A procriação na família cristã – Artigo II

Os construtores e os propagandistas da nova ética do casamento têm alinhavado para ela uma defesa muitíssimo frágil, e em pleno, em inconciliável contraste com os dados da razão e da história.

Uma primeira justificação que eles creem fazer valer é a do caráter econômico. Os excessivos comensais no banquete da vida forçam a diminuir o número dos pratos e a quantidade das porções. Sem a parada ou a diminuição dos nascimentos, eis a miséria com o cortejo dos danos materiais e morais que a acompanham.

Tem-se aqui o sofisma da non causa pro causa. Para quem indaga os fenômenos sociais, a miséria acha a sua explicação normal não na inadequada proporção das subsistências, mas na sua imprevidente ou injusta repartição. A agricultura e a indústria saturam, quando não abarrotam, o mercado com a superprodução; e, se a multidão que pode achegar-se desta não obtém a parte conveniente, mas só alguma migalha, isto se deve à exiguidade dos salários, ou à iníqua distribuição da riqueza produzida.

Se se quiser, pois, combater o pauperismo, elevem-se as retribuições dos operários, instituam-se os abonos familiares, organizem-se os seguros sociais, antes de querer diminuir a corrente da população.

Dir-se-á que, se é elevado o número de trabalhadores, a compensação do trabalho se avilta e baixa, ao passo que a rarefação da massa operária aumenta a procura de operários e com ela o salário. Certamente, o efeito imediato da diminuição dos braços operários aumenta o salário, mas a diminuição estável e sistemática gera uma vasta diminuição e emigração dos capitais, gerando o fenômeno do desemprego, como sucedeu na Inglaterra depois da passada guerra mundial. Ali, não obstante a diminuição da massa trabalhadora, o número de desocupados foi superior ao de antes da guerra.

Se se estudarem na história as causas das grandes crises econômicas e das carestias, ver-se-á que em via normal elas não podem atribuir-se à exuberância demográfica, mas a diversas e múltiplas razões como: a instabilidade do poder público, a ausência de segurança na convivência civil, as enormes extorsões fiscais, a ladroeira desenfreada, a desorganização do mercado, o regime econômico deficiente.

Sem dúvida, em dadas condições, e entre as tantas causas, também o excesso da população concorre para intensificar e alastrar a miséria comum; mas fazer dele a causa contínua, exclusiva ou preponderante seria, sobejas vezes, o mesmo que atribuir o naufrágio dos navios à abundância das águas ou ao peso excessivo das mercadorias.

Chesterton, na revista America, fustigava como segue, com as suas ironias, os que quereriam salvar a sociedade com a luta contra os berços:

“Para se fazer uma ideia do que sucede nos cérebros modernos – diz ele –, considerai este fato. Suponhamos dez meninos que necessitam cada um de chapéu, ao passo que de chapéus disponíveis só se têm oito. Um homem de algum bom senso não acharia impossível fazer outros dois chapéus, incentivar a indústria dos chapéus, punir quem prometeu fazer chapéus e não mantém a promessa. O espírito moderno pensa diversamente, e propõe cortar a cabeça dos dois meninos; e assim, eles não terão necessidade de chapéus, cujo número será, então, suficiente. A ideia de que as cabeças valem mais do que os chapéus é repelida, porque é tirada da metafísica; a pretensão de que os chapéus são feitos para as cabeças e não as cabeças para os chapéus é ridicularizada como um resíduo dogmático. Os textos poeirentos que afirmam o primado do corpo sobre as vestes, e a crença secular de que as crianças devem preferir-se aos chapéus, tudo isto é ignorado ou desprezado. O espírito moderno tem uma lógica impiedosa: é o carrasco que deve remediar as omissões do chapeleiro” [4].

A Encíclica Casti Connubii, assim como não admite a justificação econômica, tampouco reconhece como válida a justificação médica do neomalthusianismo.

Os inimigos da natalidade pensam que seja nociva para a sanidade da mãe a sucessão não limitada das gravidezes. Visto que a maternidade é uma mera função fisiológica, nos organismos normais ela concorre para o pleno desenvolvimento destes [5].

Por outro lado, sem nenhum jogo de processos antifecundativos, a natureza costuma geralmente espaçar as gestações com um intervalo que varia entre 18 e 24 meses, e isto sobretudo mediante o funcionamento benéfico da amamentação. “Mesmo – escreve o doutor Palmieri – se os intervalos entre uma gravidez e outra fossem mais curtos, todavia o organismo materno adquire notoriamente, durante a gestação, energias impensadas que o colocam em posição de fazer frente às exigências fisiológicas do caso... Antes, frequentemente observamos que a sucessão das gravidezes robustece e, por assim dizer, amadurece a mulher, enquanto se atenuam ou francamente desaparecem distúrbios, inconvenientes ou doenças de que ela precedentemente sofria” [6].

Certamente, nem sempre a maternidade se processa em condições normais de ambiente; nem sempre o estado sanitário da mulher é tal que possa afrontar impunemente o risco de gestações sucessivas. Há, portanto, na proliferação, como em todas as outras funções orgânicas, os casos excepcionais e patológicos, dos quais não podemos logicamente deduzir que as repetidas gravidezes sejam por si mesmas causas de doenças ou de morte.

Não menos infundada é a outra acusação contra elas, de que dariam origem à excessiva mortalidade infantil. Escreve o doutor Guchteneere: “Absolutamente não está demonstrado que uma diminuição da natalidade acarrete por si mesma uma correspondente diminuição da mortalidade. No que diz respeito, pois, à mortalidade infantil, a falsidade do argumento do Birth Control é ainda mais flagrante. Realmente, por todos é conhecido que a mortalidade da infância tem baixado notavelmente nestes últimos anos por toda parte nos países civilizados, por causa da higiene, e não por uma relativa diminuição dos nascimentos... De fato, não obstante a sua fraquíssima natalidade (18,8%) em 1926, a França teve uma taxa de mortalidade infantil bastante elevada (97%), ao passo que a Holanda, com uma natalidade mais propriamente alta (23,8%), teve uma mortalidade infantil inferior à francesa – 61%. Na própria França, os dez departamentos com a natalidade mais baixa apresentam uma mortalidade infantil mais elevada do que a dos outros dez departamentos que têm a natalidade mais alta. Outros exemplos podem aduzir-se, tirados do estudo comparativo das estatísticas, os quais demonstram que a correlação entre natalidade e mortalidade infantil é insignificante e nunca implica uma relação de causalidade” [7].

Uma outra justificação do neomalthusianismo, a qual pareceria mais sedutora do que as outras, seria a da eugenia. Invoca-se nisto o interesse da sociedade, que precisa de indivíduos vigorosos, e o interesse da raça, que de uma parte quer desembaraçar-se de unidades malsãs por vícios hereditários, e de outra quer progredir do ponto de vista biológico.

Infelizmente, dizem-nos os fautores da limitação dos nascimentos, enquanto as classes superiores se reproduzem fracamente, as classes inferiores multiplicam excessivamente os filhos, aumentando o número dos indivíduos indesejáveis. Necessário se torna, pois, adotar o Birth Control para que a qualidade prevaleça sobre a quantidade.

Esta afirmação estriba-se na hipótese, não demonstrada nem demonstrável, de que as chamadas classes inferiores, que no fundo são os pobres, tenham somente uma procriação de ineptos e de débeis. O que é certo, sim, é que os deficientes não são prerrogativa de uma classe, mas se acham em todas as classes numa proporção numérica aproximativa e relativamente igual. Além disso, as duas noções de qualidade e quantidade não se opõem, nem entram dissociadas no problema demográfico. Sem um elevado viveiro de nascimentos donde se possa tirar, a diminuição da qualidade não para, e os povos e as civilizações encaminham-se para o declínio.

Uma propaganda que visa a qualidade, mas inculcando a limitação dos nascimentos deficientes, quer queira quer não, diminui ou susta também os nascimentos que se desejam dotados de qualidades superiores. Quando se prega a esterilidade voluntária por uma determinada motivação, a esterilidade difunde-se pouco a pouco, por qualquer razão, em todas as classes.

Além disso, a seleção humana não deve ser posta no mesmo pé da criação dos animais, uma vez que mesmo em corpos doentes há gênios ou almas superiores, que podem prestar à sociedade grandes serviços. Por outro lado, os eugenistas exageram demais quando encaram a exuberante proliferação de tarados, idiotas, dementes e outros diminuídos, porque em boa parte estes não costumam ser fecundos, sem dizer que encontram demasiados obstáculos às suas uniões.

Portanto, importa não esquecer que a natureza, por si mesma, efetua processos eugênicos, sem esperar o contributo e a cooperação da ciência. Escrevia Giuseppe Moscati, tão eminente na santidade quanto na ciência: “Não nos ensinam as leis de Mendel que o tipo primigênio tende a reproduzir-se através dos desvios de cruzamentos, se esteve talvez como perdido nas sucessivas gerações? E nas ruínas de famílias degeneradas, novos germes não reproduzem a eterna primavera da vida? Os chamados cromossomos sabem agrupar-se melhor do que quanto lhes imponham os eugenistas!” [8].

Com isto não se quer dizer que não se devam ter na devida conta as sugestões da ciência, mas sem desligá-las das normas superiores da moral, como se a faculdade procriadora fosse subsistente por si mesma e separada das realidades fundamentais e das leis supremas do homem.

Continuamos no terceiro e último artigo.

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Notas

[1] Purg., V, 14-15 (Sta come torre ferma, che non crolla giammai la cima per soffiar di venti).
[2] Cf. Vermeersch, La Conférence de Lambeth et la morale du mariage, in “Nouvelle Revue Théologique”, dic. 1940. – Benoît Lavaud O.P., Le monde moderne et le mariage Chrétien, Paris, 1935, p. 87 e segs.
[3] II Ad. Cor., VI, 15.
[4] O carrasco de que fala o arguto escritor inglês é o Birth Control (America, 29 de outubro de 1921).
[5] Cf. Docteur René Biot, Le point de vue médical dans les questions de la population. Curso promovido nas “Semaines Sociales de France”, XV Sessão, 1923. – Docteur Raoul de Guchteneere, La limitation des naissances, Bruxelas, 1929. – Vicenzo Palmieri, Denatalità, Milão, 1935.
[6] Denatalità, págs. 164-165.
[7] Docteur Raoul de Guchteneere, La limitation des naissances, Bruxelas, 1929, págs. 132-134.
[8] Prefácio ao opúsculo Eugenica, do Pe. Giuseppe de Giovanni e do Pe. Mario Mazzeo, Nápoles, 1924.

Ângelo Brucculeri, S.J., La Famiglia Cristiana, Edizione La Civiltà Cattolica, Itália, 1944.

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A procriação na família cristã – Artigo II:
Continuação do Artigo I.

Autor: Ângelo Brucculeri, S.J.
Tradução: Luís Ferreira
Organização: Blog Christi Fidei

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