a Honra, sendo o sacrifício contínuo dos baixos instintos da humanidade aos seus mais altos sentimentos, só o Cristianismo dela podia fazer um hábito individual; e só uma sociedade dócil ao Cristianismo podia impô-la como ideal geral.

A Idade Média, à força de pregá-la, de mostrar não só seus aspectos sublimes, mas também úteis; à força de a reverenciar, de admirá-la e de tudo lhe sacrificar, fez dela um instinto novo. Esse instinto elevou os pequenos até os grandes e os grandes até os pequenos.

A Honra teve uma filha: a Fidelidade, da qual nasceu a Cavalaria.

A Fidelidade, que os antigos apenas entreviram, a Fidelidade até à morte, até à ruína, até o sacrifício dos sentimentos mais caros!

A Fidelidade, não a título heróico, com em um Régulus em quem o esforço sente-se no próprio maravilhamento dos contemporâneos.

Não a Fidelidade prestada aos Imperadores romanos, que se divinizavam como se a Fidelidade precisasse de uma desculpa, e que degolavam seus súditos para mostrar que tal Fidelidade era artificial!

Cavaleiros
Cavaleiros
Mas a Fidelidade tornada heroísmo diário, irrefletido e, mais uma vez, feito instintivo. A Fidelidade dócil ao dever mais difícil.

Fidelidade ao juramento ante qualquer coisa, por mais desprezível ou odiável, que pudesse acontecer ao homem sagrado por esse juramento.

A Honra levou, pois, a Fidelidade até o martírio, assim como ajudou a bravura a ser facilmente heróica e o desinteresse a não temer a miséria.

Para bem compreender essa Honra, precisaríamos interrogar cada frase que a História nos conservou de São Luís IX.

Reconstruir-se-ia assim o código da Honra, pois o Santo Rei foi disso a mais reta encarnação e mostrou todas as delicadezas da honra, como toda a força e toda a eqüidade.

A Honra não estava alheia àquele ódio que a Idade Média mostrou perseverantemente contra os usurários judeus que pareciam estar, por sua ganância, patifaria e covardia, nas antípodas da Cavalaria.

À Honra também é devida à hostilidade que a França, enquanto conservou sua grandeza, teve contra essas sociedades secretas, sempre fundadas sobre princípios opostos à Honra.


(Fonte: Charles de Ricault d'Héricault, “Histoire Anecdotique de la France”, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, T. II, pp. 327-330.)






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