Por esta designação – mais adequada que a vulgar “barriga de aluguer” – entende-se a indução de gravidez numa mulher, pelo processo de transferência de um embrião constituído em laboratório, com o compromisso, contratualizado, de que a criança que venha a nascer será entregue a outrem.
A situação típica em que tem sido invocada a necessidade de recurso a esta maternidade é a de um casal no qual a esposa, por acidente ou por doença, perde definitivamente a capacidade de usar o útero para nele se desenvolver uma gravidez. E deseja intensamente ter um filho a partir dos seus ovócitos e dos espermatozoides do marido. E sofre, no plano emocional e afetivo, por não poder realizar este seu desejo, que é também desejo do casal.
Ou seja, o casal tem condições para gerar um filho com os seus gâmetas mas esse filho não pode ser desenvolvido no útero da mãe porque tal útero não existe ou não tem capacidade funcional para a gravidez. Como a fertilização gamética extracorporal , em laboratório, se tornou possível e é usada para os casos de infertilidade de casais, encarou-se a possibilidade de “prolongar” esta técnica, recorrendo a um útero natural, noutra mulher, com entrega da criança nascida aos pais biológicos.
Pode olhar-se esta situação de dois prismas, ambos legítimos.
Como um ato de amor e generosidade no qual uma mulher abdica de um filho que nela se desenvolveu durante nove meses e o entrega aos pais biológicos; como uma manipulação da maternidade, poder supremo da mulher, que até pode ser grosseira se estiver em causa um pagamento por este “serviço”. (uma simples consulta à Net, mostra como, em vários países, está organizada e é publicitada uma “indústria” de produção de crianças que são vendidas). Mas, seja qual for o prisma de observação temos de reconhecer que estão em causa pelo menos, três interesses que terão de ser acautelados se vier a ser aprovada legislação que permita esta prática. Que sempre será excecional dada a reconhecida raridade deste tipo de impossibilidade de conceção maternal.
São eles o interesse da mulher que se disponibiliza para ser a criadora uterina do filho, os interesses do filho a nascer, os interesses do casal que recorre a esta prática.
Levantam-se muitas dúvidas sobre a possibilidade de compatibilizar estes três interesses sem a produção de um texto jurídico muito apurado e completo.
Por exemplo: o ato médico de transferir para o útero da mãe portadora o embrião constituído em laboratório tem de passar por uma informação completa, verdadeira e compreensível, na qual não sejam escamoteadas as consequências da relação feto/mãe/feto, próprias de toda a gravidez, que se destinam a garantir a sobrevivência do feto antes e depois do nascimento e que constituem o essencial da biologia da maternidade. Sabe-se hoje (Biological Psychiatry, 63,415-423,2008) que o funcionamento cerebral da mulher é modificado durante a gravidez o que torna muito difícil a separação do filho nascido.
Também uma informação séria e completa dos riscos inerentes à gravidez em geral, incluindo o de abortamento espontâneo, e ao parto, que pode ter de ser cirúrgico, como na gravidez em geral. Esta gravidez, por ser para substituição, não é no interesse da mulher que vai engravidar mas no interesse de outrem; o que impõe, ao médico, a obrigação ética de dar informação completa e rigorosa dos riscos inerentes ao ato médico que vai praticar.
E se a gravidez se tornar uma gravidez de risco, se o feto tiver malformações graves ou, simplesmente, se a mulher portadora decidir mudar de opinião, pode ou não recorrer ao abortamento legal?
Se a criança nascer com defeitos congénitos ou adquiridos, por exemplo por parto distócico, a mãe biológica pode recusar-se a aceitar o filho “encomendado”.
Se a mãe portadora, por generosidade e amor, decidir depois do parto, não entregar o filho à mãe biológica, vai ser punida por ter mudado de opinião (sendo que esta mudança é de raiz neurobiológica)?
Se o casal se divorciar durante o período de gravidez para substituição e nenhum dos cônjuges quiser receber o filho, a mãe portadora vais ter de ficar com ele?
As questões elencadas são um simples exemplo, muito incompleto, das dificuldades médico-jurídicas que a lei, a existir, terá de considerar.
Há, ainda, lugar para uma reflexão ética e sociológica que ficará para outra oportunidade.
Daniel Serrão, médico
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Maternidade para substituição
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