por Anderson Machado Alves
No dia 8/12/2011, foi adiada a votação do PL 122, também conhecida como “lei da homofobia”, no Senado Federal brasileiro devido aos fortes debates ocorridos e também à forte oposição que essa vem sofrendo, não somente de grupos religiosos, mas inclusive dos chamados grupos LGBT, que não aceitam a inserção do terceiro artigo no texto original. De fato, parece que o motivo principal da rejeição dessa lei é o fato de que esse traz mais dúvidas do que certezas. Quem lê o texto debatido com atenção, sem se deixar levar pela emotividade, se pergunta se dito projeto de lei é realmente um ordenamento racional que promoverá o bem comum da sociedade brasileira.
Em concreto, o projeto prevê a punição de um a três anos de prisão para quem comete “crimes resultantes de preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero”, esclarecendo que o “termo sexo refere-se à distinção entre homens e mulheres; orientação sexual, à heterossexualidade, homossexualidade ou bissexualidade; e identidade de gênero, à transexualidade e à travestilidade”. Sendo assim, é evidente que essa lei pode punir não somente “crimes” motivados por preconceitos para com os homossexuais, mas também para com os heterossexuais, homens ou mulheres. De modo que dita lei, de fato, não criminaliza a “homofobia”, mas sim alguns comportamentos que podem ser motivados por certos “preconceitos”.
Além disso, o PL 122 supõe dois princípios. Por um lado, que há grande diversidade entre os comportamentos sexuais no nosso país e, por outro, supõe que tal diversidade de fato não existe. Pois essa lei implica a ideia de que há uma imensa maioria heterossexual opressora da minoria homossexual no Brasil. Desse modo, o PL 122, assim como a Ideologia que o inspira, parte não somente de princípios diversos, mas também contraditórios.
Os artigos da lei enumeram, então, quais seriam os novos “crimes”, severamente punidos: “Deixar de contratar ou nomear alguém ou dificultar sua contratação ou nomeação, quando atendidas as qualificações exigidas para o posto de trabalho”; “conferir tratamento diferenciado ao empregado ou servidor” (art. 4); “recusar ou impedir o acesso de alguém a estabelecimento comercial de qualquer natureza ou negar-lhe atendimento” (art. 5); “recusar ou impedir o acesso de alguém à repartição pública de qualquer natureza ou negar-lhe a prestação de serviço público” (art. 6). Desse modo, é compreensível que muitos se assustem com o fato de “uma pessoa não querer contratar alguém” ou “ tratar de modo diferenciado alguém no ambiente de trabalho” possa ser considerado um crime, punido com tanto tempo de prisão. Por isso o texto gera dúvidas quanto à proporcionalidade entre o “crime” cometido e a pena devida ao mesmo. Além disso, a ambiguidade do texto pode levar muitas pessoas a terem que responder criminalmente por atitudes que podem ser banais e ordinárias, que não leva implícito nenhum “preconceito”.
Por exemplo, o caso de um empregador querer contratar uma pessoa do mesmo sexo, por achar que esse tipo de serviço é mais adequado a um determinado sexo, pode ser considerado como uma ação criminal. Não há como não ver, então, uma verdadeira perda de liberdade para o empregador se essa lei for aprovada, assim como poderia provocar um medo constante da justiça entre o povo. Outra possibilidade seria o caso de alguém ser mal atendido num estabelecimento comercial, algo não tão raro de ocorrer. A partir da aprovação dessa lei, qualquer cliente poderia acusar de “crime” a qualquer comerciante, por motivos que podem ser irrelevantes ou que nada tenha a ver com “preconceitos”.
O problema prático da aplicação dessa lei parece ser o seguinte: quem acusar a outro de “crimes resultantes de preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero” não pode provar que o acusado tem uma diversa “orientação sexual” ou “identidade de gênero” do acusador. Num julgamento o acusado pode sempre se defender dizendo que não demitiu o outro ou que não atendeu um determinado cliente no modo devido a outros motivos, uma vez que ele possui a mesma “orientação sexual” ou “identidade de gênero” do acusador. Se a pessoa acusada fizer essa alegação, evidentemente o processo deveria ser encerrado, pois é ilógico que alguém seja considerado preconceituoso com quem tem o mesmo gênero de vida. Nesse caso, a acusação não poderia juridicamente provar a falsidade da alegação do acusado, simplesmente porque não possui instrumentos para fazê-lo. Na realidade, não há nenhum documento que identifica a “orientação sexual” ou “identidade de gênero” de cada brasileiro. E a pergunta pela “orientação sexual” ou a “identidade de gênero” de uma pessoa parece ferir a inviolabilidade da intimidade, garantido na Constituição Federal.
O problema que aqui aparece é que o Direito só pode julgar atos externos e não pode conhecer o que de fato uma pessoa pensa na sua intimidade. Ou seja, o Direito não pode provar que alguém agiu motivado por “preconceitos”, que são sempre juízos internos e essencialmente mutáveis.
O texto do sétimo artigo, que parece ser o mais racional do texto, condena os atos que possam “induzir alguém à prática de violência de qualquer natureza, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero”. Esse texto pode ser interpretado de modo muito diverso, principalmente a expressão “violência de qualquer natureza”. Pois para boa parte da filosofia contemporânea, alguém que diz algo com valor de “verdade”, comete já um ato de violência contra quem pensa de modo diverso. De forma que se essa lei fosse aprovada, os julgamentos passariam a depender da postura filosófica do juiz. Se esse considerar “ato que induz a prática da violência” simplesmente o “dizer algo com valor de verdade”, isso poderia levar à prisão não somente quem pregasse contra o homossexualismo nos seus cultos religiosos, mas sim a qualquer pessoa que expressasse uma opinião contrária a um comportamento sexual diverso do seu. Se isso ocorresse, se produziria uma efetiva limitação da liberdade de expressão e dita lei se tornaria a base de todo tipo de arbitrariedades.
De modo que a raiz verdadeira da rejeição dessa Lei pela população brasileira consiste na sua falta de racionalidade. Isso é visível nos princípios contraditórios que supõe; no fato de considerar “crime” situações que podem ser banais e nada injustas; no fato de querer exigir do Direito algo que esse não pode fazer: conhecer as intenções últimas de um agente. De forma que a aprovação da dita lei produziria males maiores à sociedade do que sua não promulgação. Males tais como a censura constante sobre o modo de pensar e de se expressar das pessoas, o medo permanente da justiça, a possível condenação à prisão de muitas pessoas por motivos irrelevantes. De modo que se espera que as autoridades competentes tenham em consideração o fato de que praticamente toda a população brasileira rejeita dito projeto de lei (homossexuais e heterossexuais; católicos, evangélicos e ateus; “homófobos” e “homomaníacos”), abandone definitivamente essa lei e outras semelhantes e se dediquem com coragem e inteligência à elaboração de leis que sejam efetivamente ordenamentos racionais que busquem o bem comum de toda a sociedade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário