Homilia da Solenidade de Todos os Santos


Creio que já todos fizemos a experiência, ou conhecemos alguém que tenha passado por ela, de se ver confrontado com o número dos marcados pelo selo de Deus, cento e quarenta e quatro mil, que escutámos na leitura do livro do Apocalipse.
É um número que nos choca e que nos retira a capacidade de leitura e atenção ao que se segue e verdadeiramente nos interessa. De facto o número cento e quarenta e quatro mil não é mais que uma realidade simbólica resultante da multiplicação de doze por doze, elevada aos milhares para significar uma plenitude.
Mas mais que esta plenitude, dirigida particularmente às tribos do povo de Israel, está a plenitude daquela multidão situada diante do cordeiro, uma multidão que ninguém podia contar, vinda de todas as tribos, línguas e nações, e que tinha lavado a sua túnica no sangue do cordeiro.
Este número incontável não é mais que a própria santidade de Deus, aqueles que criados à imagem e semelhança de Deus viveram de modo a tornaram essa santidade presente no mundo e na história. Como diz Santo Ireneu, a glória de Deus é o homem vivo, e estes que estão presentes diante do cordeiro são o testemunho glorioso da santidade de Deus.
Como criaturas de Deus, à sua imagem e semelhança, fomos criados para a santidade, para ser santos como Deus é santo, como nos convida o próprio Verbo encarnado, Jesus Cristo. Pelo orgulho e pela idolatria da nossa própria natureza perdemos este dom natural, esta qualidade, mas não perdemos a sua necessidade nem o seu desejo.
Na nossa finitude e nas nossas limitações Deus convida-nos a prosseguir na semelhança, na configuração à santidade e para isso não só nos confiou os mandamentos da lei de Deus, mas também as Bem-Aventuranças que escutámos no Evangelho de São Mateus. São elementos da terapia para a nossa santificação.
Santificação que passa pelas nossas realidades humanas, por realidades tão comuns como o respeito e o amor devido aos pais, expressado num dos mandamentos da lei de Deus, ou como a justiça e a verdade face aos nossos semelhantes, àqueles com quem trabalhamos e convivemos, expressada numa das Bem-Aventuranças.
Ao celebrarmos com alegria todos os santos de Deus, neste primeiro dia de Novembro, celebramos a santidade de Deus presente e expressa na vida e na história dos homens, em muitas vidas que nos são desconhecidas, mas que tornaram presente a santidade a que todos estamos chamados pela nossa própria natureza de criaturas de Deus.
Por outro lado, celebramos também as suas dificuldades e fraquezas, as suas limitações humanas e aprendemos com elas que Deus não deixa de estar aí presente, que frequentemente são essas mesmas realidades que tornam mais gritante o apelo de Deus à santificação. E por esta razão, apesar das nossas infidelidades e fraquezas, não nos podemos considerar como excluídos da missão santificadora, como algo que nos supera e portanto exclusiva de alguns eleitos. Estamos todos chamados à santidade e podemos torná-la activa e presente em todos os momentos da nossa vida.
E se por qualquer motivo esta santificação nos parecesse como algo externo, como uma imposição à nossa liberdade, a Carta de São João liberta-nos dessa desculpa e preconceito. Por Jesus Cristo somos filhos de Deus, mas ainda não se manifestou totalmente o que havemos de ser, porque quando se manifestar seremos semelhantes a Deus, ou seja, seremos santos, participaremos plenamente da santidade divina.
Não estamos assim coagidos a nada, coagidos a ser santos, mas convidados, solicitados, a viver em plenitude aquela condição que nos é natural, a santidade, santificando tudo aquilo que vivemos e tocamos, manifestando a presença da santidade de Deus nos mundo e na nossa história.
Peçamos a Deus, por intercessão de todos os Santos, que o Espirito Santo ilumine o nosso coração e nos dê a sabedoria para vivermos este convite e este desafio com confiança e muito amor, conscientes que a glória de Deus é a nossa própria vida humana santificada.

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