Sessão XIV
Celebrada no tempo do Sumo Pontífice Júlio III, em 25 de novembro do ano do Senhor de 1551
Doutrina do Santo Sacramento da Penitência1
Ainda que o Sacrossanto, Ecumênico e Geral Concílio de Trento reunido legitimamente no Espírito Santo, e presidido pelos mesmos Legados e Núncios da Santa sé Apostólica tenha falado bastante, no decreto sobre a Justificação (Salvação), do sacramento da Penitência (Confissão), com necessidade devido à conexão existente entre ambas as matérias, sem dúvida, é tanta e tão variada a quantidade de erros que existe em nosso tempo acerca da Penitência, que será muito condizente com a utilidade pública, dar mais completa e exata definição deste Sacramento, na qual demonstrados e exterminados com o auxílio do Espírito Santo todos os erros, fique clara e evidente a verdade Católica, a mesma que este Santo Concílio propõe a todos os cristãos para que perpetuamente a observem.
Cap. I - Da necessidade e instituição do sacramento da Penitência
Se tivessem todos os regenerados tanto agradecimento a Deus que conservassem perenemente a santidade, que por seu benefício e graça receberam no Batismo, não haveria sido necessário que se tivesse instituído outro sacramento diferente deste para conseguir o perdão dos pecados. Mas como Deus com toda sua misericórdia conhece nossa debilidade, estabeleceu também um remédio para a vida daqueles que depois de batizados, se entregarem à servidão do pecado e ao poder ou escravidão do demônio, o qual é exatamente o sacramento da Penitência, por meio do qual se aplica aos que pecam depois do Batismo, pelo benefício da morte de Cristo.
Foi realmente necessária em todos os tempos para conseguir a graça e a salvação a todos os homens que incorressem na mancha de algum pecado mortal e também àqueles que pretendessem purificar-se com o sacramento do Batismo, de modo que abominando a maldade e emendando-se dela, detestassem tão grave ofensa a Deus, reunindo o aborrecimento do pecado com a piedosa dor de seu coração. Por isso diz o Profeta: "convertei-vos e fazei penitência de todos vossos pecados e com isso vossa iniquidade não será causa de vossa destruição". Também disse o Senhor: "Se todos vós, sem exceção, não fizerem penitência, todos vós perecereis". E o príncipe dos Apóstolos, São Pedro dizia, recomendando a penitência dos pecadores que deveriam receber o Batismo: "Fazei penitência e recebei todos o Batismo".
É necessário que se advirta que a Penitência não era sacramento antes da vinda de Cristo, e nem tão pouco o é depois dela, em relação àqueles que não tenham sido batizados. O Senhor estabeleceu principalmente o sacramento da Penitência, depois que ressuscitado dos mortos soprou sobre seus discípulos e lhes disse: "Recebei o Espírito Santo, os pecados daqueles a quem perdoares, ficam perdoados, e não serão perdoados aqueles que não perdoares". Deste fato tão notável e destas tão claras e precisas palavras, entendeu sempre a Igreja universal que foi delegado aos Padres que estiveram em contato com os Apóstolos, e a seus legítimos sucessores, o poder de perdoar ou não os pecados ao reconciliarem-se os fiéis que tenham caído neles depois do Batismo e em conseqüência reprovou e condenou com muita razão a Igreja Católica como hereges aos Noviços que nos tempos antigos negaram pertinazmente o poder de perdoar os pecados. E esta é a razão porque este Santo Concílio, ao mesmo tempo que aprova e recebe este verdadeiro sentido daquelas palavras do Senhor, condena as interpretações imaginárias dos que falsamente as distorcem contra a instituição deste Sacramento, entendendo que a posteridade deveria apenas pregar a Palavra de Deus, e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo.
Cap. II - Da diferença entre o sacramento da Penitencia e o Batismo
Se conhece muitas razões da diferenciação deste sacramento (Penitência) com aquele do Batismo, porque além da matéria e da forma com as quais são ministrados os dois sacramentos, que são bastante diferentes, consta evidentemente que o ministro do Batismo não deve ser juiz, pois a Igreja não exerce jurisdição sobre as pessoas que não tenham antes adentrado em seu seio pela porta do Batismo. "Que tenho eu a ver", disse o Apóstolo, "sobre o juízo dos que estão fora da Igreja?". Não sucede o mesmo com os que já são batizados e vivem na fé, aos quais Cristo nosso Senhor tornou membros de Seu Corpo, lavando-os com a água do Batismo e não quis que estes, se contraíssem alguma culpa, fossem novamente purificados repetindo o Sacramento do Batismo, pois isto não seria lícito por nenhuma razão na Igreja Católica, porém essa nova purificação poderá ser alcançada se esses pecadores se apresentarem como réus ante o tribunal da Penitência para que por uma sentença dos sacerdotes possam ficar absolvidos, não somente uma vez, mas quantas forem necessárias, desde que recorram a Ele arrependidos dos pecados que cometeram.
Além disso, um é o fruto do Batismo, e outro é o da Penitência, pois vestindo-nos de Cristo pelo Batismo, passamos a ser novas criaturas Suas, conseguindo plena e eterna remissão dos pecados, mas por meio do Sacramento da Penitência, não poderemos chegar de modo algum a esta renovação e integridade sem muitas lágrimas e sacrifícios de nossa parte para solicitar a Divina Justiça, de modo que por esta razão chamaram os santos padres à Penitência de uma espécie de Batismo de sacrifícios e aflição. Em conseqüência, é tão necessário este sacramento da Penitência aos que pecaram, depois do Batismo, para conseguir a salvação, como é o mesmo Batismo aos que ainda não renasceram.
Cap. III - Das partes e fruto deste Sacramento
Ensina além disso, o Santo Concílio, que o princípio do sacramento da Penitência, e no qual principalmente consiste sua eficácia, se concentra naquelas palavras do ministro: "Eu te absolvo... etc." às quais louvavelmente se incluem certas preces por costume da Santa Igreja. Mas de nenhum modo visam estas, a essência do princípio, e nem tão pouco são necessárias para a administração do mesmo Sacramento. São porém, como sua própria matéria os atos do próprio penitente, a saber, o Arrependimento, a Confissão e a Santificação, e que são chamadas partes da Penitência, portanto é necessária a intervenção Divina no penitente para a integridade do Sacramento e para o pleno e perfeito perdão dos pecados. Mas a obra e o efeito deste Sacramento, pelo que toca à sua virtude e eficácia, é sem dúvida a reconciliação com Deus, a qual pode acontecer algumas vezes nas pessoas piedosas e que recebem com devoção este Sacramento, obtendo assim a paz e a serenidade de consciência, bem como o extraordinário consolo do espírito.
Ensinando o Santo Concílio esta doutrina sobre as partes e os efeitos da Penitência, condena ao mesmo tempo as sentenças dos que pretendem que os terrores que atormentam a consciência e a fé, sejam partes deste Sacramento.
Cap. IV - Da Contrição (Arrependimento)
A Contrição, que deve tomar o primeiro lugar nos atos do penitente já mencionado, é uma intensa dor e abominação dos pecados cometidos, com o propósito de não pecar daí em diante.
Em todos os tempos foi necessário esse processo de Contrição para alcançar o perdão dos pecados da pessoa que delinqüiu depois do Batismo de modo que este penitente seja preparado até conseguir a remissão das culpas.
Se for agregada à Contrição a confiança na Divina Misericórdia, e o propósito de fazer tudo aquilo que for requerido para receber bem este Sacramento, declara então este Santo Concílio que esta contrição inclui não só a reparação do pecado e o princípio efetivo de uma vida nova, mas também o aborrecimento da vida anterior à contrição, segundo as palavras da Escritura: "Rasgai de vós todas as vossas iniquidades com as quais haveis prevaricado, e formemos um coração novo e um espírito novo".
E, com efeito, quem considere aqueles clamores dos santos: "Sempre pequei contra Ti, e em Tua presença cometi minhas culpas, estive oprimido no meio de meus gemidos, regarei com minhas lágrimas, todas as noites, o meu leito. Repassarei em Tua presença com a amargura de minha alma todo o transcurso de minha vida", e outros clamores da mesma espécie, compreenderá facilmente que emanaram todos estes de um ódio veemente da vida passada e de uma abominação muito grande dos pecados.
Ensina também, além disso, que ainda que suceda alguma vez que esta Contrição seja perfeita pela caridade e reconcilie o homem com Deus, antes que efetivamente receba o sacramento da Penitência, sem dúvida não deve ser atribuída a reconciliação a essa Contrição, mas sim ao propósito que ficou nela incluído de receber o Sacramento.
Declara também que a Contrição imperfeita, chamada atrição2, que comumente é procedente da indignidade do pecado ou do medo do inferno e das penalidades, como exclua a vontade de pecar com esperança de alcançar o perdão, não somente não faz da pessoa uma hipócrita e maior pecadora, como também é Dom de Deus e impulso do Espírito Santo, que embora não habite no penitente, apenas o induz, ajudando-o a abrir caminho para chegar a justificar-se.
Ainda que não possa por si mesmo, sem o sacramento da Penitência conduzir o pecador à salvação, a atrição o dispõe para que alcance a graça de Deus no sacramento da Penitência. Como exemplo, podemos tomar os habitantes de Nínive, os quais aterrorizados com esse temor, fizeram penitência com a pregação de Jonas, cheia de medos e terrores, e alcançaram a misericórdia de Deus.
Com esse pressuposto, alguns escritores católicos são caluniados como se ensinassem que o sacramento da Penitência confere a graça sem a boa vontade dos que a recebem e este é um erro no qual jamais ensinou e nem mesmo pensou a Igreja de Deus. E do mesmo modo ensinam com igual falsidade que a Contrição é um ato violento e conseguido por força e não livre nem voluntário.
Cap. V - Da Confissão
Da instituição que fica implícita no sacramento da Penitência, a Igreja universal sempre entendeu que o Senhor instituiu também a confissão inteira dos pecados e que é necessária de direito divino a todos os que tenham pecado depois de terem sido batizados, porque estando nosso Senhor Jesus Cristo prestes a subir da terra ao céu, deixou os sacerdotes e seus vigários, como presidentes e juizes, a quem devem ser denunciados todos os pecados mortais em que caírem os fiéis cristãos, para que, com isso dessem, em virtude do poder supremo das chaves, a sentença do perdão ou retenção dos pecados.
Consta então que não poderiam os sacerdotes exercer essa autoridade de juizes sem o conhecimento da causa, e nem proceder com equidade na imposição das penas, se os penitentes apenas os tivessem dado a conhecer que haviam pecado de modo geral e não em espécie e individualmente seus pecados. Disto se depreende que é necessário que os penitentes exponham em confissão todos os pecados mortais que se lembrem depois de um minucioso exame de consciência, ainda que sejam absolutamente muito ocultas e apenas cometidas contra os dois últimos mandamentos do Decálogo, pois algumas vezes estas faltas prejudicam gravemente a alma e são mais perigosas que as que foram cometidas externamente.
Com relação aos pecados veniais pelos quais não ficamos excluídos da graça de Deus, e naquelas que caímos com freqüência ainda que se proceda com boas intenções, proveitosamente e sem nenhuma presunção, expondo-as em confissão, o que é costume das pessoas piedosas, não precisam necessariamente serem omitidas na confissão, pois ficarão perdoadas automaticamente. Mas os pecados mortais, mesmo aqueles cometidos apenas por pensamentos, que são os que fazem as pessoas filhas da ira, e inimigas de Deus, necessariamente devem ser confessados com distinção e arrependimento, e seu perdão deve ser rogado a Deus.
Assim sendo, quando os fiéis cristãos se esmeram em confessar todos os pecados de que se lembram, os propõe a todos, sem dúvida, à divina misericórdia com a finalidade de que sejam perdoados. Os que assim não o fizerem, e omitem alguns pecados em sã consciência, nada apresentam a ser perdoado ante a bondade Divina, pela ação do sacerdote. Isto pode ser entendido como um enfermo que omite ao médico todos os sintomas de sua enfermidade, e assim a medicina não o pode curar, pois não conhece o mal. Fique certo também, que devem ser explicados na Confissão as circunstâncias que alteram eventualmente os pecados, pois sem elas, não poderá o penitente expor claramente seus pecados, e nem os confessores poderão tomar conhecimento total deles, e nem formar um exato juízo de sua gravidade e impor aos penitentes a absolvição e a pena ao penitente.
Por isto está fora de toda razão ensinar que foram inventadas essas circunstâncias por homens ociosos, ou que apenas se há de confessar uma delas, ou seja, a de haver pecado contra seu irmão. Também é considerado impiedoso dizer que a Confissão que se obriga a fazer nestes termos é impossível, assim como chamá-la porto de tormento das consciências, pois é evidente que apenas é pedido pela Igreja aos fiéis, que depois de ter feito um bom exame de consciência, e explorado todos os subterrâneos de sua memória, confesse os pecados que se lembre de ter ofendido mortalmente a Deus e Senhor, porém aqueles que não se lembrar depois do minucioso exame de consciência, se acredita estarem incluídos normalmente na mesma confissão. Por eles é que pedimos confiados no Profeta: "purifica-me Senhor de meus pecados ocultos". Esta mesma dificuldade da Confissão mencionada e a vergonha de expor os pecados, poderia por certo parecer agravante, se não se compensasse com tantas e grandes utilidades e consolos, e com certeza conseguem a absolvição todos os que se aproximam com a disposição devida a este Sacramento.
Com relação à confissão secreta apenas com o sacerdote, ainda que Cristo proibiu que qualquer um pudesse confessar publicamente seus pecados, devido à execração e humilhação a que o fiel estaria se expondo e também pelo exemplo que seria passado a outros e mesmo pela Igreja que ficaria ofendida, e assim, não existe qualquer preceito Divino para isto, e nem obrigaria a ninguém, com muita prudência, lei humana nenhuma a confissão pública dos delitos, em especial daqueles secretos, de onde se tira que havendo sempre recomendado os santíssimos e antiquíssimos Padres, com grande e unânime acordo, a confissão sacramental secreta que tem sido utilizada pela Igreja desde seu estabelecimento, como o faz até agora.
É refutada com evidência a fútil calúnia dos que se atrevem a ensinar que a confissão não foi ordenada por preceito divino, ou que é invenção humana, e que teve início pelos Padres reunidos no Concílio de Latrão, pois é sabido que a Confissão não foi estabelecida pela Igreja nesse Concílio aos fiéis Cristãos, pois naquela época já estava perfeitamente instruído que a Confissão era necessária e estabelecida por Direito Divino, mas nesse Concílio apenas se estabeleceu que todos e cada um cumprissem o preceito da Confissão ao menos uma vez por ano, depois que tivessem idade suficiente, e cujo estabelecimento se observa em toda Igreja com muito fruto das almas fiéis, o saudável costume de confessar no sagrado tempo da Quaresma, que é particularmente aceito por Deus, costume este que este Santo Concílio aceita como bom e adota como piedoso e digno de que se conserve.
Cap. VI - Do ministro deste Sacramento e da Absolvição
Em relação ao ministro deste Sacramento, declara o Santo Concílio que são falsas e eternamente alheias à verdade evangélica, todas as doutrinas que estendem perniciosamente o ministério das chaves a quaisquer pessoas que não sejam Bispos nem sacerdotes pressupondo que as palavras do Senhor: "todas as coisas que ligares na terra serão ligadas no céu e tudo o que desligaram na terra será desligado no céu", e aquelas: "Os pecados que perdoares ficam perdoados e os que não perdoares não serão perdoados", intimaram a todos os fiéis cristãos tão promíscua e indiferentemente que qualquer um, contra a instituição deste Sacramento tenha o poder de perdoar os pecados, os públicos pela correção se o corrigido se conformar, e os secretos pela Confissão voluntária feita a qualquer pessoa.
Ensina também que ainda que os sacerdotes estejam em pecado mortal exercem, como ministros de Cristo, a autoridade de perdoar os pecados, que lhes foi confirmado quando foram ordenados por virtude do Espírito Santo e que sentem erradamente que os que pretendem que este poder não é inerente aos maus sacerdotes, porque, ainda que seja a absolvição ao sacerdote uma comunicação de benefício alheio, evidentemente não é apenas um mero ministério o de anunciar o Evangelho ou de declarar que os pecados estão perdoados, porém, que é a maneira de um ato judicial em que o sacerdote pronuncia as palavras como um juiz e por isto não deve ter o penitente tanta satisfação de sua própria fé, que ainda que não tenha arrependimento algum, ou falte ao sacerdote a intenção de trabalhar seriamente e absolver-lhe de verdade, julgue que efetivamente esteja verdadeiramente absolvido na presença de Deus, somente por sua fé pois nem esta lhe trará qualquer perdão de seus pecados sem a penitência, nem haveria algum, a não ser extremamente descuidado de sua salvação, que sabendo que o sacerdote lhe absolvia por trapaça, não buscasse com afinco outro que fizesse o trabalho com seriedade.
Cap. VII - Dos casos reservados
E pelo que pede a natureza e essência do juízo, que a sentença recaia precisamente sobre os súditos, sempre esteve certa a Igreja de Deus e este Concílio confirma por certíssima, esta convicção, que não deve ser de nenhum valor a absolvição que um sacerdote pronunciar sobre pessoas que não tem jurisdição comum ou delegada.
Acreditaram também nossos santíssimos Padres que era de grande importância para o governo do povo cristão, que certos delitos dos mais atrozes e graves não fossem absolvidos por um sacerdote qualquer, mas somente pelos sumos sacerdotes, e esta é a razão porque os sumos Pontífices puderam reservar seu particular julgamento, devido ao supremo poder que se lhes foi concedido na Igreja universal, para algumas causas sobre os delitos mais graves.
Nem se pode duvidar, uma vez que tudo o que provém de Deus, procede com ordem, que seja lícito esta mesma autoridade a todos os Bispos respectivamente cada um em sua Diocese, de modo que seja de utilidade e não de ruína, segundo a autoridade que tem pronunciada sobre seus súditos com maior plenitude que os restantes sacerdotes inferiores, com especial respeito daqueles pecados que tenha em anexo a censura da excomunhão.
É também muito condizente com a autoridade divina que esta reserva de pecados tenha sua eficiência não só no governo externo mas também na presença de Deus. Deve-se notar que sempre se observou com máxima caridade na Igreja católica, com a finalidade de precaver que alguém seja condenado devido a estas reservas, que não exista nenhuma reserva na pena de morte e portanto podem absolver, neste caso, todos os sacerdotes a quaisquer penitentes de quaisquer pecados e censuras. Mas não tendo esses sacerdotes comuns autoridade para julgar determinados crimes fora desse artigo da pena de morte, que procurem sempre persuadir os penitentes a procurar os juízes superiores legítimos para obter a absolvição.
Cap. VIII - Da necessidade e fruto da Reparação.
Finalmente em relação à reparação dos pecados, que assim como tem ocorrido em todas as outras partes da Penitência, recomendaram os santos Padres em todos os tempos ao povo cristão, e também é a que principalmente impugnam em nossos dias os que mostrando aparência de piedade a renunciaram anteriormente, declara o Santo Concílio que é totalmente falso e contrário à Palavra Divina, que Deus nunca perdoa a culpa sem que perdoe ao mesmo tempo toda a pena. Se acham certamente claros e ilustrativos exemplos na Sagrada Escritura com os quais, além da tradição Divina se refuta com máxima evidência aquele erro.
A conduta da justiça Divina parece que pede, sem nenhuma dúvida, que Deus admita de diferente modo em sua graça aos que por ignorância pecaram antes do Batismo, que aos que já livres da servidão do pecado e do demônio, e enriquecidos com o Dom do Espírito Santo, não tiveram asco de profanar com consciência o templo de Deus, nem de causar tristeza ao Espírito Santo.
Igualmente é condizente com a clemência divina, que não nos sejam perdoados os pecados sem que façamos algo em reparação dos mesmos, para que não utilizemos esse artifício, e persuadindo-nos que os pecados são mais leves, procedamos como injuriosos e insolentes contra o Espírito Santo, e caiamos em outros pecados muito mais graves, acumulando deste modo a indignação para o Dia da Ira.
Separam-se sem dúvida do pecado e servem como freio que retém estas penas reparadoras fazendo aos penitentes mais espertos e vigilantes para o futuro. Servem também de remédio para curar os vícios dos pecados e apagar com atos de virtudes contrárias, os hábitos viciosos que foram contraídos com a vida má.
Jamais acreditou a Igreja de Deus, que havia caminho mais seguro para separar os castigos com que Deus ameaçava, que aquele que as pessoas convivessem com estas obras de penitência com verdadeira dor em seu coração. Agregue-se a isto, que quando padecemos reparando-nos dos pecados, nos assemelhamos a Jesus Cristo, que sofreu a reparação por nós, e de Quem provém nossa capacidade. Podemos tirar também disto um prêmio certo, de que se padecemos com Ele, com Ele seremos glorificados. Esta reparação que fazemos por nossos pecados não é tanto por nossa vontade que não seja por Jesus Cristo pois aquilo que não podemos por nós mesmos, apoiados em apenas nossas forças, poderemos pela cooperação d'Aquele que nos conforta. Em conseqüência disto, não tem as pessoas que vangloriar-se, pois, pelo contrário, toda nossa satisfação provém de Cristo, é n'Ele que vivemos, n'Ele que merecemos e n'Ele que nos reparamos fazendo frutos dignos de penitência, que tomam sua eficiência do mesmo Cristo, por Quem são oferecidos ao Pai, e por Quem o Pai nos aceita.
Devem pois, os sacerdotes do Senhor, impor penitências saudáveis e oportunas conforme lhes dite seu espírito e prudência, segundo a qualidade dos pecados e disposição dos penitentes. Não ocorra porém que devido a estas palavras os sacerdotes olhem com muita condescendência para as culpas e procedam com muita suavidade com os penitentes, impondo-lhes uma reparação muito leve por delitos graves, e sejam partícipes dos pecados alheios. Tenham pois sempre à vista que a reparação que impuserem, não somente sirva para que se mantenham em vida nova e os cure de sua enfermidade espiritual, mas também para compensação e castigo dos pecados passados, pois os antigos Padres acreditam e ensinam que as chaves foram concedidas aos sacerdotes, não apenas para desatar, mas também para ligar.
Nem por isso acreditaram que o sacramento da Penitência fosse um tribunal de indignação e castigos, e também jamais ensinaram a nenhum católico que a eficiência do mérito e reparação de nosso Senhor Jesus Cristo poderia ser obscurecida ou diminuída em parte por estas nossas reparações. Doutrina que não querendo estender os hereges modernos, em tais termos ensinam ser a vida nova e perfeita.
Cap. IX - Das obras reparadoras
Ensina também o Sagrado Concílio que é tão grande a liberalidade da divina benevolência que apenas podemos satisfazer a Deus Pai, mediante a graça de Jesus Cristo, com as penitências que voluntariamente empreendemos para reparar o pecado, ou com as que nos impõe a seu arbítrio o sacerdote com proporção ao delito, mas também o que é grande prova de seu amor com os castigos temporais que Deus nos envia e padecemos com resignação.
Doutrina do Santo Sacramento da Extrema-Unção
Também pareceu por bem ao Santo Concílio incluir à doutrina precedente da Penitência, a que se segue sobre o sacramento da Extrema-unção que os Padres tem olhado sempre como complemento não só da Penitência, mas também de toda vida Cristã, que deve ser uma penitência continuada.
Em relação à instituição da Extrema-unção, declara e ensina coisas que assim como nosso clementíssimo Redentor, com o intuito de que Seus servos estivessem sempre abastecidos de remédios saudáveis contra todos os ataques de seus inimigos, lhes preparou nos demais Sacramentos eficientes auxílios com os quais pudessem os Cristãos manter-se nesta vida, livres de todo grave prejuízo espiritual, e do mesmo modo fortaleceu o fim da vida com o sacramento da Extrema-Unção, como um socorro dos mais seguros, pois ainda que nosso inimigo busca e anda à caça de ocasiões, em todo o tempo da vida, para devorar, do modo que lhe seja possível nossas almas, em nenhum outro tempo, por certo, aplicará com maior veemência toda a força de suas astúcias para que nos percamos eternamente, e se puder, para fazer-nos despencar da Divina Misericórdia, que a circunstância na qual estamos próximos a sair desta vida.
Cap. I - Da instituição do sacramento da Extrema-unção.
A Unção dos enfermos foi intitulada como verdadeira e propriamente como um Sacramento da nova lei, persuadida pela verdade de Cristo nosso Senhor, segundo o Evangelista São Marcos, e recomendada e intimada aos fiéis pelo apóstolo São Tiago que diz:
"Se alguém estiver enfermo, então chamem-se os presbíteros da Igreja para que orem sobre ele ungindo-lhe com azeite em nome do Senhor, e a oração de fé salvará ao enfermo, e o Senhor lhe dará alívio, e se estiver em pecado, este lhe será perdoado."
Nestas palavras de tradição Apostólica propagada de geração a geração, aprendeu a Igreja, ensinada por São Tiago, a matéria, a forma e o ministro próprio, e o efeito deste salutar Sacramento.
A Igreja aprendeu que a matéria é o azeite bento pelo Bispo porque a Unção representa com muita propriedade a graça do Espírito Santo que invisivelmente unge a alma do enfermo, e além disso, a forma consiste naquelas palavras: "Por meio desta Santa Unção..."
Cap. II. Do efeito deste Sacramento
O fruto e o efeito deste Sacramento são explicados naquelas palavras: "E a oração de fé salvará o enfermo e o Senhor lhe dará o alívio, e se estiver em pecado, este será perdoado".
Este fruto, em verdade é a graça do Espírito Santo, cuja unção purifica os pecados, caso ainda reste alguns a serem expiados, assim como vestígios de algum pecado, alivia e fortalece a alma do enfermo, fazendo nascer nele uma grande confiança na Divina Misericórdia, e alentado com ela, poderá sofrer com mais tolerância a incomodidade e ações da enfermidade e também resistirá com maior facilidade às tentações do demônio, que lhe coloca considerações para fazer-lhe cair, e enfim o consegue em algumas ocasiões, a saúde do corpo e quando é conveniente, também a saúde da alma.
Cap. III - Do ministro deste Sacramento, e quando se deve administrar
E aproximando-nos a determinar quem devam ser as pessoas que recebam, bem como aquelas que possam administrar este Sacramento, lembramo-nos mais uma vez das claras palavras mencionadas, pois elas declaram que os ministros próprios da Extrema-unção são os presbíteros da Igreja, e sob esse nome se deve entender que no texto não foram mencionados os maiores de idade, ou os principais do povo, mas sim os Bispos ou os sacerdotes ordenados legitimamente por eles, mediante a imposição das mãos correspondente ao sacerdócio.
É declarado também que a Extrema-unção deve ser declarada aos enfermos, principalmente aqueles que estão em risco de vida, e daqui é que se entende o nome do Sacramento dos que estão de partida. Mas se os enfermos convalescerem depois de ter recebido esta sagrada Unção, poderão ser socorridos outra vez com o auxílio deste Sacramento quando chegarem a outro semelhante perigo de vida.
Com estes fundamentos não existe razão alguma para prestar atenção aos que pregam contra tão clara e evidente sentença do apóstolo São Tiago, que esta Unção é ou ficção dos homens, ou um rito concebido pelos Padres, mas que nem Deus o instituiu, e nem inclui em si a promessa de conferir a graça, como também não serve nem para atender aos que asseguram que já terminou, dando a entender que apenas se deve referir à graça de curar as enfermidades que houve na primitiva Igreja, nem aos que dizem que o ritual e uso observado pela Santa Igreja romana na administração deste Sacramento é oposto à sentença do Apóstolo São Tiago, e que por esta causa se deve mudar para outro ritual, nem finalmente aos que afirmam que os fiéis podem desprezar sem pecado este Sacramento, porque todas estas opiniões são evidentemente contrárias às palavras claríssimas do tão grande Apóstolo, e certamente nenhuma outra coisa é observada pela Igreja Romana, mãe e mestra de todas as demais na administração deste Sacramento, em relação de quanto contribui para completar sua essência senão exatamente o mesmo que prescreveu o bem aventurado São Tiago. Nem poderia por certo, menosprezar-se Sacramento tão grande, sem gravíssimo pecado e injúria ao próprio Espírito Santo.
Isto é o que professa e ensina este Santo e Ecumênico concílio sobre os Sacramentos da Penitência e Extrema-unção, e o que propõe para que o creiam e sempre se lembrem todos os fiéis Cristãos. Decreta também que os seguintes Cânones devem ser observados inviolavelmente e condena e excomunga para sempre os que afirmem em contrário.
Cânones do Santo Sacramento da Penitencia
Cân. I - Se alguém disser que a Penitência na Igreja Católica não é verdadeira e propriamente Sacramento instituído por Cristo nosso Senhor para que os fiéis se reconciliem com Deus quantas vezes caiam em pecado depois do Batismo, seja excomungado.
Cân. II - Se alguém disser que a Penitência e o Batismo são o mesmo Sacramento, como se estes Sacramentos não fossem distintos, e portanto não se dá à penitência o nome de Segunda Tábua depois do naufrágio, seja excomungado.
Cân. III - Se alguém disser que aquelas palavras de nosso Senhor e Salvador: "Recebei o Espírito Santo: os pecados que perdoares ficarão perdoados e aqueles a que não perdoares não serão perdoados", não devem entender-se como poder de perdoar ou não perdoar os pecados no Sacramento da Penitência, como o é entendido desde o princípio pela Igreja Católica, e em vez disso as distorça e as entenda (contra a instituição deste Sacramento), simplesmente como uma autoridade de pregar o Evangelho, seja excomungado.
Cân. IV - Se alguém negar, que se requerem, para o inteiro e perfeito perdão dos pecados, três atos por parte do penitente, que são a matéria do Sacramento da Penitência, a saber: a Contrição, a Confissão e a Reparação, que se chamam as três partes da Penitencia, ou ainda que disser que são apenas duas partes, a saber: o terror que, conhecida a gravidade do pecado, aparece na consciência, e a fé concebida pela promessa do Evangelho ou pela absolvição, segundo a qual se acredita que qualquer pecado já está perdoado pelo sacrifício de Jesus Cristo, seja excomungado.
Cân. V - Se alguém disser que a Contrição que se consegue com o exame de consciência, relacionando e detestando os pecados, cuja Contrição é exercida pelo penitente em toda sua vida com uma dor amarga de seu coração, ponderando a gravidade de seus pecados, a diversidade e indignidade deles, a perda da eterna bem-aventurança, e a pena de condenação eterna em que incorreu, anexando o propósito de melhorar de vida, não é dor verdadeira nem útil, nem predispõe as pessoas para a graça, senão que lhe faz hipócrita e mais pecador, e que atualmente a Contrição é uma dor forçada e não livre nem voluntária, seja excomungado.
Cân. VI - Se alguém negar que a Confissão sacramental que está instituída, não é necessária e de Direito Divino, ou disser que o modo de confessar em segredo com o sacerdote, adotado desde o princípio pela Igreja, e observa até o presente, é alheio da instituição e preceito de Jesus Cristo, e que é invenção dos homens, seja excomungado.
Cân. VII - Se alguém disser que não é necessário e nem de Direito Divino confessar no sacramento da Penitência para alcançar o perdão dos pecados, todas e cada uma das culpas mortais que com o devido e minucioso exame de consciência se traga à memória, ainda que sejam ocultas e cometidas contra os dois últimos preceitos do Decálogo, nem que é necessário confessar as circunstâncias em que ocorreram os pecados, senão que esta confissão apenas é útil para dirigir e consolar o penitente, e que antigamente essa confissão foi observada apenas para impor penitências canônicas, ou disser que aqueles que procuram a confissão nada querem deixar para o perdão proveniente da divina misericórdia, ou finalmente, que não é lícito confessar os pecados veniais, seja excomungado.
Cân. VIII - Se alguém disser que a Confissão de todos os pecados como observa a Igreja, é impossível, e que é uma tradição humana que deve ser abolida, ou que todos e cada um dos fiéis cristãos de ambos os sexos não estão obrigados a confessar pelo menos uma vez por ano conforme a constituição do Concílio de Latrão, e que por esta razão deve-se persuadir a todos os fiéis cristãos que não se confessem no tempo da Quaresma, seja excomungado.
Cân. IX - Se alguém disser que a Absolvição sacramental que é dada pelo sacerdote, não é um ato judicial, senão mero ministério de pronunciar e declarar que os pecados serão perdoados ao penitente, com a única condição de que acredite que está absolvido, ou que o sacerdote faça uma absolvição não séria mas apenas por trapaça ou zombaria, ou disser que a confissão do penitente não é necessária para que o sacerdote o absolva, seja excomungado.
Cân. X - Se alguém disser que os sacerdotes que estejam em pecado mortal não tenham poder de perdoar ou não perdoar, ou que não só os sacerdotes são ministros da absolvição, mas que Cristo falou "tudo que atares na terra será também atado no céu, e o que não atares na terra não será atado no céu" a todos os fiéis, assim como "os pecados que perdoarem serão perdoados, e os que não perdoares não serão perdoados" , e assim, qualquer pessoa poderia absolver os pecados, os públicos apenas por correção, se o penitente consentir, e os secretos por confissão voluntária, seja excomungado.
Cân. XI - Se alguém disser que os Bispos não têm direito de reservarem para si alguns casos, senão os que visam à gerência exterior da Igreja, e que por esta causa, a reserva de casos não impede que o sacerdote absolva efetivamente aos casos reservados, seja excomungado.
Cân. XII - Se alguém disser que Deus perdoa sempre a toda a pena juntamente com a culpa, e que a reparação dos penitentes não é mais que a fé com que aprendem que Jesus Cristo tenha reparado por eles, seja excomungado.
Cân. XIII - Se alguém disser que de nenhum modo Deus estará satisfeito, pois em virtude dos méritos de nosso Senhor Jesus Cristo em relação à pena temporal correspondente aos pecados, com os trabalhos que Ele mesmo nos envia, e sofremos com resignação, ou com os que impõe o sacerdote, ou nem mesmo com aqueles que empreendemos voluntariamente, tais como jejuns, orações, esmolas ou outras obras de piedade, e portanto, que a melhor penitência é apenas a nova vida, seja excomungado.
Cân. XIV - Se alguém disser que as reparações com as quais, mediante a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, redimem os penitentes de seus pecados, não são culto de Deus, senão tradições humanas que obscurecem a doutrina da graça, o verdadeiro culto a Deus, e também ao benefício da morte de Cristo, seja excomungado.
Cân. XV - Se alguém disser que as chaves foram dadas à Igreja apenas para desatar, e não para ligar, e por conseguinte, que os sacerdotes que impõe penitências aos que se confessam, trabalham contra a finalidade primeira das chaves, e contra a instituição de Jesus Cristo, e que é ficção que na maioria das vezes essas penitências se tornam penas temporais em vez de perdoar em virtude das chaves, quando já está perdoada a pena eterna, seja excomungado.
Cânones do Santo Sacramento da Extrema-Unção
Cân. I - Se alguém disser que a Extrema-unção, não é verdadeira e propriamente um sacramento instituído por Cristo nosso Senhor, e promulgado pelo bem-aventurado apóstolo São Tiago, senão que apenas é uma cerimônia feita pelos Padres, ou uma ficção dos homens, seja excomungado.
Cân. II Se alguém disser que a sagrada Unção dos enfermos não confere graça e nem perdoa os pecados, nem alivia aos enfermos, mas que já está terminado, como se apenas tivesse sentido nos tempos antigos a graça de curar as enfermidades, seja excomungado.
Cân. III - Se alguém disser que o rito e uso da Extrema-Unção observados pela Santa Igreja Romana se opõe à sentença do bem-aventurado Apóstolo São Tiago, e que por esta razão devem ser mudados e que os cristãos podem desprezá-los sem incorrer em pecado, seja excomungado.
Cân. IV - Se alguém disser que os presbíteros da Igreja, que o bem-aventurado São Tiago exorta que se dirijam a ungir ao enfermo, não são os sacerdotes ordenados pelo Bispo, mas sim os mais idosos de qualquer comunidade, e que por esta causa não é apenas o sacerdote o ministro apropriado da Extrema-Unção, seja excomungado.
Decreto sobre a Reforma
Prefácio
É obrigação dos Bispos admoestar seus súditos, em especial os que tem almas a serem cuidadas, a que cumpram com seu ministério.
Sendo obrigação própria dos Bispos corrigir os vícios de todos os súditos, devem precaver principalmente que os clérigos, em especial os destinados a cuidar de almas, não sejam criminosos, nem vivam desonestamente, pois se lhes permitem viver com maus e corrompidos costumes, como os Bispos repreenderão aos leigos seus vícios, podendo estes convencê-los com uma só palavra, a saber, porque permitem que os clérigos sejam piores? E com que liberdade poderão também repreender os sacerdotes aos leigos, quando interiormente sua consciência lhes diz que cometeram o mesmo que repreendem?
Portanto, admoestarão os Bispos, a seus clérigos, de qualquer ordem que sejam, que dêem bom exemplo em seu trato, em suas palavras e doutrina, ao povo de Deus que está a seus cuidados, lembrando-se do que diz a Escritura: "Sede santos, pois Eu o sou". E segundo as palavras do Apóstolo: "A ninguém dêem escândalos, para que não se censure seu ministério, mas portem-se em tudo como ministros de Deus, de modo que não se verifique neles os dizeres do Profeta: sacerdotes de Deus contaminam o santuário e manifestam que reprovam a lei".
E para que os Bispos possam conseguir isto com maior liberdade e não possam ser impedidos daqui para a frente, nem estorvar com pretexto nenhum, o mesmo Sacrossanto, Ecumênico e Geral Concílio de Trento, presidido pelos mesmos Legados e Núncios da Sé Apostólica, teve por bem estabelecer e decretar os seguintes cânones:
Cap. I - Se os que estão proibidos de ascender às ordens, se os que estão impedidos, se os suspensos, ascenderem a elas sejam castigados.
Sendo mais decoroso e seguro ao súdito servir em ministério inferior, prestando a obediência devida a seus superiores, que aspirar a dignidade de mais alta hierarquia com escândalos destes próprios, não seja válida qualquer licença para ser promovido contra a vontade de seu Prelado, a ninguém a quem esteja impedido para esta ascensão às ordens sagradas por qualquer motivo que seja, ainda que seja por delito oculto de qualquer tipo, ainda que seja extra-judicialmente, como nem tão pouco sirva a restituição ou o restabelecimento em suas primeiras ordens, graus, dignidade e honras àquele estiver suspenso de suas ordens ou graus, ou dignidades eclesiásticas.
Cap. II - Se o Bispo conferir quaisquer ordens a quem não for seu súdito, ainda que seja seu familiar, sem o expresso consentimento do próprio Prelado, ficam sujeitos, um e outro à pena estabelecida
E pelo motivo de alguns Bispos serem indicados para igrejas que se acham em poder dos infiéis, precisando de clero e povo cristão, vivendo quase como vagabundos e não tendo sequer residência permanente, buscam não o que é de Jesus Cristo, mas sim ovelhas alheias, sem que disto tome conhecimento o próprio pastor, vendo que lhes proíbe este Sagrado Concílio exercer ministério pontifical em dioceses alheias, sem ter licença expressa pelo Ordinário do lugar, restringida apenas às pessoas sujeitas ao mesmo Ordinário, elegem temerariamente em fraude e desprezo da lei, como sede episcopal lugares isentos de toda diocese, e se atrevem a distinguir com o caráter clerical e promover as sagradas ordens, até mesmo a de sacerdócio, a qualquer pessoa que lhes sejam apresentadas, ainda que tenham restrições de seus Bispos ou Prelados, do que resulta comumente que ordenando-se pessoas menos idôneas, rudes e ignorantes, e reprovadas por serem inábeis e indignas por seus Bispos, não podem desempenhar seus divinos ofícios, nem administrar bem os Sacramentos da Igreja.
Nenhum Bispo daqueles intitulados Titulares possa promover súdito algum de outro Bispo às sagradas ordens, nem às menores, ou primeira tonsura3, nem ordenar-lhes em locais de quaisquer dioceses, mesmo que seja local isento, nem em mosteiros de quaisquer ordens, mesmo que pertençam a elas, ou se detenham neles, devido a qualquer privilégio que lhes tenha sido concedido por certo tempo para promover a qualquer pessoa que se lhes apresente, nem que seja com o pretexto de que o ordenando é seu familiar e comensal perpétuo, se não tiver este expresso consentimento ou prerrogativas de seu próprio Prelado. Aquele que fizer esta contravenção, fique suspenso "ipso jure" das funções pontificais pelo tempo de um ano, e os que forem promovidos, perderão também o exercício de suas ordens, segundo a vontade de seu Prelado.
Cap. III - Os Bispos poderão suspender seus clérigos legitimamente promovidos por outro Bispo, se não os achar idôneos.
Possa o Bispo suspender por todo o tempo que lhe parecer conveniente, do exercício das ordens recebidas, e proibir que sirvam no altar, ou em qualquer grau, a todos os clérigos, em especial aos que estejam ordenados "in sacris", que tenham sido promovidos por qualquer outra autoridade sem que fossem submetidos a exame e apresentassem seus títulos, ainda que estejam aprovados como hábeis pelo mesmo Bispo que lhe confirmou as ordens, sempre que os ache menos idôneos e capazes que o necessário para celebrar os ofícios divinos ou administrar os sacramentos da Igreja.
Cap. IV - Não será eximido nenhum clérigo da correção do Bispo, ainda que seja fora da visita
Todos os Prelados eclesiásticos, cuja obrigação é exercer o máximo cuidado e empenho em corrigir os excessos de seus súditos, e de cuja jurisdição não se há de ter como isentos, segundo os estatutos deste santo Concílio, clérigo nenhum, com o pretexto de qualquer privilégio que seja, para que não se possa visitar, castigar e corrigir, segundo o estabelecido nos cânones, tenham a faculdade, residindo em suas igrejas, de corrigir e castigar a quaisquer clérigos seculares que de qualquer maneira estejam isentos, como por outra parte estejam sujeitos a sua jurisdição, de todos seus excessos, crimes e delitos, sempre e quando seja necessário, e ainda que seja fora do tempo da visita, como delegados nisto na Sé Apostólica, sem que sirvam de modo algum aos ditos clérigos, nem a seus parentes, capelães, familiares, procuradores, nem a outros quaisquer, por contemplação e condescendência, aos mesmos isentos, nenhumas exceções, declarações, costumes, sentenças, juramentos, nem acordos que apenas obriguem a seus autores.
Cap. V - São fixados limites de jurisdição dos juizes conservadores
Além disso, havendo algumas pessoas que sob desculpa que lhes fazem diversas injustiças e são molestados em relação a seus bens, fazendas e direitos, conseguem cartas conservatórias as quais são assinadas por determinados juízes para que os amparem e defendam destas injúrias ou incômodos, e os mantenham e conservem na processão de seus bens, fazendas e direitos, sem que jamais sejam molestados sobre isto, distorcendo as referidas cartas em grande parte no mau sentido, contra o princípio de quem as concedeu, portanto a ninguém, de qualquer dignidade ou condição que seja, ainda que seja um preposto, sirvam absolutamente as cartas conservatórias, sejam quais forem as cláusulas ou decretos que estejam incluídos, ou os juízes que as assinem, ou seja qualquer que for o pretexto com que foram concedidas, para que não possa ser acusado e citado e ser inquirido ou processado perante seu Bispo, ou ante outro superior Ordinário, nas cláusulas criminais e mistas, ou para que, em caso de pertencer-lhe por cessão, alguns direitos, não possa ser citado livremente sobre eles, ante o juiz ordinário.
Também não lhe seja de modo algum permitido nas cláusulas civis, nos casos que processe como autor, citar a nenhuma pessoa para que seja julgada ante seus juízes conservadores e se acontecer que nas causas em que for réu, ponha o autor alguma suspeita sobre o conservador que haja escolhido ou se for suscitada alguma controvérsia sobre a competência de jurisdição entre os mesmos juízes, ou seja, entre o conservador e o Ordinário, não seja passado adiante na causa, até que seja dada a sentença pelo juiz árbitro que se escolherem segundo a forma de direito sobre a suspeita ou sobre a competência de jurisdição.
Também não podem servir as cartas conservatórias aos familiares, nem empregados domésticos de quem as obtém, que possam amparar semelhantes cartas, com exceção apenas de dois empregados domésticos, com o requisito de que estes vivam às expensas daquele que obtém o privilégio. Também não possa ninguém desfrutar mais de cinco anos o benefício das cartas conservatórias. Também não seja permitido aos juízes conservadores ter tribunal aberto. Nas causas de graças, favores, ou de pessoas pobres, deve permanecer em todo seu vigor o decreto expedido sobre essas cartas por este santo Concílio, mas as universidades gerais e os clérigos doutores ou estudantes, e as casas dos Regulares4, assim como os hospitais que atualmente exercem a hospitalidade e igualmente as pessoas das universidades, colégios, lugares e hospitais mencionados, de nenhum modo estão incluídos no presente decreto, porém ficam inteiramente isentos e saiba-se que assim estão.
Cap. VI - Decretem-se penas contra os clérigos que ordenados "in sacris" ou que possuem benefícios, não usem hábitos correspondentes à sua ordem
Ainda que a vida religiosa não consista no hábito, mesmo assim é devido aos clérigos que usem sempre os hábitos correspondentes às ordens que tiverem, para mostrar na decência das vestes exteriores a pureza interior dos costumes, e mesmo que chegou a tanto a temeridade de alguns, e o menosprezo da religião que estimando muito pouco sua própria dignidade e a honra do estado clerical, usam publicamente roupas seculares, caminhando ao mesmo tempo por caminhos opostos, colocando um pé na igreja e outro no mundo, portanto, todas as pessoas eclesiásticas, por mais isentas que sejam, que tiverem ordens maiores, ou que tenham obtido dignidades, ofícios, ou quaisquer outros benefícios eclesiásticos se depois de admoestadas por seu respectivo Bispo, ainda que seja por meio de edital público, não usarem hábito clerical, honesto e proporcionado por sua ordem e dignidade, conforme a ordenação e mandamento do mesmo Bispo, possam e devam ser intimadas a usá-lo, sob pena de suspensão de suas ordens, ofícios, benefícios, frutos, rendas e proveitos dos mesmos benefícios, além disso, se uma vez corrigidas voltarem a delinqüir, deverão perder os tais ofícios e benefícios, inovando e ampliando a constituição de Clemente V, publicada no Concílio de Viena, cujo princípio é "Quoniam".
Cap. VII - Nunca se confiram ordens aos homicidas voluntários e como devem ser conferidas aos causais
Deverá ser removido do altar aquele que tenha matado a seu próximo com premeditação e/ou traiçoeiramente, e não poderá também ser promovido em tempo algum às sagradas ordens, qualquer pessoa que haja cometido voluntariamente um homicídio, ainda que não lhe tenha sido provado esse crime na alçada judicial, nem seja público de modo algum, mas oculto. Nem seja lícito também conferir-lhe quaisquer benefícios eclesiásticos ainda que sejam aqueles onde não existam almas a serem cuidadas. Que fique portanto, perpetuamente privado de toda ordem, ofício e benefício eclesiástico.
Caso essa pessoa possa provar que não cometeu o homicídio propositadamente, mas sim involuntariamente, ou que foi em legítima defesa de sua vida, em cujo caso, de certo modo, se lhe deva de direito, a autorização para o ministério das ordens sagradas e do altar e para obter quaisquer benefícios ou dignidades, o caso deverá ser levado ao Bispo do lugar, ou ao Metropolitano, ou ao Bispo mais próximo, o qual não concederá a autorização sem o devido conhecimento de causa, e depois de analisar essa causa e as petições, e as achar conforme, jamais de outro modo.
Cap. VIII - Não seja lícito a ninguém, por maior privilégio que tenha, castigar clérigos de outra diocese
Como existem diversas pessoas, e entre elas, alguns que são verdadeiros pastores e tem suas próprias ovelhas, que procuram influir sobre as alheias, dedicando tanto cuidado com os súditos estranhos, que abandonam os seus próprios; qualquer um que tenha esse privilégio e poder para castigar os súditos alheios, não deverá, mesmo que seja Bispo, proceder de nenhuma maneira contra os clérigos que não estejam sujeitos à sua jurisdição, em especial se tiverem ordens sagradas, mesmo que sejam réus de quaisquer delitos, por mais atrozes que sejam. Então, essa intervenção ou castigo deverá ser feita pelos Bispos próprios desses clérigos delinqüentes, se residirem em sua igreja, ou de alguma pessoa que o próprio Bispo nomeie. A não ser assim, o processo, e tudo que dele provenha, seja considerado sem valor e sem nenhum efeito.
Cap. IX - Não se unam por nenhum pretexto os benefícios de uma diocese com os de outra
E como, por muitíssimas razões, foram separados os domínios das dioceses e paróquias, e cada rebanho destinado a pastores específicos, e às igrejas menores, seus respectivos curas, que cada um em particular deva cuidar de suas respectivas ovelhas, com a finalidade de que não se confunda a ordem eclesiástica nem que uma igreja pertença de nenhum modo a duas dioceses com grave incomodidade dos paroquianos.
Não se unam perpetuamente os benefícios de uma diocese, ainda que sejam igrejas paroquiais, vigárias, perpétuas, ou benefícios simples, ou auxiliares, ou em parte auxiliares, por benefício, ou mosteiro, ou colégio, nem a outra fundação piedosa de diocese alheia, nem ainda com o motivo de aumentar o culto divino ou o número dos beneficiados nem por qualquer outra causa, declarando que se deve entender assim o decreto deste sagrado Concílio, sobre semelhantes uniões.
Cap. X - Não sejam conferidos os benefícios normais senão aos regulares
Se chegarem a ficar vagos os benefícios regulares que se possa prover e expedir título aos regulares professos, por morte ou renúncia da pessoa que os obteve por título ou de qualquer outro modo, não sejam conferidos esses benefícios senão a religiosos da mesma ordem, ou aos que tenham absoluta obrigação de usar seu hábito e fazer dessa sua profissão, para que não se dê o caso que vistam uma roupagem de linho em vez de lã.
Cap. XI - Os que passam a outra ordem, vivam em obediência dentro dos mosteiros e sejam incapazes de obter benefícios seculares
Apesar de que os regulares que passam de uma ordem a outra botem facilmente licença de seus superiores para viver fora do mosteiro e com isso lhes são dadas as ocasiões para serem vagabundos e apóstatas, nenhum Prelado ou superior de ordem alguma, possa em virtude de qualquer faculdade ou poder que tenha, admitir a pessoa alguma a seu hábito ou profissão, senão permanecer em vida clausular perpetuamente na mesma ordem a que se transferir, sob a obediência de seus superiores e aquele que passe deste modo, ainda que seja clérigo regular, fique absolutamente incapaz de obter benefícios seculares, nem também aos que se tornem curas.
Cap. XII - Ninguém obtenha direito de patronato a não ser por fundação ou dotação
Que ninguém, de qualquer dignidade que seja, tanto eclesiástica como secular, possa nem deva impetrar nem obter por nenhum motivo o direito de patronato, se não fundar ou construir uma nova igreja, benefício ou capelania, ou dotar eficazmente com seus bens, a que esteja já fundada e que não tenha dotações suficientes. No caso de uma fundação ou dotação, fica reservado ao Bispo, e a nenhuma pessoa de ordem inferior, a mencionada nomeação de patrono.
Cap. XIII - Faça-se a apresentação ao Ordinário, e de outro modo, tenha-se por nula a apresentação e instituição
Além disso, não seja permitido ao patrono, sob pretexto de nenhum privilégio que possua, apresentar de nenhuma maneira, pessoa alguma para obter benefícios do patronato que lhe pertence, senão ao Bispo, que seja o Ordinário do lugar, a quem, segundo o direito, e cessando o privilégio, pertenceria a provisão ou instituição do mesmo benefício. De outro modo, sejam e tenham-se por nulas a apresentação e instituição que acaso tenham tido efeito.
Cap. XIV - Que em outra ocasião se tratará da Missa, do Sacramento da Ordem e da reforma
Declara também, além disso, o Santo Concílio, que na próxima Sessão que já está determinada a se realizar no dia 25 de janeiro do ano seguinte de 1552, se há de discutir e tratar do sacramento da Ordem, juntamente com o sacrifício da Missa, e também haverão de ser prosseguidas as matérias da reforma.
1Penitência: O sacramento que inclui o arrependimento (contrição), confissão, e reparação, (onde estão incluídas as penalidades que nos são impostas pelos sacerdotes) e da absolvição. (N.do T.)
2Atrição: pesar por haver ofendido a Deus pelo temor do castigo. (N.do T.)
3Tonsura: cerimônia religiosa em que o Prelado dava cortes no cabelo da pessoa que estava prestes a se ordenar como sacerdote; corte circular rente que era usado pelos clérigos; "coroa de padre". (N.do T.)
4Regulares: clérigos que normalmente são moradores nas próprias paróquias e que exercem o sacerdócio nomeados pelos Bispos locais. (N.do T.)
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Sessão XIV do Concílio de Trento - Doutrina do Santo Sacramento da Penitência
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