A Depressão, por Dom Murilo Krieger (primaz do Brasil)

Cada época da História tem características próprias, que a identificam. Seria a depressão uma das características de nossa época? Afinal, em nossos tempos é significativo o número de pessoas que vivem naquela situação que o dicionário Aurélio define como “distúrbio mental caracterizado por adinamia [estado de prostração física e/ou moral; falta de forças], desânimo, sensação de cansaço, e cujo quadro muitas vezes inclui, também, ansiedade, em grau maior ou menor”. Para os laboratórios e as farmácias, a depressão é uma das principais fontes de lucro.

Segundo alguns estudiosos, há dois grandes tipos de depressão: aquela que pode ser padecida por uma pessoa, sem que ela tenha enfrentado algum grande problema, e a que tem origem na perda de um bem, na ameaça de um mal ou na incapacidade de assumir a realidade que a envolve. Nos dois casos, o que caracteriza seu estado é a tristeza. A pessoa fica triste pela consciência de ser privada de um bem ou pelo medo de perdê-lo.
Em nossos dias, uma das causas da depressão é o medo. Muitos se sentem inseguros, por causa das exigências no mundo do trabalho (medo de perder o emprego), na família (as brigas dos pais fazem nascer no coração dos filhos perguntas do tipo: “Será que eles vão se separar? O que acontecerá comigo?”), na sociedade (leia-se: problemas econômicos), diante do futuro (“O que me espera?”, “Como será minha velhice?”) etc. A insegurança faz nascer a angústia; essa pode fazer nascer obsessões, fobias, depressão...
Nas últimas décadas, psiquiatras têm percebido que por baixo da depressão há, muitas vezes, a falta de um sentido para a vida. Curioso, faz quase dezesseis séculos, alguém já havia observado: “Criaste-nos para ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em ti” (Santo Agostinho). O bispo de Hipona havia percebido que o homem é um ser transcendente,  isto é, sente necessidade de relacionar-se com Deus e com os outros, e quando essa dimensão é ignorada, ele não se realiza como ser humano.
Para Freud, muitas neuroses teriam como causa a repressão sexual. A cura se obteria pela liberação dos instintos. Vivesse em nossos dias, o pai da psicanálise constataria que, apesar da liberdade sexual de nossa época, os transtornos psíquicos só aumentaram. Freud fez descobertas importantes no campo da psiquiatria, mas errou ao assumir como absolutas algumas dessas descobertas, reduzindo o homem a um conjunto de instintos.
Depois de Freud veio Alfred Adler, para quem os complexos humanos têm sua origem no desejo de poder. Não conseguindo o que quer, a pessoa sente-se inferiorizada, triste. Mais uma vez, estamos diante de uma visão parcial da realidade. Parcial, também, foi a resposta de Jung: julgava que a tendência fundamental do ser humano é a vontade de autorrealização.
Posteriormente, Viktor Frankl estudou as intuições de seus predecessores e deu sua própria explicação: o ser humano não é só dominado pelo instinto do prazer, nem pela vontade de dominar. É um ser livre e responsável, condicionado, mas nunca determinado: age buscando encontrar um sentido para a própria vida.
Pode-se errar na busca de um sentido para a vida. Dou um exemplo extremo: há pessoas que amarram uma bomba em si próprias e a ativam quando estão no meio de uma multidão de pessoas inocentes. Antes de fazerem isso, gravam um depoimento, gloriando-se de seu ato. Morrem, e matam inocentes, considerando-se heróis.
Alguém já disse que a porta da felicidade se abre para fora, e quem procura abri-la para dentro acaba por fechá-la hermeticamente. Criados para Deus e para os outros, não nos realizamos no egoísmo, na busca do poder e na satisfação dos instintos. Segundo a fé cristã, só nos realizamos no dom de nós mesmos. Ou, dito isso na linguagem do Salmista: “...tende confiança no Senhor. Muitos dizem: ‘Quem nos fará provar o bem?’ Levanta sobre nós, Senhor, a lua da tua face. Deste mais alegria ao meu coração do que àqueles que têm muito trigo e vinho. Em paz, logo que me deito, adormeço, pois só tu,Senhor, me fazes descansar com segurança” (Sl 4,6-9).


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