A Paz de Cristo - Pe. Assis


Os frutos da Ressurreição de Jesus são a alegria, a paz e o testemunho do amor mútuo. O Espírito Santo é o maior dos dons pascais. Os frutos sobrenaturais da ação do Espírito Santo na alma do cristão, manifestação da glória de Deus são inúmeros, o Apóstolo Paulo enumera alguns: “amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio.” (Gal 5, 22-23) Esses frutos são perfeições que amadurecem na vida cristã e como dirá o Senhor na Última Ceia: “Meu Pai é glorificado quando produzis muito fruto.” (Jo 15,8)
Prosseguindo no contexto da partida de Jesus, descrito no capítulo 14 do Quarto Evangelho Jesus nos ensina que o Espírito Santo vive em nós na medida em que acreditamos e praticamos sua Palavra: “Se alguém me ama, guardará minha palavra, e o meu Pai o amará, e a ele viremos e nele estabeleceremos morada.” (Jo 14, 23) É amando-nos uns aos outros que estaremos guardando a Palavra de Jesus e guardar a sua palavra é a maneira de manter viva a sua memória entre nós. O amor de que fala Jesus é algo mais, muito mais, que um mero sentimento, que um enamoramento. Está ratificado com a fidelidade. Quer dizer, em definitivo, só quem cumpre com os mandamentos da lei divina é quem realmente ama e é fiel ao Senhor. A fé e o compromisso com o Senhor não é um produto de sua presença física, e sim da ação do Espírito Santo sobre nós, nos fazendo recordar através da história e dos acontecimentos pessoais tudo o que ele nos disse. O mais é palavreado, uma armadilha que nem às pessoas engana, e muito menos a Deus. Isso é o Mestre que nos ensina: “Quem não me ama não guarda minhas palavras.” (Jo 14,24a) Examinemos nossa conduta e vejamos se de verdade amamos ao Senhor, se somos sua morada, se nos deixamos conduzir pela Verdade. E caso contrário, tratemos de retificá-la.
Jesus segue falando na ceia de despedida. Ele se dá conta de como a tristeza se vai apoderando do coração de seus discípulos. Também para ele era triste este momento. Por isso trata de consolá-los com a promessa do Espírito Santo, o Paráclito, o Consolador, que virá depois que ele se for, enchendo-os de fogo e de luz, de forças e de coragem para empreender a grande tarefa que lhes

aguardava (Jo 14,26). Ele será quem os acompanhará então nas profundas solidões, que logo virão; quem lhes falará nas longas horas de perseguições e tormentos.
A paz é um dos grandes sinais da presença de Deus e da chegada do Reino. Os povos semitas costumavam desejar e dar a paz uns aos outros nos cumprimentos e despedidas.
No contexto da despedida de Jesus dos seus discípulos ele deixa-lhes a paz: “Deixo-vos a paz, minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe nem se intimide vosso coração.” (Jo 14, 27) A palavra utilizada por Jesus é “shalôm”, com ela, os judeus ainda hoje se cumprimentam; com ela o próprio Jesus saudou os discípulos na tarde de Páscoa. “O termo hebraico ‘shalôm’, traduzido nas bíblias em português por ‘paz’, é uma palavra tão amplamente usada e com tão rico conteúdo que nenhum termo português sozinho pode traduzi-lo. ‘Shalôm’ era uma saudação comum e expressão de bons desejos. O israelita concebia a paz como uma dádiva de Iahweh e, como tal, tornou-se um conceito teológico... O estado de bem estar perfeito que a palavra designa, é identificado com a divindade: quando alguém possui a paz, está em perfeita e segura comunhão com Iahweh... A paz não consiste em mera prosperidade e bem-estar; um componente essencial da paz é a justiça, e onde não há justiça não há paz verdadeira... No Novo Testamento a ‘paz’ é a saudação usual. A paz vem da união com Jesus Cristo e excede todo pensamento humano (Fl 4,7). Ela reina no coração dos cristãos, os quais estão unidos na paz do único corpo de Cristo (Cl 3,15). Paz é comunhão com Deus, e o próprio Jesus é a nossa paz neste sentido, visto que ele é o vínculo de comunhão (Ef 2,14); vivemos em paz com Deus graças a nosso Senhor Jesus Cristo (Rm 5,1). Ele é também um estado de tranquilidade interior e de relações harmoniosas com a comunidade cristã.” (Mckenzie, 1983.)
A paz é, portanto, síntese de todos os desejos de bem estar, de justiça, de abundância, de fraternidade. Jesus dá a seus discípulos e a nós um dom precioso, a plenitude de todos os dons do Espírito. Se a paz reinar em nossos corações seremos capazes de transmiti-la aos demais e de construí-la ao nosso redor.
No projeto de vida cristã a paz abrange todas as dimensões da vida humana e se converte num compromisso permanente para os seguidores de Jesus, construir a paz. Por isso Jesus distingue entre sua paz e a paz do mundo. A paz do mundo tem como base o poder, o domínio, a força do mais poderoso sobre o mais fraco. A paz de Cristo é um dom, um presente, uma espécie de herança, derivada de sua partida, é parte de seu testamento espiritual que os discípulos terão de cultivar como um projeto que permite tornar presente no mundo a vontade do Pai, manifesta em Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância.” (Jo 10,10)
“A paz cristã não tem outro caminho viável senão o caminho do amor. Encarnada nesta categoria, a paz ganha toda importância que o amor tem em qualquer concepção de vida. A paz e a violência têm que ser vistas, definitivamente, em relação ao amor, o que amplia o campo de leitura e de vida, contanto que façamos do amor o interlocutor que ele deve ser. Partir, pois, da paz é partir do amor. Falar do amor, e mais ainda do amor pacífico, é expor-se a cair em romantismos ou em meros tópicos. É inclusive expor-se a cair em linguagem objetivamente séria, mas que hoje não diz nada. Por outro lado, porém, não podemos renunciar ao que constitui a raiz de uma vida como a cristã e de todos os seus aspectos. O importante é descobrir o sentido do amor em sua relação exatamente com todo o mundo da paz e da justiça, que parecem tão unidas.” (De Fiores, 1989.)
A paz do mundo é uma paz feita de mentiras e conivências covardes, de concessões e cessões mútuas. É uma paz frágil que intranquiliza mais que sossega. A paz de Cristo, em troca, é profunda, duradoura e alegre. “Deixo-vos a paz, minha paz vos dou. Não vo-la dou como o mundo a dá.” (Jo 14,27) “É a paz de Deus. Desta paz de Deus a humanidade precisa com urgência. Ela é a fonte secreta que alimenta a paz humana em todas as suas formas. Ela irrompe de dentro, irradia em todas as direções, qualifica as relações e alcança o ‘coração íntimo’ das pessoas de boa vontade. Essa paz é feita de reverência, de respeito, de tolerância, de compreensão benevolente das limitações dos outros e de acolhida do Mistério do mundo. Ela alimenta o amor, o cuidado, a vontade de ser compreendido, de perdoar e de ser perdoado.” (Boff, 2006.)
“Não se perturbe nem se intimide vosso coração.” (Jo 14, 27b) Não, a intimidação ou a covardia não é possível para quem crê em Deus, para quem está convencido de seu poder e sabedoria. O medo é próprio de quem se sabe perdido, não de quem se sabe salvo. Que tremam os que estão afastados de Deus, os que não têm a segurança da esperança, nem a fortaleza da fé, nem tampouco a alegria do amor. Esses sim têm razão para tremer e acovardar-se, mas uma pessoa que tem consciência de sua filiação de Deus e dá ação do Espírito Santo derramado em seus corações, fazendo recordar as palavras de Jesus não. O amor a Deus produz em nós paz e alegria, nos faz pessoas equilibradas e otimistas.
Não queremos ser ingênuos nem irresponsavelmente utópicos, mas não permitamos que nosso coração trema, nem se acovarde ante as inumeráveis e inevitáveis dificuldades que a vida nos apresenta. Uma pessoa que está sempre em comunhão com Deus sabe que é portadora, no frágil vaso de seu corpo, a fortaleza de Deus. Evidentemente poderá sentir medo físico, debilidade psicológica e até imperfeição espiritual, mas saberá que a fortaleza de Deus que mora e vive dentro dele lhe vai proporcionar a fortaleza necessária para resistir aos males do corpo e as debilidades de seu espírito.
Estamos vivendo uma hora muito decisivas para a Igreja e para o anúncio do evangelho. Nunca como hoje necessitamos de pessoas vigorosos e não covardes, de pessoas dispostas a dar testemunho de Jesus, pessoas dispostas a oferecer-se. A dar-se generosamente aos outros como sinal e identidade de que somos de Cristo e de que pertencemos a uma comunidade de irmãos. E, acima de tudo, a promessa de Jesus: ele nos acompanhará, nos consolará com o Espírito e nos guiará, como membros de sua Igreja, até a meta final. Que Deus nos siga animando e inundando com a alegria desta Páscoa. Porque, estar e permanecer ao lado de Jesus, é garantia segura.
Caminhemos com esta persuasão e avancemos alegres pela vida, contando nossos dias em um ambiente de incessante alegria pascal. Que nada nos perturbe. Aconteça o que acontecer, conservemos a calma, vivamos serenos e otimistas, persuadidos de que Jesus, com sua morte e com sua glória, nos salvou de uma vez para sempre.

* Padre José Assis Pereira Soares é párcoco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro da Palmeira.

Bibliografia:

Mckenzie, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo : Paulus, 1983.
De Fiores, Stefano; Goffi, Tullo. (orgs.). Dicionário de Espiritualidade. São Paulo : Edições Paulinas, 1989.
Boff, Leonardo. Virtudes para um mundo possível vol. II: Comer e beber juntos e viver em paz. Petrópolis : Vozes, 2006.

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Padre José Assis Pereira 

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