A resurreição do corpo humano

// Blog de Santo Afonso

A ressurreição do corpo humano foi um dos assuntos debatidos no século II devido a divulgação do cristianismo junto à população pagã. Tal verdade de fé acreditável na vida eclesial pelos cristãos, não era no entanto presente junto ao paganismo. Como este manifestava fé nos deuses, era concebível uma vida neste mundo mas não tanto para o mundo futuro. Ainda que houvesse doutrinas que falassem da vida futura, o povo pagão preferia o momento presente tendo a morte como fim de toda a existência. Inspirados na Palavra de Deus e em Jesus Cristo que diz ser a ressurreição e a vida, os cristãos anunciam o Ressuscitado e acreditam na ressurreição dos corpos humanos porque Deus é justo e poderoso. Se Ele criou a pessoa humana do nada, do nada Ele o recriará, porque para Ele nada é impossível. Nós queremos ver esta visão em dois autores cristãos apologistas que defenderam o cristianismo diante da doutrina pagã: Atenágoras de Atenas e Justino de Roma. As suas idéias nos inspiram a acreditar na ressurreição da carne, ponto essencial do nosso credo,

1) Atenágoras de Atenas(133-190). Ele era de Atenas e foi um defensor da fé cristã diante do Império romano e dos pagãos. Ele falou bastante a respeito da ressurreição do corpo humano. Ele parte do argumento que é preciso ter fé na ressurreição.

Atenágoras é ciente que a fé na ressurreição segue a lógica da razão humana ainda que esta verdade fuga da razão humana. Mas é preciso ter fé na ressurreição, do ponto de vista racional, porque o poder de Deus é grandioso de modo a fazer novas todas as coisas. Para muitas pessoas esta verdade de fé, fundamentada na razão não é acreditável porque para elas as coisas que ultrapassam a razão não tem muito sentido, importando só a vida presente de modo que tudo terminaria com a morte. Mas é preciso estar ciente de coisas novas feitas pelo Criador da humanidade, de seu poder recriador. Deus fará coisas novas para o ser humano que fizer o bem para os outros. A força de Deus não terá limitações de modo que ele unirá de novo os corpos mortos para constituí-los novos, e assim criaturas novas para a vida que não terá fim. Esta verdade necessita de razão para ser assumida, vivenciada para ela passar também para o plano espiritual, de entrega ao Senhor Deus.

O Deus Criador sabe da dissolução das partes do corpo pela morte porque o ser humano passa, não tendo a plenitude de sua vida neste mundo. E se Ele criou os corpos que não existiam antes, portanto do nada(creatio ex nihilo), Ele sendo todo-poderoso, dará a ressurreição também a partir do nada. A ressurreição é uma nova criação sobre a criação dada ao ser humano neste mudo. A ressurreição torna-se uma verdade de fé seguida pela razão humana que adere à esta verdade divina e humana. Aqui entra o poder de Deus que faz levantar o que está na terra e vivificar as coisas mortas, transformando-as em incorruptíveis, sem a mancha da corrupção do corpo. E ainda que o corpo fosse despedaçado por uma multidão de animais de toda a espécie e tivesse a dissolução de tudo, o poder de Deus ressuscitará o corpo humano.

Desta forma Atenágoras coloca a necessidade da ressurreição pela visão racional mesmo que essa esteja ligada à Fé como dom, mas ela se dá também pela razão:

A primeira prova diz respeito ao destino do homem, do ser humano que será de criatura para a eternidade. Deus Criador não quis fazer o ser humano para o nada, mas para que ele tivesse a consciência da vida eterna. A sua vida não termina nesta vida, mas tem a certeza de que uma nova vida lhe será dada. A ressurreição do ponto de vista racional fica esclarecida, objetivada.
A segunda prova fala do desígnio do Criador e a natureza do homem composto de alma e corpo. O ser humano possui corpo e alma e os dois deverão ter um destino comum: a ressurreição. O homem que consta de alma e de corpo, deve permanecer para sempre; é impossível que ele permaneça se não ressuscita. Quanto ao corpo, os homens receberão a incorruptibilidade pela transformação exigida pela razão da ressurreição, embora à alma goze da permanência imutável desde a criação. Mesmo que o corpo volte a dissolução, nós aguardamos a ressurreição.

A terceira prova fala de que seja o corpo seja a alma devem ser premiados ou punidos
O ser humano é composto de alma e de corpo. No dia do julgamento final receberá a sentença de cada uma das obras por ele feitas; a razão não vê que isso se realize na vida presente onde não se dá a cada um o que merece. Desta forma há a necessidade da ressurreição do corpo para que haja julgamento justo. O corpo como também a alma sendo premiados ou punidos farão parte de um todo, não simplesmente uma determinada parte, porque o corpo viveu junto da alma e alma junto do corpo. A lógica racional diz respeito ao todo e não só pela alma ou pelo corpo.

A quarta prova coloca o fim último do homem sendo que a felicidade, não é atingida nesta vida. A felicidade é a alegria da vida humana junto com Deus. Do ponto de vista racional a felicidade é construída por pequenas ações feitas na humanidade. Se a alma possuirá a sua felicidade não o será separada, fora do corpo humano, pois a vida reúne seja o corpo, seja a alma.
Atenágoras de Atenas coloca provas racionais para a evidência da ressurreição do corpo humano. É evidente que essas podem até fugir da racionalidade, pois elas exigem fé, mas também a fé fundamenta-se na razão, ou parte da mesma. Se a razão humana aponta para uma realidade superior, é porque a pessoa acredita seja racionalmente, seja espiritualmente na ressurreição do corpo humano.

2) Justino de Roma(100-165). Ele foi filósofo e teólogo, nascido na Palestina e viveu um bom tempo em Roma. Na capital do Império romano, sofreu o martírio em 165. 

Como Justino vê a ressurreição da carne do ponto de vista racional.

Justino fala em primeiro lugar da imortalidade da alma, diante daqueles que a negavam. Se racionalmente há a negação, como também racionalmente pode-se demonstrar a fé na ressurreição do corpo humano. De fato o povo pagão, bem como os intelectuais na época não colocavam tanto a fé na ressurreição do corpo, porque como no tempo de Atenágoras, a vida presente era que o importava mais. No entanto, Justino vê um ponto fundamental na ressurreição do corpo humano presente na vida pagã, apontando para a realidade escrita feita por escritores pagãos que era retomada por todos. Ali haveria uma espécie de memória em vista de algo futuro, de ressurreição. Se o povo pagão valorizava as doutrinas racionais e poéticas dos escritores como Pitágoras, Platão e Sócrates, os cristãos colocam uma fé superior para o corpo humano porque depois de mortos e enterrados, eles poderão ser revigorados e ressuscitados por Deus Criador porque para Ele não há nada impossível. 

Justino tem presente o corpo humano de modo que a razão fala bem alto a respeito da verdade de fé pela ressurreição. Assim como de uma gota do sêmen humano possibilita ela a formação de ossos, tendões e carnes nos quais é percebido o ser humano(homem e mulher), da mesma forma é fundamental a consideração que os corpos humanos, depois de dissolvidos e espalhados como sementes na terra, ressuscitem a seu tempo e por ordem de Deus se revistam da incorruptibilidade. A idéia é que esta realidade seja só teológica, que pertença à vida de fé. Mas ela é também racional porque a razão ligada à fé aponta para a realidade divina e a realidade humana da ressurreição do corpo humano.

Justino tem presentes as considerações de Sibila, originária da Pérsia, sacerdotisa e profetiza de Apolo(doutrina pagã), que falara que todo o corruptível deveria ser consumido pelo fogo. Além de anunciar catástrofes, dizia que o mundo renascerá pelo fogo. Justino leva em consideração pontos doutrinais provenientes de filósofos pagãos como Platão que afirmavam a doutrina de uma reconstituição dos corpos, algo parecido com a ressurreição do corpo humano. Se Platão dizia que tudo foi ordenado e feito por Deus, e que as almas dos iníquos, mesmo após a morte conservarão a consciência e que as dos bons, livres de todo o castigo serão felizes, Justino diz que há algo parecido na ressurreição do corpo a partir do filósofo Platão. A ressurreição do corpo estava presente também na vida dos pagãos. Por isso, Platão dizia Justino dependia de Moisés porque Ele teria lido as Sagradas Escrituras. Em geral, afirma o filósofo Justino, tudo o que Platão, os filósofos e os poetas disseram sobre a imortalidade da alma e da contemplação das coisas celestes, aproveitaram-se de Moisés e dos profetas.
As igualdades e as diferenças doutrinais a respeito da ressurreição dos corpos humanos em Atenágoras e Justino de Roma.

Os dois autores filósofos cristãos afirmaram a fé na ressurreição dos corpos humanos também do ponto de vista racional. Sendo uma verdade de fé não pode ficar só no plano espiritual; esta verdade de fé é posta do ponto de vista da razão humana. Se a pessoa humana adere à ressurreição do corpo é pelo fato que a razão vai junto. Enquanto Justino tem presentes a ressurreição dos corpos diante da falta de fé por parte dos pagãos e intelectuais, mas levando em consideração as doutrinas dos filósofos, sobretudo a de Platão, para Atenágoras, a fé na ressurreição não é absurda pela razão aludindo a revelação de Deus no mundo acolhida pela razão humana.

Se para Atenágoras de Atenas o poder de Deus para é levantar o que jaz na terra ainda que totalmente dissolvido e comido por animais; Justino fala que a ressurreição não é impossível para Deus. Ele é Criador dos corpos humanos e no final será o Recriador dos mesmos, dos seres humanos em vista da ressurreição dos corpos. Se a alma estava unido ao corpo, formando um só ser humano, também a partir do ponto de vista bíblico, no final da história a reconstrução será dada por Deus, porque para Ele nada é impossível. A nossa fé na ressurreição dos corpos é uma verdade que possibilita a alegria da doação para os outros e para Deus pelo fato de que a morte humana é uma passagem da vida humana para a vida eterna, dada por Deus Uno e Trino ao ser humano.

Bibliografia:
1. Atenágoras de Atenas. Sobre a ressurreição dos mortos. In: Padres Apologistas. Paulus, 1995, SP.
2. Justino de Roma. I e II Apologias. Paulus, 1995, SP.

Dom Vital Corbellini

Bispo Diocesano de Marabá (PA)

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