Santo Afonso Maria de Ligório: das ingnominias que Jesus Cristo sofreu na sua Paixão.


Dabit percutienti se maxillam, saturabitur opprobriis – “Oferecerá a face ao que o ferir, fartar-se-á de opróbrios” (Thren. 3, 30).

Sumário. Ah, a quantas ignominias se submeteu o nosso pobre Jesus no tempo da sua Paixão! Foi traído por um dos seus discípulos, renegado por outro e abandonado por todos. Foi escarnecido como mentecapto, posposto a Barabbás, açoitado como um escravo, tratado como rei de teatro, condenado a morrer crucificado entre dois ladrões. E para que? Para nos provar o seu amor, e ensinar-nos pelo seu exemplo a sofrer com paciência os desprezos e injúrias. E todavia ficamos sempre orgulhosos e amamos tão pouco a Jesus Cristo!

I. As mais graves injúrias que sofreu Jesus Cristo são as que lhe foram feitas no dia da sua morte. Sofreu então primeiro o opróbio de se ver abandonado por todos os seus amados discípulos, dos quais um o traiu, outro o renegou, e quando Jesus foi preso no horto todos fugiram e o abandonaram. Em seguida os judeus apresentaram-no a Pilatos como um malfeitor digno de ser crucificado a um simples pedido deles. Por Herodes e toda a sua corte foi escarnecido como louco: Sprevit illum Herodes cum exercitu suo (1).

Depois foi posposto a Barabbás, um ladrão e homicida; pois, à pergunta de Pilatos a quem devia solar, os judeus responderam gritando: Non hunc, sed Barabbam (2) – “Não queremos solto este, mas Barabbás”. Foi flagelado como escravo, porque esta pena se infligia só aos escravos. Foi burlado como rei de teatro; porquanto, depois de por escárnio O haverem coroado de espinhos, saudaram-No como rei, e, escarrando-Lhe no rosto, diziam: Ave, rex Iudaeorum (3) – “Ave, rei dos judeus”. Depois foi condenado a morrer entre dois ladrões conforme já fora predito por Isaias: Et cum sceleratis reputatus est (4) – “Ele foi posto no número dos celerados”.

Finalmente morreu crucificado, quer dizer, da morte mais ignominiosa à qual naqueles tempos eram condenados os criminosos, pelo que (como está escrito no livro Deuteronomio (5)) os Hebreus consideravam o crucificado como maldito de Deus e dos homens. É por isso que São Paulo escreve: “Cristo nos remiu da maldição da lei, fazendo-se por nós maldição, porque está escrito: Maldito todo aquele que é suspenso no lenho” (6). – E nota o que em outro lugar acrescenta o Apóstolo: não foi por necessidade, mas por livre escolha que o Senhor teve uma vida tão cheia de tribulações e uma morte acompanhada de tantas ignominias, renunciando a uma vida suntuosa e deliciosa, de que nesta terra podia gozar (7). Oh, diz Santo Agostinho, se esta medicina não basta para curar o nosso orgulho, não sei o que o possa curar: Quid eam curet nescio.

II. Em Jesus Cristo cumpriu-se à risca a profecia de Jeremias que havia de viver e de morrer farto de opróbrios: Dabit percutienti se maxillam, saturabitur opprobriis. Por isso exlama São Bernardo: “Ó Deus altíssimo, feito o último dos homens! Ó Deus excelso, feito desprezível” Ó glória dos anjos, feito opróbrio dos homens! E quem tem feito isto? É o amor – Quis hoc fecit? Amor.” Deus tem feito tudo isto para nos mostrar quanto nos ama, e para nos ensinar pelo seu exemplo a sofrer em paz o desprezo e as injúrias.

Quando formos injuriados, lancemos um olhar sobre a Paixão do Redentor. – Assim fazia Eleazaro, que interrogado por sua esposa, como fazia ele para suportar com tanta resignação as injúrias que lhe faziam, respondeu: “Eu volto os meus olhos para Jesus desprezado, e digo que as afrontas que sofro nada são em comparação daquelas que ele, sendo como era meu Deus, quis sofrer por mim.”

Ó meu desprezado Senhor! Pelos merecimentos das afrontas que tendes suportado por mim, dai-me graça para sofrer com paciência e com alegria as afrontas e as injúrias que me sejam feitas. Proponho daqui em diante não me entregar mais ao ressentimento; dai-me força para o executar e livrai-me do inferno.

Ó meu Jesus, não permitais que, remido por Vós com tanto sofrimento e com tanto amor, venha eu a condenar-me e a cair no inferno, onde deveria odiar-Vos e amaldiçoar o amor que me haveis mostrado. Muitas vezes tenho merecido o inferno; pois, ao passo que Vós nada mais podíeis fazer para me obrigar a amar-Vos, eu tudo tenho feito para Vos obrigar a castigar-me. Mas visto que na vossa bondade me esperastes e ainda continuais a pedir-me que Vos ame, quero amar-Vos, e quero amar-Vos de todo o meu coração e sem reserva. – Ó grande Mãe de Deus, Maria, ajudai-me pelas vossas orações e fazei que eu ame as humilhações e os desprezos. (*I 727).


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1. Luc. 23, 11.

2. Io. 18, 40.

3. Matth. 27, 29.

4. Is. 53, 12.

5. Deut. 21, 23.

6. Gal. 3, 13.

7. Hebr. 12, 2.





(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 293- 295.)


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