A festa cristã (D. Orani Tempesta)

 Neste final de semana concluímos o tempo do Advento e iniciamos o do Natal, quando estaremos celebrando, já na noite de segunda-feira próxima, a vigília da Solenidade do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo!
No momento atual, é importante colocarmos o adjetivo “cristã” na festa que ora celebramos, pois nem sempre esse aspecto fica claro para as pessoas. A imagem midiática que a maioria tem do Natal é que a data é uma ótima oportunidade de compras e vendas, de dar e receber presentes, de comidas, bebidas em abundância, de visitas de confraternizações. Para muitos, o verdadeiro sentido do Natal passa despercebido.
Não há dúvida de que alguns desses aspectos podem até mesmo entusiasmar as pessoas, em especial as crianças, e fazem parte do imaginário que trazemos desde a infância. Passam-se os anos e a força econômica continua a investir nessa direção.
Porém, é muito importante retomar o mistério central do Natal e central neste momento de Natal, que, de certa forma, também trazemos impresso em nossa memória: o Mistério da Encarnação celebrado nas solenidades litúrgicas que marcam essa data.
Quantas vezes escutamos que as pessoas não puderam participar da celebração por causadas visitas dos parentes e amigos que chegaram, porque estavam preocupadas em arrumar a casa, receber as pessoas,fazer ou comprar a comida ou mesmo enfeitando a residência?
A imagem da família indo à Igreja para participar da Missa da Noite de Natal, ou mesmo no Dia de Natal, precisa ser ainda mais incrementada como um sinal da festa que foi bem preparada: a atualização da presença do Verbo de Deus na história da humanidade. É essa experiência que permanece. O restante passa.
A alegação do medo da violência para o deslocamento no turno é apenas uma parte da desculpa, pois para outros eventos e circunstâncias as pessoas participam durante a noite e até nas madrugadas. Embora, infelizmente, essa razão tenha algum fundo verdadeiro, mas que não exclui ainda a nossa liberdade de locomoção. Isso nos leva a trabalhar mais para que a celebração do Mistério da Encarnação modifique também esse aspecto, tornando as nossas cidades mais seguras.
A celebração do Natal é a celebração do acontecimento único e exclusivo em nossa história: o Verbo eterno “se encarnou”, veio morar no meio de nós! Quando chegou o momento certo, Deus enviou o seu Filho nascido da Virgem Maria para ser o nosso Salvador, como havia prometido. Com o nascimento de Jesus Cristo se concretiza a nossa Redenção. Esse acontecimento é o centro da história humana. De fato, como um sinal muito claro dessa centralidade, convencionou-se que os anos sejam contados em “antes” e “depois” de Cristo.
As questões periféricas (e a cada ano sempre se exploram algumas) sobre o “dia do nascimento de Cristo”, o erro na contagem dos anos, o aspecto e as imagens do presépio com ou sem animais, a discussão sobre a estrela que apareceu e tantas outras questões não tiram a centralidade desse acontecimento único: a intervenção de Deus em nossa vida! Ele veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam, lamenta a Sagrada Escritura. Essa lamentação ecoa ainda hoje! Com Cristo temos a nova criação, o Novo Adão, do qual somos todos descendentes, já que salvos por Ele.
Aquele que veio para todos (universalidade da salvação) derramou seu sangue para que aqueles que acolhem a Sua Palavra tenham a vida eterna. E o apelo do Natal é para que, celebrando o seu nascimento, aprofundemos o encontro com Ele, pois, com a Encarnação, nós O encontramos em cada irmão e irmã.
Ao celebrarmos o Natal, a “festa cristã”, não estamos apenas recordando um fato passado, mas sim atualizando para hoje essa realidade. Ao recordarmos que Jesus Cristo nasceu historicamente e que Ele virá um dia escatologicamente, queremos aprofundar o nosso encontro com Ele no tempo que se chama hoje. Ele, que é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, tornou-se a nossa “ponte” de encontro. Ele é o Pontífice que nos leva a caminhar para a união com a Trindade, e nos traz a vontade de Deus para que vivamos segundo os planos do Pai.
Por isso, o tempo do Advento que acabamos de celebrar foi a oportunidade de purificarmos o nosso coração e a nossa mente para que o Natal seja realmente uma festa cristã.
Não imaginava que um dia fosse necessário, em nossa realidade,ter que “adjetivar” essa festa, ou seja, recordar que o Natal é cristão, que é Cristo que nasce! Ao constatarmos isso aqui no nosso Ocidente “chamado cristão”, é uma realidade que nos leva a enfrentar com muita coragem esse desafio de celebrarmos a Vida de Jesus Cristo que nasce como Messias e Salvador.
Ao retornarmos ao centro da festa, tudo se ilumina, e até mesmo as outras atividades tradicionais deste tempo adquirem sentido.
Natal é vida que nasce, é a alegria do encontro com Jesus Cristo como Senhor da Vida e da História, é o encontro com os irmãos e irmãs na construção da vida de fraternidade, que é possível para aqueles que creem e O aceitam como Salvador.
Em seu livro sobre a Infância de Jesus, assim se expressa o Papa Bento XVI: “jaz na manjedoura Aquele que havia de apresentar-se a Si mesmo como o verdadeiro pão descido do céu, como o verdadeiro alimento que dá ao homem a vida verdadeira: a vida eterna.” E continua: “Dessa forma, a manjedoura torna-se uma alusão à mesa de Deus, para a qual é convidado o homem a fim de receber o pão de Deus”. “Na pobreza do nascimento de Jesus, delineia-se a grande realidade, em que misteriosamente se realiza a redenção dos homens” (p. 61).
Participemos, portanto, com alegria das celebrações natalinas em nossas comunidades! Talvez esse seja um passo importante para não perdermos o sentido da Festa Cristã. Um povo que segue verdadeiramente a Cristo é um povo que constrói um mundo de irmãos!
Feliz e Santo Natal, e uma bênção especial com muito carinho a todos os que são amados por Deus!
† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

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A festa cristã

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