“Pode Querer”


Conheci uma família linda esse fim de semana. Com eles aprendi um pouco mais sobre generosidade, sobre solidariedade, aprendi muito sobre respeito e veneração pelos pais; aprendi mais um pouco sobre ser receptivo com os que precisam de acolhida, aprendi novos modos de ser acolhedor com as visitas. Mas um dos melhores momentos aconteceu no caminho para a casa deles.

Família, Dom de Deus
Na viagem de ida, de carona com outros amigos, uma das filhas da família acolhedora usou uma expressão curiosa, com a qual não estava habituado. Dizia que, na sua infância, havia momentos em que a mãe (ou o pai, não tenho certeza) dizia aos filhos: “pode querer”. Com essa expressão, entendi, outorgava-se ao filho a possibilidade real sobre uma opção determinada: naquele momento específico, poder-se-ia querer um sorvete; em razão de uma eventualidade, era possível desejar uma visita a um amigo; pela generosidade dos pais, um tempo maior na brincadeira tornava-se factível. Esta expressão curiosa fazia os filhos entenderem que algo não ordinário era possível. “Pode querer” era a senha mágica para aquelas crianças, era uma expressão que abria o horizonte para coisas novas.
Depois da história contada pela filha daquela família, vim pensando com meus botões o que mais se esconderia por detrás do “pode querer”. A meditação avançou durante o resto da viagem, até a nossa volta. “Pode querer”, pensava eu, abre novas oportunidades, sim, oportunidades que não são aquelas cotidianas, oportunidades que trazem alegria e euforia para as crianças, justamente elas que sempre reclamam que “não podem nada”. Mas não me parece que isso é tudo… Refletindo de modo mais profundo e pensando no caráter pedagógico dessa expressão, há mais sob estas palavras. Quando os pais reforçam para os filhos que há coisas que eles “podem querer”, eles também dizem que há coisas que os filhos “nunca podem querer”. Ao reiterar durante anos que “nem sempre se pode tomar sorvete, mas hoje você pode querer“, além de educá-los acerca da temperança, diz-se também de modo indireto que há coisas que estão absolutamente distantes da vontade, escolhas que não são dignas de um filho dessa família.


Nós, homens, somos livres. Mas há coisas que não podem ser desejadas. Não se pode aceitar que a vontade “queira” abandonar seus progenitores ao relento; é indigno permitir que nossa vontade “queira” abusar do indefeso; é iníquo aceitar que a vontade “deseje” explorar o justo ou violentar o mais fraco. Sim, o homem pode ceder e “querer” essas más escolhas, mas não se pode aceitar esse desejo de bom grado. Deve-se dizer intimamente, como dizia – penso eu – a mãe dessa família a seus filhos diante de uma demanda desmedida: “Não, isso você não pode querer”.
Não é verdade que, em nosso tempo, esse conhecimento simples da vida de cada família está perdido? Não é verdade que hoje, de modo quase endêmico, parece não haver mais limites sobre o que se “pode querer”? Se se quer um carro novo, pensam, qualquer ação é possível; se se deseja uma viagem, um cargo público, uma boquinha no governo, não há limites para o que eu possa ou não possa fazer. O convívio com essa família deixou claro para mim que são essas escolhas familiares, esses ensinamentos que chegam junto com o leite materno é que fazem pessoas melhores, famílias melhores, condomínios melhores, bairros melhores…

Meus agradecimentos a essa família, que além de ser testemunha viva do Amor de Deus pelos irmãos, vive desde sempre aspectos tão próprios da humanidade com uma simplicidade sincera. Que o Senhor Jesus, fonte de toda simplicidade, amor e desprendimento verdadeiros, continue a ser o luzeiro desse lar.

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“Pode Querer”

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