Sobre as manifestações. O que diz a Doutrina Social da Igreja?



Eis um tema que precisa ser bem meditado. Vamos lá!

As manifestações populares, que tomaram o país nos últimos meses, revestem-se de importância pois revelam diversas características da sociedade brasileira, que não se deixam perceber de outro modo.

Antes de tudo, é necessário reafirmar o legítimo direito constitucional à livre reunião, sem prévio aviso, em lugares abertos ao público. Contudo, a Constituição Federal (CF) condiciona o direito a não existência de armas. De fato, a liberdade de ir e vir anexa também o direito à reunião. Nesse sentido, o direito civil vai ao encontro da ética e da Doutrina Social da Igreja, que reconhece o direito à greve e, parece razoável, também reconheceria manifestações civis, contanto que:

1. Outros recursos tenham se mostrado ineficazes;

2. Seja necessário para um bem proporcional;

3. Devem tratar de um objetivo bem comum e;

4. Não admite uso de violência (cf. Compêndio de Doutrina Social, § 304).

Assim, as manifestações por um país justo e menos corrupto, de per si, não são contrárias ao ordenamento jurídico vigente e – mais importante – não estão em contradição com o sentimento religioso católico, nem com princípios de uma ética mais geral.

Entretanto, na prática, as manifestações que têm ocorrido resvalam em questões difíceis de justificar. Por exemplo, ano passado, quando houve a destruição do patrimônio público e privado, pelos criminosos Black Bloc's, o motivo foi o aumento da passagem em 20 centavos. Será que a reação dos manifestantes foi proporcionada ao objeto perseguido? Esgotaram-se todos os meios de diálogo? São perguntas que, confesso, não me sinto capaz de responder nem de dar uma resposta simpática. Contudo, há um nó: o uso de armas.

Por princípio, o uso de armamento deveria ser eliminado dessas manifestações, pois aumentam a insegurança dos manifestantes e incitam à violência. A CF adverte contra a ilegalidade de reuniões que tenham tais artefatos, para a segurança dos participantes e dos policiais. Afinal, por que motivo se sai de casa com uma bomba senão com o objetivo de deflagá-la? Com efeito, o Papa Bento XVI, na sua Carta Encíclica Caritate in Veritate relembra-nos que atos de vandalismo e violência "refreiam o desenvolvimento autêntico e impedem a evolução dos povos para um bem-estar socioeconômico e espiritual" (cf. § 29). E o Papa Francisco, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudim (EG), destaca que armas e a violência, no contexto dos embates sócio-econômicos, "mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos" (cf. § 60).

Outro ponto delicado é a propriedade privada. Papa Francisco, que não se pode ser acusado de conservador ou algo que o valha, confirma a Doutrina Social da Igreja a respeito da propriedade privada:

A solidariedade é uma reação espontânea de quem reconhece a função social da propriedade e o destino universal dos bens como realidades anteriores à propriedade privada. A posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e aumentá-los de modo a servirem melhor o bem comum, pelo que a solidariedade deve ser vivida como a decisão de devolver ao pobre o que lhe corresponde – EG, 189.

Os manifestantes não respeitam o direito dos comerciantes terem suas lojas, dos proprietários terem seus carros, dos cidadãos suas casas. Há inclusive a cena registrada por um fotógrafo em que um grupo de criminosos Black Blocs incendeia um automóvel com a família ainda dentro do veículo (inclusive uma menina). Felizmente, esse caso não terminou como a tragédia do cinegrafista Santiago.

Deve-se dizer, contudo, que o Compêndio de Doutrina Social "reconfirma o direito à propriedade privada, evocando-lhe a sua função social" (cf. § 91). Atacar o bem, muitas vezes responsável pela sobrevivência de uma família, como o veículo do seu Itamar Santos (acima), não é função de manifestações populares.

De forma breve, as manifestações que ocorrem nas principais capitais brasileiras não parecem ser contrárias ao direito ou à justiça. Entretanto, os cristãos que delas participam deveriam analisar a oportunidade e a necessidade da sua participação. Além de abster-se absolutamente da depredação de bens públicos e privados.

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