ALBERTO GONÇALVES
DN 2011-12-11
“Para pequenos países como Portugal e Espanha, pagar a dívida é uma ideia de criança. As dívidas dos Estados são por definição eternas. As dívidas gerem-se. Foi assim que eu estudei em Economia.”
A esta hora, já toda a gente conhece as declarações acima, proferidas recentemente pelo ex-primeiro-ministro José Sócrates numa conferência em Poitiers e posteriormente negadas pelo próprio em tentativas desastradas. A esta hora, também já toda a gente analisou as declarações com justa fúria ou discutível senso de humor. Matéria, de facto, não falta. É ofensivo que o responsável por um crescimento brutal e desastroso da dívida tenha o desplante de recomendar em público os métodos ideais de a "gerir". E é evidentemente hilariante que um sujeito cujo percurso académico oferece no mínimo imensas dúvidas decida puxar da erudição financeira. A verdade é que não houve cidadão indiferente ao episódio, embora alguns, como as figuras de topo do actual PS, disfarçassem a vergonha através do silêncio e declinassem comentários.
No que me diz respeito, admito que o episódio irritou-me um bocadinho, divertiu-me um bocadinho e envergonhou-me um bocadinho. Porém, o episódio sobretudo comoveu-me. De repente, pela primeira e espero que última vez na vida, dei por mim com pena do eng. Sócrates: o que foi aquilo, meu Deus? Uma coisa são as vastas limitações da criatura, outra é a candura com que a criatura as expõe, essa sim uma propensão infantil. Pobre homem, que não arranja uma alminha amiga para preveni-lo do ridículo que comete, que está rodeado de tontos ou sabujos prontos a alimentar os seus delírios, que vive enfim numa completa solidão. O preço do poder, ou dos privilégios amealhados no poder, não precisa de ser tão elevado. As benesses materiais e afins não podem servir unicamente para enxovalhar o usufrutuário, ainda que a falta de consciência do usufrutuário, tradicionalmente aliada aos excessos do respectivo ego, o ponham a jeito com regularidade.
Durante seis longos anos, assistimos ao espectáculo em cadeiras de orquestra. Hoje, o espectáculo prossegue em Paris. A rábula da entrada na Sciences Po da Sorbonne, segundo a imprensa rejeitada em duas ocasiões e conseguida à terceira mediante "cunha" diplomática, já constituiu um monumento de humilhação auto-infligida, a que os aplausos na conferência mencionada acrescentam agora, a título de clímax, a adequada dimensão irónica. A história da dívida "gerida" recebeu palmas porque os espectadores não percebiam português e porque o francês técnico do eng. Sócrates não chega para plateias, embora sobre para estudar numa das mais prestigiadas universidades do continente. Estudar, seja filosofia, economia, inglês ou engenharia, é a vocação dele. Aprender, inclusive a estar calado, não é. Típico de criança.
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