As virtudes do Bom Ladrão e a segunda palavra de Jesus na cruz

 Observam os santos Padres que o Bom Ladrão, reconhecendo em Jesus crucificado o seu verdadeiro Deus, confessando-O como tal na presença de seus inimigos e recomendando-se-Lhe, deu exemplos das mais sublimes virtudes. Pelo que o Senhor lhe fez com razão a bela promessa de que naquele mesmo dia havia de gozar das delícias do paraíso. Meu irmão, o Senhor não se mudou, e, portanto, se porventura tivéssemos imitado o ladrão em seus desvarios, imitemo-lo também na sua conversão sincera a Deus e também teremos a mesma sorte feliz.

I. Para que o nome de Jesus Cristo ficasse eternamente difamado, os judeus crucificaram-No entre dois ladrões, como usurpador sacrílego da divindade; cumprindo assim a profecia de Isaías: Et cum sceleratis reputatus est (1). — "Ele foi colocado no número dos malfeitores". O Senhor permitiu esta malícia diabólica afim de nos dar um belo exemplo de conversão sincera e, ao mesmo tempo, uma prova exímia de sua infinita misericórdia.

Refere São Lucas que dos dois ladrões um ficou obstinado e outro se converteu. Este, vendo que seu companheiro perverso blasfemava contra o Senhor, pôs-se a repreendê-Lo dizendo que eles eram castigados conforme mereceram, mas que Jesus era inocente e não tinha feito mal algum. E depois , volvendo-se para o próprio Jesus, disse: Domine, memento mei, cum veneris in regnum tuum (2). — "Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu reino". Com estas palavras, reconheceu-O por seu verdadeiro Senhor, e, segundo observa Arnoldo de Chartres, deu provas das mais belas virtudes: Ibi credit, poenitet, praedicat, amat, confidit et orat — "Ele crê, arrepende-se, prega, ama, confia e ora".

Na cruz, o bom ladrão praticou a fé, crendo, como diz São Gregório, que Jesus Cristo, depois de morto, havia de entrar triunfante no reino de sua glória. Praticou penitência, confessando que merecia a morte e não se atrevendo, na palavra de Santo Agostinho, a esperar perdão antes da confissão de suas culpas. Pregou, exaltando a inocência de Jesus. Praticou, sobretudo, o amor para com Deus, aceitando com resignação a morte em expiação de seus pecados. Pelo que São Cipriano não hesita em chamá-lo verdadeiro mártir, batizado em seu próprio sangue. Felizes de nós, se, tendo seguido o ladrão em seus desvarios, o imitarmos também na sua conversão sincera a Deus! .

II. À súplica do bom ladrão, respondeu Jesus unicamente prometendo-lhe para o mesmo dia o paraíso: "Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no paraíso". Escreve um sábio escritor que, em virtude desta promessa, o Senhor, no mesmo dia e imediatamente depois da morte, se lhe mostrou a descoberto e tornou-o felicíssimo, muito embora não lhe comunicasse todas as delícias do céu antes de ali entrar.

Consideremos neste fato a bondade de Deus, que sempre concede mais do que se lhe pede; porquanto, como observa Santo Ambrósio, o bom ladrão pediu tão somente a Jesus Cristo que se lembrasse dele e no mesmo instante Jesus Cristo lhe promete e lhe dá o paraíso. Observa, além disso, São João Crisóstomo, que antes do bom ladrão ninguém merecera a promessa do paraíso. Realizou-se então o que Deus disse pela boca de Ezequiel que, quando o pecador se arrepende de seus pecados com coração sincero, Deus os perdoa de tal modo, como se não se lembrasse mais das injúrias recebidas: Si autem impius egerit poenitentiam, omnium iniquitatum eius non recordabor (3).

Consideremos ainda que, para o mau ladrão, a cruz padecida com impaciência foi causa de maior perdição no inferno, ao passo que para o bom ladrão a cruz padecida com paciência se tornou escada do paraíso. - Feliz de ti, ladrão santo, que tiveste a ventura de unir a tua morte à de teu Salvador! Ó meu Jesus, d'oravante consagro-Vos toda a minha vida, e peço-Vos a graça de, na hora da morte, poder unir o sacrifício de minha vida ao que oferecestes a Deus sobre a cruz. Pelos méritos desse vosso sacrifício espero morrer em vossa graça, amando-Vos com amor puro e livre de todo o afeto terreno, afim de continuar a amar-Vos com todas as minhas forças por toda eternidade. — Ó Maria, minha aflita Mãe, alcançai-me a santa perseverança. (*I 669.)

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1. Is. 53, 12.
2. Luc.23, 42.
3. Ez. 18, 21 et 22.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 165 - 167.)

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