Ordo Missae - Introdução


ARNALDO VIDIGAL XAVIER DA SILVEIRA
CONSIDERAÇÕES
SOBRE O “ORDO MISSAE”
DE PAULO VI
1970


INTRODUÇÃO

Uma consideração atenta dos acontecimentos contemporâneos obriga a reconhecer que toda a razão tinha o Santo Padre João XXIII ao dizer que é um antidecálogo que pauta a ação dos homens e das sociedades em nossos dias. O mais grave dessa situação consiste em que atualmente, como no tempo do modernismo condenado por São Pio X, “os fabricantes de erros ocultam-se no seio e no próprio grêmio da Igreja” (Enc. “Pascendi”). Foi o que salientou Paulo VI ao declarar, numa expressão lapidar e que logo se tornou célebre, que a Santa Igreja parece envolvida num processo de autodemolição, levado a cabo por seus próprios filhos.
Em meio a esse movimento generalizado de desagregação, ao almas fiéis voltam-se, como que instintivamente, para a Cátedra de Pedro, em busca de uma orientação clara e enérgica, que ponha cobro aos desatinos que grassam em meios católicos. Àquele que é o “doce Cristo na Terra” (Santa Catarina de Siena), e longe de quem não há palavras de vida eterna, os católicos dirigem o apelo com que o povo eleito implorou a Jefté que o dirigisse na luta contra os amonitas: “Vem e sê o nosso chefe” (Juízes 11,6).

Entretanto, surpresas e perplexidades perturbadoras parecem toldar a esperança que anima aos devotos incondicionais do Pontificado Romano. Com efeito, tanto nos arraiais neomodernistas quanto em certos meios tradicionalistas, dão-se fatos que, a títulos opostos, numerosas almas bem intencionadas não vêem como conciliar com o princípio da indefectibilidade da Sé de Pedro.

Entre os neomodernistas, proclama-se em altos brados e impunemente que já não se pode entender o primado papal nos termos do I concílio do Vaticano. Diz-se sem rodeios que definições até agora tidas como infalíveis, na verdade continham erros e estão “superadas”. Ensina-se o princípio da evolução substancial dos dogmas. Prega-se uma Igreja democrática, dessacralizada e desalienada (ver “Catolicismo”, abril-maio de 1969). - Dentro dessa perspectiva, que sentido tem depositar ainda uma confiança inquebrantável no sucessor do Príncipe dos Apóstolos?

E, por outro lado, entre os próprios defensores mais ardorosos das prerrogativas pontifícias, veiculam-se noções que, a um observador superficial e pouco conhecedor da doutrina católica, parecem contribuir ainda mais para abalar a fé na Coluna da Verdade. Receia-se, por exemplo, que em recentes documentos pontifícios e conciliares encontrem-se erros. Propala-se mesmo, ora às claras, ora veladamente, que princípios heretizantes têm inspirado atos e pronunciamentos da Santa Sé. Alega-se que a corrente neomodernista tem sido sistematicamente favorecida nos mais diversos níveis da hierarquia católica; que os teólogos mais prestigiados na Igreja são justamente os propugnadores de uma nova religião, misto de catolicismo, marxismo, teilhardismo, fenomenologia, etc.; que se vêm introduzindo formas de culto de sabor inconfundivelmente protestante; que a cidadela católica tem sido deixada à mercê de uma nova moral, que nega ou põe em dúvida a doutrina tradicional sobre o igualitarismo, a propriedade privada, a finalidade e a indissolubilidade do matrimônio, a castidade, as virtudes sacerdotais e religiosas, a vida ascética em geral.

Haverá exagero nesse quadro apresentado pelos defensores das doutrinas tradicionais? Não há negar que certos fatos públicos e notórios, pelo menos não permitem contestá-los liminarmente.

E, por outro lado, as tentativas de estabelecer uma “terceira força” ou uma “via moderna” entre progressistas e tradicionalista, não faz aumentar a confusão dos espíritos. Pois redunda inevitavelmente - e de fato tem sempre redundado - em favorecer uma penetração mais lenta e sutil, e por isso mesmo mais profunda e perigosa, dos mesmos erros propugnados pelos neomodernistas radicais.

Assim sendo, numerosos católicos fiéis vêem-se perplexo. Terão razão - perguntam eles - os progressistas que bradam em alta voz que “a Igreja mudou”? Caso não tenham eles razão - como não podem ter - que explicação dar a tantos acontecimentos estranhos e incompreensíveis que se passam em torno de nós? Ter-se-ão abalado as colunas do firmamento? Terá sido vã a promessa de indefectibilidade com que Cristo dotou a sua Esposa mística?

Tais perplexidades não fizeram senão agravar-se com a promulgação novo “Ordo Missae”. Figuras mais eminentes da Hierarquia, dos meios teológicos do laicato, declaram que a nova liturgia do sacrifício eucarístico é inaceitável. Esses pronunciamentos não só vêm a público, mas ocupam mesmo lugar de destaque nos principais órgãos da grande impressa. Isso é agravado pelo fato que Santa Missa diz respeito à vida de piedade quotidiana do católico fervoroso, ao mesmo tempo que representa o que há de mais sagrado na Igreja. O novo “Ordo” exige ou parece exigir de todos os fiéis uma adesão que muitos julgam não poder dar. Assim, essa questão reveste-se de um interesse imediato e transcendental, e, na ordem prática, é densa de conseqüências dramáticas para todo e qualquer filho da Santa Igreja. De um lado, entre os progressistas, há o perigo da heresia, com o cisma que necessariamente toda heresia traz consigo. De outro lado, entre os tradicionalistas, a doutrina é sem dúvida ortodoxa, mas não se estará aí se infiltrando, sub-repticiamente, e com o pretexto do próprio zelo pela ortodoxia, o veneno mortal do cisma?

Movidos pela preocupação de esclarecer as angustiantes dúvidas que, sobretudo nos últimos anos, têm invadido numerosos espíritos fiéis, há tempos vimos estudando questões doutrinárias relacionadas com a atual crise na Igreja. Assim foi que escrevemos em “Catolicismo”, mensário de cultura publicado sob a égide do ilustre Bispo de Campos, D. Antônio de Castro Mayer, diversos artigos sobre o Magistério eclesiástico e outros temas de ordem dogmática, moral e canônica.

Desde a promulgação da nova Missa, estudamo-la pormenorizadamente, e sentimo-nos hoje no dever de comunicar privadamente a amigos algumas conclusões a que esse estudo nos conduziu. Tal é o objetivo deste trabalho.

Ao apresentar uma análise do “Ordo” de Paulo VI, pareceu-nos indispensável examinar uma objeção preliminar que pode ser formulada contra quem pretenda por em questão a ortodoxia de um ato pontifício. A objeção seria a seguinte: dadas as promessas divinas feitas a São Pedro e seus sucessores, é absurdo sequer levantar a hipótese de que um ato papal seja em alguma medida susceptível de reservas quanto à sua ortodoxia.

Isso torna indispensável apresentar aqui, antes do exame da nova Missa (Parte II.), uma análise de outro problema - versado abundantemente por teólogos e canonistas ao longo dos séculos, e que vimos estudando há alguns anos - a hipótese teológica de um Papa cair em heresia.

Queremos desde já salientar que não escrevemos estas linhas com objetivos “contestatórios”. Não nos move, de maneira alguma, qualquer intenção de questionar o princípio de autoridade na Santa Igreja. Pelo contrário, é em defesa da própria unidade católica, e da autoridade suprema da Igreja - Jesus Cristo, de Quem o Papa é vigário na terra - que fazemos as presentes considerações sobre a hipótese de defecção de um Papa na Fé, bem como sobre o novo “Ordo Missae”.

Sentimo-nos aliás perfeitamente à vontade ao analisar - em termos científicos e sempre respeitosos - qual a medida em que, segundo a teologia e o Direito Canônico, determinados atos papais efetivamente obrigam: pois a defesa do princípio de autoridade foi sempre uma das regras supremas que nortearam a ação tanto de “Catolicismo” - com o qual colaboramos desde seus primeiros anos - quanto da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade - a cujo Conselho Nacional temos a honra de pertencer.

Em outras palavras: não “contestamos” em sentido algum qualquer autoridade eclesiástica, mas procuramos determinar em que medida se pode ou se deve, segundo os mais genuínos ensinamentos da Igreja, acolher o novo “Ordo Missae”.

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