A VIA DA PAZ

No mundo presente tudo é efêmero, nada é estável. Temos momentos de tréguas e de tranqüilidade relativa, mas nosso estado habitual é o combate (Job). Mesmo se não tivéssemos inimigos exteriores, não seriamos menos obrigados a ter sempre as armas na mão, para nos vencermos a nós mesmos e sopear nossas concupiscências. Enquanto estivermos sobre a terra estaremos em um vale de lágrimas, reduzidos a dizer com São Paulo: “Quanto eu sou desgraçado; quem me livraria deste corpo da morte? Faço o mal, que aborreço, e não pratico o bem, que amo.”

Daqui esse fundo de inquietação que deixam sempre após de si as faltas que se cometem. Reparará tudo a penitência? Quem me certifica disso? Quando mesmo o misericordioso Salvador viesse dizer-me como a esse doente, cuja cura se procurava: “tem confiança, meu filho, os teus pecados te são perdoados”. Essa divina segurança, sem embargo de ser consoladora, dissiparia todos os meus receios?
Para o passado, por certo, mas para o futuro que certeza haveria de evitar as recaídas? E como poderíamos abster-nos de pensar que ainda podemos tornar a pecar, e que um momento basta para fazer de um santo um réprobo? Só no céu poderei obter segurança completa, e dizer com o Apóstolo: “Estou seguro que nada já poderá afastar-me da caridade de Jesus Cristo” (Rom. 8, 38).
Santa Tereza dizia: “Senhor, em quanto dura esta vida mortal, corre sempre risco a eterna”. No céu, de todos os meus combates só me restarão vitórias; e de todos os meus perigos só uma doce segurança.
Afigura-se-me um filho de Deus que deixa o exílio e vai entrar na pátria, e tomar posse da sua herança, que lhe mereceram as graças de Jesus Cristo, e a correspondência fiel às mesmas. O inverno passou para ela (a alma) e substituiu-o a mais formosa primavera (Cant. II) “Bom servo, vai descansar das tuas lidas na felicidade soberana e eterna”. Quanto a alma está transportada! Ela se precipita nos braços do seu Deus e pai, exclamando: “estou salva!”. Ela o duvidava há pouco ainda, pensando na terrível palavra: Ninguém sabe se merece o amor ou o ódio (Eccl. 9, 1). Era a última prova, que acabava de purificá-la. Sabe agora que é digna do amor; soube-o da boca mesma de Deus; e experimenta-o com a santa embriagues que se apodera de todo o seu ser. Ó encanto inefável desse primeiro momento, e esse encanto durará toda a eternidade!
Desdobra-se pois a paz para os eleitos; paz na vida presente, que faz o nosso mérito, paz na vida futura, e esse será o nosso sublime galardão. Uma forma os santos, a outra coroa-os. Pela primeira semeamos nas lágrimas, pela segunda ceifamos na alegria (Salmo 75).
Uma é a via, a outra o termo; via penosa é o tempo transitório do sofrimento; termo felicíssimo, o que nos põe na posse de uma inalterável felicidade.

P. Chaignon, S.J.
A paz da alma


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