As duas Grandes Misericórdias divinas

As duas Grandes Misericórdias divinas
Sabedoria do Deserto  /  Mauro de Almeida




[Do tratado de São Bernardo, abade, sobre os graus da humildade e da soberba (N. 12: EC 3, 25-26)]



Se compreendes que Cristo tem duas naturezas em uma só pessoa, uma pela qual sempre existiu e outra na qual começou a existir, e que segundo seu ser eterno ele conhece todas as coisas desde sempre, mas segundo seu ser temporal conheceu muitas delas de maneira temporal, por que hesitas em admitir que, assim como ele começou a existir encarnado no tempo, começou também a conhecer as misérias da carne, por aquele tipo de conhecimento que a fraqueza da carne proporciona? Nossos primeiros pais eram mais sábios e felizes ignorando este tipo de ciência, que só puderam adquirir por um gesto de lamentável loucura. Mas Deus, seu criador, buscando o que havia perecido, compadeceu-se e proseguiu sua obra, descendo cheio de misericórdia até os que haviam caído miseravelmente.

Quis experimentar em si mesmo aquilo que mereceram sofrer por terem agido contra Ele, contudo, não pela mesma curiosidade, mas por uma admirável caridade. E não para permanecer infeliz entre os infelizes, mas para se fazer misericordioso e libertar os miseráveis. Fez-se misericordioso, não daquela misericórdia que já possuía em sua eterna felicidade, mas da que obteve através da infelicidade, em nossa condição humana. Assim, a obra de amor que iniciara com a primeira forma de misericórdia, completou-a com a segunda. Não que aquela não bastasse para realizá-la, mas porque sem esta ela não seria suficiente para nós. Ambas são necessárias, porém a segunda nos foi mais conveniente.

Ó inefável lógica do amor! Como imaginar essa admirável misericórdia que não se forma de uma miséria anterior? Como reconhecer essa compaixão para nós desconhecida que não foi precedida pelo sofrimento, pois que é eterna em Deus como sua impassibilidade? Entretanto, se essa misericórdia divina que ignora a miséria não estivesse na origem, a outra, que tem por mãe a miséria, não teria acontecido. Se não tivesse acontecido, não nos teria atraído; se não nos tivesse atraído, não nos teria livrado. E de onde nos terá livrado, senão do lago de miséria e do brejo lodoso (Sl 39, 3).  

Deus não abandonou sua primeira misericórdia, mas acrescentou-lhe a segunda. Ele não mudou e sim multiplicou, como está escrito: Salvas os homens e os animais, Senhor, como multiplicaste, ó Deus, a tua misericórdia! (Sl 35, 7b-8 Vg)




 

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Obs.: Texto traduzido pelos Monges do Mosteiro Trapista de Nossa Senhora do Novo Mundo/Brasil.



 


Original Article: http://sabedoriadodeserto.blogspot.com/2015/04/as-duas-grandes-misericordias-divinas.html



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