O arrependimento depois da esterilização cirúrgica

A esterilização cirúrgica (definitiva) é um meio contraceptivo gravemente contrário à moral católica, como sabemos. Na mulher, a modalidade mais difundida é certamente a ligadura de trompas e no homem, a vasectomia. O Brasil, através de programas do Ministério da Saúde, oferece gratuitamente este "serviço" aos seus cidadãos, desde que preencham alguns critérios estabelecidos por lei (idade, número de filhos, etc.).

Com efeito, não é pequeno o número de pessoas que se submete a tal intervenção com a finalidade de evitar novos filhos. Como médico, devo dizer que há um contingente enorme de pessoas que recorreram ou que pretendem recorrer a este procedimento contraceptivo imoral, embora eu não saiba agora precisar estatisticamente este montante. Contudo, há pessoas que se arrependem verdadeiramente de terem feito a ligadura de trompas ou a vasectomia, principalmente aqueles que se convertem a religião católica ou aqueles que já eram católicos mas que desconheciam a doutrina da Igreja nesta matéria (o que é bastante comum, infelizmente). Quando essas pessoas se dão conta da gravidade do ato praticado, se arrependem e procuram o sacerdote para pedir o perdão. Eu mesmo conheci algumas pessoas que passaram por isso.

A dúvida é: para que obtenham o perdão, essas pessoas precisam procurar um meio de reverter a operação cirurgicamente? Fiz esta pergunta a um padre muito amigo e de inquestionável ortodoxia. Ele me enviou um texto explicativo que gostaria agora de compartilhar no blog. Segue então a resposta:


Quanto à esterilização voluntária já seja procurada como fim (por exemplo, quem se esteriliza para poder ter relações sexuais sem risco de procriar), ou querida só como meio (por exemplo, quando uma mulher procura esterilizar-se para evitar o perigo de morte que lhe conduziria uma nova gravidez), terá que dizer que é sempre imoral e ilícita. Esta situação pode apresentar problemas delicados em relação com a confissão, já seja quando um penitente expõe sua intenção de esterilizar-se, quanto se se confessa de havê-lo realizado. Em termos gerais terá que dizer o seguinte:

1º Não se pode absolver a quem em confissão manifesta a intenção de esterilizar-se, a menos que dela desista.


2º Em relação ao penitente que se confessa de haver-se já esterilizado, se estiver sinceramente arrependido, pode-se absolver sem mais. Não se deve impor a obrigação de ir a uma nova intervenção cirúrgica para reverter sua situação. Apoio-me nos seguintes motivos: primeiro, até nos casos de altas possibilidades de recuperação da fertilidade, esta não pode garantir-se em nenhum caso singular; segundo, porque ainda assim a intervenção cirúrgica é algo penoso e incômodo o qual pode constituir causa atenuante (impossibilidade moral embora não seja física); terceiro, tal obrigação —ao menos— é um pouco discutida e portanto não pode ser imposta ao penitente (cf. nnº. 58; 246); quarto, ainda na hipótese de que fora obrigatório haveria provavelmente ignorância invencível por parte do penitente de sua obrigação de fazê-lo, assim como alta probabilidade de que advertido pelo confessor de sua obrigação não a ponha em prática, portanto o confessor teria a obrigação de guardar silêncio (cf. nº. 155); quinto, não há danos para um terceiro (como perigo de aborto).

3º Quanto ao arrependimento da pessoa esterilizada tem que supor-se quando o penitente apresenta os sinais ordinários de dor.

4º Quanto a um possível matrimônio futuro de um penitente esterilizado, terá que recordar que a esterilização não é impedimento de impotência (nem sequer no caso mais delicado da vasectomia)[1]; mas poderia haver nulidade matrimonial se se induz dolosamente a erro ao cônjuge inocente sobre um elemento essencial (por exemplo, se a pessoa esterilizada calasse voluntariamente a verdade sobre este ponto por temor a que seu futuro cônjuge desista de casar-se ao saber que não poderão ter filhos, e mais ainda se mentisse positivamente, negando que foi esterilizada, ao ser interrogada pelo futuro cônjuge). Em tal caso seria obrigatório manifestar ao futuro cônjuge a situação[2].

O “arrependimento” de quem se esteriliza

Como o fenômeno “maciço” da esterilização é um fenômeno em certo sentido “recente” (da segunda metade do século XX), ainda não se têm dados fidedignos das conseqüências psicológicas que produz; entretanto, sabe-se que o número de mulheres que se arrependem de ter recorrido à esterilização é bastante elevado. O estudo mais amplo e importante foi realizado nos Estados Unidos por um grupo de investigadores [3]. Neste país a ligadura de trompas é o método anticoncepcional de maior difusão (600.000 mulheres recorrem a ele cada ano). Para realizar dito estudo se interrogou a 11.232 mulheres de 18 a 44 anos, que tinham se submetido à ligadura de trompas entre 1978 e 1987, em sua maioria não por razões médicas senão como método anticoncepcional.



Tratava-se de avaliar a probabilidade de que ao cabo de quatorze anos da esterilização lamentassem a decisão tomada. Em conjunto, o 12,7% desejaria não haver-se esterilizado. A porcentagem é surpreendentemente alta no caso das mulheres que foram esterilizadas com menos de trinta anos (20,3%), e entre as solteiras (20,4%). O arrependimento é menor (5,9%) entre aquelas que se esterilizaram depois de cumprir os trinta. Os motivos de arrependimento mais alegados pelas mulheres que se esterilizaram com menos de 30 anos são o desejo de ter mais filhos (33,1%) e o divórcio ou novo matrimônio (23,9%). Entre as de mais de 30 anos, o motivo mais invocado são os subseqüentes problemas ginecológicos ou de menstruação (28,8%), embora não há explicação biológica para isso, e o desejo de ter mais filhos (26,1%).

Os autores do estudo, concluem que embora a maioria das mulheres esterilizadas não se arrependem, “uma percentagem surpreendentemente alta de mulheres esterilizadas a uma idade jovem lamentarão sua decisão em algum momento”.

II. ASPECTOS MORAIS

1. Juízo moral sobre a esterilização contraceptiva

(a) Argumentos do Magistério

O Magistério afirmou sempre que a esterilização contraceptiva é em si e por si gravemente injusta e que não pode ser legitimada por nenhuma circunstância nem por nenhum fim bom. A doutrina do Magistério foi constante ao respeito [4].
Antes do Concílio Vaticano II se podem citar a Pio XI (Encíclica Casti conubii, sobre o matrimônio cristão), ao Santo Oficio sob Pio XI[5]; a Pio XII[6]; o Santo Ofício sob Pio XII[7]. No Concílio Vaticano II não aparece nomeada, mas se alude a ela no Gaudium et spes, no N. 27 onde se condena tudo o que viola a integridade da pessoa humana, e em o N. 87, ao falar do problema demográfico exortando a abster-se de soluções contrárias à lei moral. Depois do Concílio há que mencionar a Paulo VI na Humanae vitae[8], a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé em sua Resposta à Conferência Episcopal americana sobre a esterilização nos hospitais católicos (13 de março de 1975), e a João Paulo II, Familiaris Consortio e Evangelium vitae[9].

À luz do que se diz em todos estes documentos, devemos assinalar que a esterilização direta é um ato injusto “ratione obiecti”. Nestes documentos apela-se ao menos a duas razões específicas para fazer este juízo sobre a esterilização contraceptiva:

1º A partir da moral da vida física: a esterilização contraceptiva, em quanto lesão da integridade física da pessoa, constitui um atentado parcial contra a vida da pessoa porque suprime uma função integrante da vida física (função de singular importância porque se orienta ao dom da vida). Isto atenta contra o princípio do “primum non nocere”. É irracional a destruição de um órgão enquanto que se prevê que usando livremente dele poder-se-ia causar um dano ao organismo. O racional nestes casos é o abster-se do uso[10]. O único limite que coloca o Magistério e a moral a este princípio é o princípio de totalidade. Portanto, se em algum caso existem motivos proporcionadamente graves para um exercício sexual biologicamente infecundo, a única via lícita é regular inteligente e responsavelmente a atividade sexual (abstenção ou uso dos períodos infecundos). E mais, devemos acrescentar que a esterilização é igualmente uma solução ilógica para quem não aceite a doutrina católica sobre a anticoncepção, já que se aceitasse a licitude da anticoncepção (e dificilmente aceite a licitude da esterilização e não a da contracepção em geral), iria contra o princípio (discutível, por outro lado) do mal menor, pois neste caso elege um mal maior (a esterilização) podendo recorrer a um mal menor (anticonceptivos).

2º A partir da moral sexual: igual ao caso da anticoncepção, em geral, também aqui se vê que a esterilização não respeita a inseparabilidade das duas dimensões da conjugalidade (união e procriação); se quer a esterilização precisamente para poder ter atos sexuais sem a possibilidade de procriar. Mas esta separação entre a união sexual e a procriação, tentada voluntariamente, é sempre ilícita, como vimos mais acima. A esterilização, como a anticoncepção manifesta uma vontade anti-procriativa.

[1] Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, 13 de maio de 1977; cf. Nuevo Derecho Parroquial, 371.

[2] Nuevo Derecho Parroquial, 421.

[3] Foi publicado em Obstetrics & Gynecology (junho 1999).

[4] Cf. L. CICCONE, Non uccidere, 326ss.

[5] SANTO OFICIO sob Pio XI, “Decreto de 21 de março de 1931 onde se condena a chamada teoria eugênica” (AAS 23 [1931] 118ss.); “Decreto de 11 de outubro de 1936 onde se condena a esterilização contraceptiva em geral e a eugênica em particular” (DS 3760-3765).

[6] C. LOPEZ MEDRANO – H. OBIGLIO – L.D. PIERINI – C.A. RAI, “Discurso al Congreso Internacional de Cirugia”, 22 de maio de 1948, em Pio XII e las Ciencias Medicas, 78; “Discurso a las Obstétricas católicas”, 29 de outubro de 1951, en Pio XII y las Ciencias Médicas, 108-109; “Discurso a la Iº Reunión Internacional de Genética médica”, 8 de setembro de 1953, en Pio XII y las Ciencias Médicas, 162-163; “Discurso al VII Congresso Internacional de Hematologia”, 12 de setembro de 1958, em Pio XII e las Ciencias Médicas, 354-355.

[7] SANTO OFICIO, “Decreto de 24 de março de 1940”, AAS 32 (1940), 73.

[8] PAULO VI, HV, 11-12, 16, 14.

[9 ] Cf. JOÃO PAULO II, FC, 6 e 30; ID., EV, 91.

[10] Assim, por exemplo, no caso de um afeiçoado jogador de futebol que fica doente do coração e por tal razão lhe vem proibido qualquer esforço físico, seria irracional amputar-lhe as pernas para evitar cair na tentação de jogar arriscando a vida. O próprio caso vale para o casal na qual um nova gravidez pode pôr em perigo a vida da mulher. Nesta circunstância, dependendo da possível gravidez do exercício de um ato livre, o racional é a abstenção de dito ato.






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